quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Palavras malditas

* Por Mara Narciso

As palavras são seres vivos que nascem e morrem. Quando a experiência já chegou, notamos vez por outra o uso de palavras que, pelo desuso se tornaram arcaicas. Que crianças e jovens não saibam o que é, espera-se, mas adultos relativamente informados, também podem desconhecer o termo. Outro dia falei, para espanto de todos, que o Atlético havia “furado” um gol. Dizer feito ou marcado um gol seria mais atual. Porém, mais antigo ainda é “o time A marcou um tento”. Alguém se lembra?

Expressões idiomáticas envelhecem. Outras desistem de morrer. Por mais estranho que pareça ainda se diz, inclusive nas novelas, que são o pai e a mãe de todas as modas: “ainda não caiu a ficha”. Meninos, antigamente para se telefonar (falar ao longe, pois tele significa longe, e fonar é falar), usavam-se um telefone público, vulgo “orelhão”, que no começo só existia nas grandes cidades. Era um grande e pesado aparelho metálico, feito uma caixa, medindo uns 40 cm, com um fio grosso em uma das extremidades de onde partia uma espécie de anexo com bocal ou fone e a porção de ouvir. Era parafusado na parede, na posição vertical. No meio do aparelho havia um disco, chamado dial, com números, onde se enfiava o dedo e se girava. No topo, e à esquerda havia um buraco para colocar a ficha, parecendo uma moeda de alumínio, que tinha posição exata para entrar, com frente e verso e era comprada nas bancas de revista. Enfiava-se a ficha e se discava. De vez em quando o telefone a comia sem completar a ligação. A conversa só começava quando o artefato caia dentro do aparelho, fazendo um barulho característico. A cada instante o telefone comia mais uma ficha, e mais outra. Então era preciso abastecê-lo freneticamente, especialmente em ligações para outra cidade. Mais antigo impossível. O telefone público acabou, mas a expressão continuou. E então? Caiu a ficha?

A tecnologia joga fora várias expressões em alta velocidade. O que dizer do problema na “rebimboca da parafuseta”, ou “no eixo da grampola”, peças e funções inexistentes, faladas apenas para zombar de quem tem o carro avariado? Imagino o que pensa um frentista novato olhando o motor dos infinitos tipos de carro importado. Isso atrai outro termo antigo, e, me desculpem a incorreção: um burro olhando para uma igreja.

O preconceito contra palavras não é novo. Antes da invenção do politicamente correto, já havia expressões que eram evitadas pelas pessoas educadas, que não falavam palavrões e nem as palavras vetadas pelos pais. Vocábulos pejorativos deviam ser evitados pelas bocas elegantes. A minha mãe, Milena, detestava que se dissessem égua, cadela, aleijado, tuberculoso. Eram termos proscritos, especialmente a campeã, “desgraça”. Esta palavra significava a maldição completa e a danação total de quem a proferisse. Falar tal termo era evocar todos os males no mesmo instante. Era preciso convencer as crianças da veracidade deste fato, assim a desgraça era a mulher do capeta, e chamar por ela, era a certeza de que ela viria, com todas as suas pestilências e sofrimentos. Na frente da minha mãe, eu não falava, mas descobri depois que é a minha palavra preferida para desabafar alguma raiva ou frustração. Quando me brota uma ira, é dela que eu me lembro, e grito com força, numa catarse. Em mim, tem o efeito oposto dos receios da minha mãe, pois não chama nada. Coloca para fora, põe para correr. Faz sarar, traz a cura. Tem um magnífico efeito mágico. Muitos não gostam quando me ouvem recorrer a ela. Mas, feitas as explicações, sei que me compreendem.
Tenho amigos que não tiram determinado palavrão da boca. Funciona quase como um bordão. Vão falando e usando este recurso, enquanto pensam a próxima frase. Parecem copiar os gagos (como é o termo correto?) que usam uma palavra de espera para reduzir os efeitos catastróficos da gagueira. Como se vai ouvindo o tal palavrão, a cada duas ou três frases, vemos que, há muito perdeu seu significado principal, servindo unicamente de anexo para a conversa. Eu não acho bonito, mas enfim, é uma maneira de comunicar. E você, tem alguma palavra proibida? Usa algum recurso fonético para exortar seus males? Ou apenas os palavrões de praxe?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

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    1. Que bom tê-lo como leitor, Marcelo! É um privilégio ser postada no Literário e ler seu comentário na quarta-feira. Muito obrigada!

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