quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Não tem graça quando é fácil

* Por Fernando Yanmar Narciso

Ano que vem, fará sete anos que trabalho como auxiliar de meu pai, engenheiro civil. Especializamos-nos em desenvolver sistemas de prevenção de incêndio. Basicamente, nosso trabalho é projetar no computador a posição de luzes de emergência, plaquinhas de rotas de fuga, hidrantes, alarmes, detectores de fumaça e afins. É um serviço relativamente simples, e não raro redundante. Digo, qual seria a necessidade de colocar extintores numa escola de natação? A água da piscina pode pegar fogo, por acaso?

Nosso trabalho seria bem mais simples, não fosse a burocracia do Corpo de Bombeiros, por onde cada projeto nosso deve passar antes de ser aprovado... Ainda um tanto arcaicos no quesito praticidade, mesmo se o projetista teve uma ideia genial, revolucionária, precisa seguir à risca a cartilha pré-histórica da entidade para conseguir aprovação. Eu e pai já perdemos a paciência várias vezes com os bombeiros por causa de redundâncias e futilidades, mas como autoridade é autoridade...

Quando alguns de nós somos desafiados, parece que urgimos por mostrar a que viemos. O impulso de tentar superar a si mesmos é incontrolável para certas pessoas. Quando pensamos em soluções criativas, para não dizer impossíveis, provavelmente o personagem Angus MacGyver vem em mente em 1º lugar. Membro das Forças Especiais, lidar com ele era mais ou menos como ter os quatro membros do Esquadrão Classe A numa só pessoa.

Em vez de carregar um revólver como um agente que se preze, ele preferia usar seu cérebro enorme e não mais que um canivete suíço para criar soluções mirabolantes para situações de morte certa. Dentre elas, transformou varas de bambu, sacos de lixo e um motor de barco num tipo de 14-Bis perfeitamente funcional, criou uma granada de mão com pinhões secos e resina de árvore, fez um estilingue gigante com pedaços de uma bicicleta para derrubar um ultraleve... E escondeu um Jet-ski dentro de um caixão!

É normal que as respostas mais simples e óbvias para uma situação sequer passem pelas nossas cabeças. Numa antiga tirinha do Chico Bento, ele acha um baú de tesouro pirata enterrado no meio do roçado. Quão distante o cerrado goiano fica do mar? Ah, esquece!
Como eu e você agiríamos diante de um baú antigo cheio de ouro e joias, ele tentou o impossível para abri-lo: Arrebentar a tranca com a pá e com uma pedra grande, rolou o baú ladeira abaixo e até tentou estourar aquela coisa com pólvora, mas a tampa nem se mexeu. Frustrado, ele vai embora e larga o baú pra lá... Só para outro menino encontrá-lo e simplesmente levantar a tampa do baú, ficando com o tesouro.

As tramas de vingança são antigas favoritas de autores de livros, filmes e programas de TV. Isso como se no mundo de hoje, com tantas contas a pagar, filhos pra criar, engarrafamentos, criminalidade, casa pra dar manutenção e a parentalha chata vindo almoçar no fim de semana alguém fosse ter tempo pra elaborar uma vingancinha... Os “anjos da morte” levam tanto tempo aperfeiçoando as minúcias de seu plano sinistro, fazem tanta questão de parecerem gênios diante de seus adversários que o plano só pode acabar dando terrivelmente errado no fim.

Não veem a novela das 9? Aline já deu tantas voltas em sua sede de vingança contra César que já perdeu a noção da realidade. Começou a prejudicar até a prima Paloma, a única pessoa da família Khoury que ela jurou a si mesma que pouparia! O que dizer de Nina/Rita, que estava tão cega por seu plano que nem pensou em guardar um arquivo digital com as fotos de Carminha e Max!

O que vocês preferem fazer, vingadores? Cumprir a missão de vocês ou bancar o vilão de 007? Se quiserem tanto assim se vingar de alguém, simplesmente toquem a campainha da casa de seus adversários e enfiem uma pistola na garganta deles quando abrirem a porta. PÔU, missão cumprida! Não é muito esperto, mas é efetivo. Que diferença faz ao seu alvo saber por que você voltou se ele estiver com um projétil na traqueia?

Às vezes os criadores de uma obra descobrem uma solução tão simples para um problema enorme que o público sente que sua lealdade à obra foi traída. Você ficou diante de 600 páginas de um livro por meses, ou acompanhou uma novela ou gastou três horas de seu dia vendo o Superman voar, o mínimo que se pode esperar do autor é que ele faça nosso queixo cair no final da jornada. Talvez seja por isso que M. Night Shiyamalan, o cineasta que é saco de pancadas dos críticos há mais de uma década, se deu tão mal depois de O Sexto Sentido.

Inventor da reviravolta absurda, a carreira dele começou a ruir com o filme Sinais, de 2002. No filme, havia esses alienígenas, os grandes vilões, que desenhavam círculos em um milharal e assustavam os moradores de um vilarejo e encurralaram a família de Mel Gibson em sua fazenda. E com toda tecnologia disponível, inimaginável pela raça humana, esses monstros não conseguem derrubar portas de madeira e desmancham ao entrar em contato com água, tal qual a Bruxa Malvada do Oeste! Para muitos, tal reviravolta foi um seminal caso de “explosão de geladeira”, onde o autor simplesmente não sabe mais o que inventar e arrisca um Deus Ex Machina off demais até para os padrões dele, pra ver se a audiência engole.

Por outro lado, analisemos esse conceito com mais calma... Pessoas como Stephen King construíram suas carreiras ao redor do conceito “soluções absurdamente simples para iminentes holocaustos”. A indústria do entretenimento já nos acostumou de tal forma com imagens de exércitos enormes para combater holocaustos alienígenas que, quando aparece alguém como Shiyamalan, trazendo a solução do “bom selvagem” para o problema, faz todos pensarem que ele é um retardado. Ora, o que mais ele nos deixou saber sobre esses homens do espaço? Talvez eles nem soubessem da existência de água e madeira, nem que essas coisas tão corriqueiras eram nocivas a eles. O que esperavam que o pastor Mel Gibson e seus filhos tivessem guardado no celeiro, um míssil termonuclear? Um jato MIG? Capitão Nascimento com um saco e uma vassoura? Não, isso seria fácil demais...

*Designer e escritor. Sites:


2 comentários:

  1. O autor de ficção vai longe em busca de fugir do óbvio e mostrar alguma criatividade. Algumas profissões são mesmo maçantes e fazer os projetos alegados parece não exigir nada além de repetir incansavelmente. Na medicina também é assim, na maior parte das vezes. Quanto a criatividade, algumas vezes ultrapassa o verossímil e se torna uma bobagem, nada além, como você mostrou. Acho que tudo já foi criado, escrito e falado. Ou não? Então, para sair da rotina, escrever ainda pode ser uma boa solução.

    ResponderExcluir
  2. Novelas eu não posso comentar pois não as assisto mais, mas filmes como os do Stephen King e outros do gênero eu gosto, porém assisto-os sem grandes questionamentos, já bastam os desenhos da Disney que pra mim já perderam todo encanto. Ótimo texto. Abraços.

    ResponderExcluir