A trágica viagem de Pedro Álvares Cabral
* Por Leonardo Dantas Silva
Numa sala de aula, diante da pergunta – Quem descobriu o Brasil ? –,
qualquer criança responde com precisão:Pedro Álvares Cabral! Ao que a
professora complementa: No dia 22 de abril do ano de 1500. A verdadeira
história, porém, nos seus meandros de grandeza e tragédia, só os versos do
poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) podem melhor enunciar:
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por que te cruzamos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nossos, ó mar!”
Na década final do século XV, graças aos informes seguros trazidos pelo
navegador Duarte Pacheco (1460-1533), D. Manuel I, O Venturoso, resolve
consolidar o chamado Caminho das Índias, descoberto por Vasco da Gama (c.1469-1524),
em 1498, iniciando a exploração das terras desconhecidas ao sul do Equador.
Para isso vem constituir uma grande esquadra formada por seis naus, três
caravelas redondas, uma nau mercante, uma naveta de mantimentos, acrescida da
nau-capitânia e da sota-capitânia, cujo comando, por carta régia de 15 de
fevereiro de 1500, sob o comando de Pedro Álvares de Gouveia, depois Pedro
Álvares Cabral, com o falecimento do seu irmão mais velho.
Na manhã de 9 de março daquele ano, zarpou de Lisboa a armada levando em
seu bojo entre 1200 a 1500 homens. Na tripulação, soldados, besteiros, feitor,
agentes comerciais e escrivães, além do cosmógrafo Mestre João Faras,
especialista em geografia e astronomia, do capelão frei Henrique de Coimbra,
oito sacerdotes seculares, oito frades franciscanos. Levava como intérprete o
cristão-novo Gaspar da Gama, também conhecido como “Gaspar da Índia”, um judeu
polonês, capturado por Vasco da Gama, que lá vivera 30 anos e que, em Lisboa,
fora convertido ao cristianismo e batizado com o nome de família do seu
padrinho.
Contando com a experiência de navegadores consagrados, como Nicolau
Coelho, que acompanhara Vasco da Gama em sua primeira viagem; de Bartolomeu
Dias, o primeiro a contornar o Cabo da Boa Esperança (1487) – conhecido pelos
mareantes como Cabo das Tormentas ou Cabo Não –, e de seu irmão, Diogo Dias,
Pedro Álvares aventurou-se no mar. As demais naus eram comandadas por
representantes da nobreza de então: Simão de Miranda Azevedo, Aires Gomes da
Silva, Simão de Pina, Vasco de Ataíde, Nuno Leitão da Cunha, Pero de Ataíde,
Gaspar de Lemos, Luís Pires e Simão de Pina.
Na terça-feira após a Páscoa, 21 de abril, segundo testemunho do
escrivão da armada, Pero Vaz de Caminha, foram encontradas, muita quantidade
d’ervas compridas a que os mareantes chamam de botelho e assim outras, a que
também chamam de rabo d’asno confirmando assim os primeiros sinais de terra. No
dia seguinte, 22 de abril de 1500, segundo a mesma fonte, pela manhã, topamos
aves conhecidas por fura-buchos, e nestes dias, a hora das vésperas, houvemos
vista de terra, primeiramente dum grande monte bem alto e redondo e de outras
serras mais baixas ao sul dele e de terra chã com grandes arvoredos; ao monte
pôs o capitão o nome de Pascoal e à terra, Terra da Vera Cruz. Estava assim
lavrado o “Auto de Achamento do Brasil”, culminando com Pedro Álvares a série
de incursões de navegadores anônimos.
Nas suas expedições, anteriores a 1500, procuravam esses anônimos
portugueses, tendo a frente Duarte Pacheco, situar um ponto do desembarque
oficial. De modo a obedecer a raia estabelecida a 7 de julho de 1494, quando da
assinatura do Tratado de Tordesilhas, que reservara para a coroa portuguesa as
terras existentes dentro das 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde.
