Esta não é uma história de amor
* Por
Rodolfo Viana
“Eu não te amo mais”,
ele diz.
Cada sílaba que profere
tem o grave da sinceridade. ele sente o peso do que diz tanto quanto a mulher
que o ouve. Em verdade, não há outra paixão em sua vida. apenas acabou. Do
nada. Acontece.Poderia adotar uma abstração qualquer, dizer que “não é você;
sou eu”, mas sabe que isso nada significa. Preferiu ser honesto. O mínimo que
ela merece é a sinceridade do homem com quem viveu e que agora a deixa.
“Que cínico! Ele disse
que te amava. Ele disse que te amava. O filho da puta te enganou todo esse
tempo!”, dizem as amigas.
“A verdade é que ele
nunca me tratou bem”, ela diz, engolindo o choro para fingir uma força que não
tem, e atribui ao homem os piores vícios. De fato, ele não a amou todo o tempo
– talvez seja impossível amar assim, a cada instante.
Em casa, chora
copiosamente – não tanto por ver seu relacionamento acabar, mas por imaginar
que se sujeitou tanto tempo a esta condição de desamada – afinal, julga o amor
como verdadeiro se vier sua plenitude, o todo de uma vez, e nunca migalhas.
Repensa os anos a dois: a beleza dos muitos beijos desvanece-se na feiura das
muitas brigas. Decreta: vivia um relacionamento-cativeiro, posto que estava
presa, acorrentada por um sentimento que supunha existir. Agora, sente-se
idiota por isso, chora de raiva de si mesma.Jura a si mesma que nunca mais
passaria por isso.
Se houvesse um motivo
real para ele romper, mas não! Se houvesse, sei lá, uma outra mulher em sua
vida, mas não! Mulheres entendem essas coisas do coração, enquanto os homens
apenas tateiam no escuro. Se houvesse um motivo real, uma outra mulher, com
certeza doeria muito, mas ao fim teria uma voz sussurrando de tempos em tempos
“ele me deixou porque ama outra mulher”. Ela então odiaria esta outra mulher.
Se houvesse uma outra mulher, mas não! Não havia. Estava perdida: como poderia
odiar o homem que amou?
Ele a deixa porque não
a ama mais. Simples assim. Complicado assim. Ao terminar o namoro, é sincero
consigo e com a mulher. Mas ela ignora a sinceridade – preferiria que houvesse
uma outra mulher. Ou que houvesse mentido. Relacionamentos chegam ao fim e
há-se de implorar por alguma mentira conveniente, algum falso conforto para a
alma.
Três meses e alguns
telefonemas depois, ela está namorando de novo. O mesmo cara. A mesma condição.
Ela voltou ao cativeiro com as próprias pernas. Em breve – e ela bem sabe, mas
finge que não – estará deitada na cama, posição fetal, chorando novamente,
morrendo novamente. Mas, por ora, a síndrome de Estocolmo é apenas gozo. Por
ora, ela é a mais apaixonada das mulheres. Ele, por sua vez, cansou de ser
sincero e agora faz juras de amor. As amigas tinham razão: ele é um cínico –
mas pelo motivo oposto.
Assim seguem. Ele e ela
pensam em comprar uma casa de cerca branca num bairro pacato e ter filhos.
*
Jornalista
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