sábado, 9 de novembro de 2013

Esta não é uma história de amor

* Por Rodolfo Viana

Eu não te amo mais”, ele diz.

Cada sílaba que profere tem o grave da sinceridade. ele sente o peso do que diz tanto quanto a mulher que o ouve. Em verdade, não há outra paixão em sua vida. apenas acabou. Do nada. Acontece.Poderia adotar uma abstração qualquer, dizer que “não é você; sou eu”, mas sabe que isso nada significa. Preferiu ser honesto. O mínimo que ela merece é a sinceridade do homem com quem viveu e que agora a deixa.

“Que cínico! Ele disse que te amava. Ele disse que te amava. O filho da puta te enganou todo esse tempo!”, dizem as amigas.

“A verdade é que ele nunca me tratou bem”, ela diz, engolindo o choro para fingir uma força que não tem, e atribui ao homem os piores vícios. De fato, ele não a amou todo o tempo – talvez seja impossível amar assim, a cada instante.

Em casa, chora copiosamente – não tanto por ver seu relacionamento acabar, mas por imaginar que se sujeitou tanto tempo a esta condição de desamada – afinal, julga o amor como verdadeiro se vier sua plenitude, o todo de uma vez, e nunca migalhas. Repensa os anos a dois: a beleza dos muitos beijos desvanece-se na feiura das muitas brigas. Decreta: vivia um relacionamento-cativeiro, posto que estava presa, acorrentada por um sentimento que supunha existir. Agora, sente-se idiota por isso, chora de raiva de si mesma.Jura a si mesma que nunca mais passaria por isso.

Se houvesse um motivo real para ele romper, mas não! Se houvesse, sei lá, uma outra mulher em sua vida, mas não! Mulheres entendem essas coisas do coração, enquanto os homens apenas tateiam no escuro. Se houvesse um motivo real, uma outra mulher, com certeza doeria muito, mas ao fim teria uma voz sussurrando de tempos em tempos “ele me deixou porque ama outra mulher”. Ela então odiaria esta outra mulher. Se houvesse uma outra mulher, mas não! Não havia. Estava perdida: como poderia odiar o homem que amou?

Ele a deixa porque não a ama mais. Simples assim. Complicado assim. Ao terminar o namoro, é sincero consigo e com a mulher. Mas ela ignora a sinceridade – preferiria que houvesse uma outra mulher. Ou que houvesse mentido. Relacionamentos chegam ao fim e há-se de implorar por alguma mentira conveniente, algum falso conforto para a alma.

Três meses e alguns telefonemas depois, ela está namorando de novo. O mesmo cara. A mesma condição. Ela voltou ao cativeiro com as próprias pernas. Em breve – e ela bem sabe, mas finge que não – estará deitada na cama, posição fetal, chorando novamente, morrendo novamente. Mas, por ora, a síndrome de Estocolmo é apenas gozo. Por ora, ela é a mais apaixonada das mulheres. Ele, por sua vez, cansou de ser sincero e agora faz juras de amor. As amigas tinham razão: ele é um cínico – mas pelo motivo oposto.

Assim seguem. Ele e ela pensam em comprar uma casa de cerca branca num bairro pacato e ter filhos.


* Jornalista

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