A trágica viagem
Passada uma semana, Pedro Álvares continuou sua viagem com destino à
Índia, seguindo as recomendações de Vasco da Gama, navegando, no sentido
sudeste, em busca do Cabo da Boa Esperança (África do Sul), denominado então
pelos marinheiros de Cabo das Tormentas. A sorte, porém, que o acompanhara até
então, parece o ter abandonado: logo no dia 23 de maio, quando uma forte
tempestade, já nas proximidades do cabo veio a provocar fortes baixas na
esquadra. Na ocasião naufragaram as naus de Aires Gomes da Silva, Luís Pires e
Simão Dias, levando consigo mais de 300 homens, seguindo-se da caravela de
Bartolomeu Dias, o mesmo que houvera descoberto o dito Cabo da Boa Esperança,
com 80 homens.
Somente a 16 de julho, os cinco navios restantes da esquadra vieram se
reencontrar, completamente avariados e com as suas tripulações em pânico, na
ilha de Quiloa, na costa do atual Quênia. A viagem se seguiu com o que restou
da primitiva frota atingindo Sofala (Moçambique), em julho, e Melinde (Quênia),
a 2 de agosto, onde com o apoio do xeque Omar conseguiu os serviços de um
piloto hindu que a conduziu até a Índia.
Em 13 de setembro, aportaram em Calicute (Índia) a capitânia de Pedro
Álvares, a sota-capitânia de Sancho Tovar, e a Anunciada, de Nuno Leitão da
Cunha, além de duas outras comandadas por Nicolau Coelho e Simão de Miranda. No
final de setembro o capitão-mor teve o esperado encontro com o Samorim de
Calicute – ou Samudri-Raj, o “Senhor do Mar” –,quando lhe fez entrega da carta
do D. Manuel I, escrita em árabe, e presenteou-lhe com moedas de ouro e prata,
sedas e brocados, recebendo em troca autorização para instalação de uma
feitoria naquele movimentado centro comercial.
Mas o pior estava por vir. Enquanto os portugueses carregavam suas naus
de especiarias, enfrentando a concorrência dos comerciantes árabes, que os viam
como uma ameaça aos seus negócios, a esquadra veio a ser atacada, a 16 de
dezembro de 1500, por cerca de 300 árabes e hindus. Na ocasião perdeu a vida o
escrivão Pero Vaz de Caminha, juntamente com o feitor Aires Corrêa, seis frades
franciscanos e 50 outros portugueses. Em represália, segundo relato do Piloto
Anônimo, foi Calicute bombardeada durante dois dias pelos portugueses “matando
infinita gente e causando muito dano à cidade”.
Em seguida Pedro Álvares buscou abrigo no reino de Cochim (hoje a maior
cidade do estado de Kerala, na costa do Malabar), distante 200 km de Calicute,
para onde se dirigiu no dia 20 de dezembro. O rajá local, rival de Calicute,
permitiu a instalação de uma feitoria e o carregamento das naus de pimenta,
gengibre, canela e outras especiarias. Em 16 de janeiro de 1501, com uma cabeça
de ponte instalada em Cochim, os navios que restaram da esquadra de Pedro
Álvares iniciaram sua viagem de retorno a Lisboa.
No seu regresso foi encontrar em Bezeguiche, hoje Dakar, a nau
desgarrada de Diogo Dias, com uma tripulação de apenas sete homens, e, numa
feliz coincidência, com a expedição de Gonçalo Coelho que seguia em busca do
Brasil. Dos treze navios somente regressaram a Lisboa, a nau Anunciada, sob o
comando de Nuno Leitão da Cunha, em 23 de junho de 1501, seguindo-se depois da
nau capitânia de Pedro Álvares, que veio aportar no Tejo a 21 de julho de 1501,
unindo pela primeira vez os quatro continentes: Europa, América, África e Ásia.
O restante dos navios e suas tripulações perderam-se no mar; bem de
acordo com a descrição do poeta Fernando Pessoa:
Valeu a pena?
“Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quer passar além do Bojador?
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”
*
Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE
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