Língua eslava
* Por
Milorad Pavic
(...)
Depois aconteceu o terceiro sítio
da cidade da qual usava o nome. Em 860, enquanto os eslavos sitiavam
Constantinopla, Constantino, no Olimpo da Ásia Menor, preparou-lhes uma
armadilha. No silêncio de sua cela monacal, criou as primeiras letras do
alfabeto deles. Inicialmente, inventou letras arredondadas, mas a língua eslava
era tão selvagem que a tinta não a podia reter, e ele fez um outro alfabeto com
letras gradeadas, prendendo como a um pássaro essa língua insubmissa. Só mais
tarde, quando foi domesticada e iniciada no grego (pois as línguas aprendem
outras línguas), a língua eslava pôde ser aprisionada nas primeiras letras
glagolíticas, redondas.
Daubmannus relata a seguinte
história sobre a criação do alfabeto eslavo.
A língua dos bárbaros não se
deixava domesticar. Durante um breve outono de três semanas, os dois irmãos
estavam sentados nas suas celas, tentando em vão traçar as letras que mais
tarde serão chamadas de cirílicas. O trabalho anunciava-se difícil. De sua
cela, podia-se ver claramente os meados de outubro, e o silêncio tinha uma hora
de caminhada de comprimento e duas horas de caminhada de largura. Então Metódio
chamou a atenção do irmão para os quatro cântaros que se encontravam no
parapeito da janela, do lado de fora, do outro lado das barras.
- Se tua porta estiver fechada à
chave, como farás para pegar um desses cântaros? - perguntou.
Constantino quebrou um deles,
depois fez passar cada pedaço através da grade e colou os pedaços com uma
mistura de saliva e da terra argilosa sob seus pés.
Foi assim que fizeram com a
língua eslava: quebraram-na em pedaços, fizeram-na entrar em suas bocas através
das barras das letras cirílicas e recolaram os fragmentos com sua saliva e a
terra grega sob a sola de seus pés...
(Trecho do livro
“Dicionário Kazar”).
*
Escritor sérvio
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