Como nascem as piadas
* Por José Paulo
Lanyi
Eis uma definição injusta e
maldosa, perpetrada por um grande amigo meu, sarrista de alto quilate: um grupo
escoteiro nada mais seria do que “um bando de crianças vestidas de babaca
comandado por um babaca vestido de criança”.
Depois de rir... rir muito...,
rir cada vez mais (!)..., achei por bem promover este desagravo aos escoteiros.
Eles não merecem isso. Conheço quatro deles. Um jornalista valoroso, a própria
expressão da bonomia... E o Huguinho, o Zezinho e o Luizinho.
“Essa gente não respeita nada,
mesmo...”, pensei, dois minutos e meio depois. Piada de português? Vá lá...
Joãozinho? Papagaio? Cultura brasileira! Crianças empenhadas no bem? Educadores
de gerações de bons rapazes? É um pouco demais...
Ainda bem que inventaram o
politicamente correto.
Por falar nisso, certa vez um
outro grande amigo meu, outro sarrista de alto quilate, estava a bordo de um
táxi, trânsito parado, quando quase recebeu um panfleto das mãos de um
integrante da TFP.
Há certas coisas que, juntas, só
existem em São Paulo :
táxi, grande amigo meu sarrista de alto quilate, trânsito parado e TFP.
O dito amigo fez um escarcéu ao
rejeitar aquele panfleto. Mediu o outro, de cima a baixo, olhou de soslaio para
aquele estandarte vermelho e descortinou a farsa:
- Motorista, feche o vidro! Eu
não falo com comunistas!
O taxista obedeceu. Do lado de
fora, o perplexo reagia:
- Mas nós não somos...
- Comunista! Comunista!
- Nós não somos comunistas!
Isolado pela janela, nada mais a
ouvir, meu amigo regozijava-se, espírito zombeteiro que é. Do lado de lá do
vidro, um confuso.
A vida demonstra que o joio nasce
do joio. Esse mesmo gozador tem um filho, que reputo a própria encarnação de
Pan – aquele que, de assustar, legou-nos, em sua homenagem, a palavra “pânico”.
Assim é. Como o deus mitológico,
o Filho do Outro sai por aí a perturbar o imperturbável. Da flauta nasceu o
braço do violão. Do ceticismo respeitoso sobreveio-lhe o paganismo cristão. Um
herege de terno, a esconder as pernas de bode. Orelhas arredondadas e
proeminentes, a disfarçar o humor pontiagudo. De chifres não falarei. Amigo meu
não tem chifre. Está decidido.
Esse mesmo ser sorriu-me como um
bode e contou-me a história: o irmão de um outro grande amigo sarrista de alto
quilate (que tem por hábito esgar, quando contrariado em seus pensamentos mais
caros, que sempre consistem em sexo), o
irmão dessa alma perdida militara na TFP, de onde sairia, tempos depois, com a
bênção do aprendizado de três ofícios: inglês, karatê de contato e... oboé.
De que se conclui que tradição,
família e propriedade se conquistam com lábia, boa música e um pouco de
porrada.
Piadas não nascem prontas, como
se diz. Levam nove meses para nascer, quinze anos para crescer e, em média,
setenta para morrer.
(*) Jornalista, escritor e
dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do
romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da
peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog) e da coletânea
"Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos", todos da editora O
Artífice. Compõe música clássica com o paulistano Flávio Villar Fernandes.
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