Ser civilizado é normal
* Por
Mara Narciso
Nas novelas os inimigos se encontram a toda hora, trocam farpas e tapas,
berram e se insultam. Há pessoas tão habituadas com esse tom de guerra, que nas
suas vidas se utilizam do mesmo expediente, falando de modo arrematado,
destruindo o outro com estupidez. O modo hostil de ser cansa, e o “guerreiro”
nem percebe isso. Não há vantagem em medir forças com maridos, namorados e
parentes, como se estivessem numa rinha. Desgastam-se à toa. Bons modos são
atos civilizatórios que facilitam o entendimento, e evitam gastos de energia.
Numa batalha campal, todos perdem.
Os desenhos animados apresentam um diálogo estranho e tenso. Sem contar
que as dublagens têm uma linguagem muito diferente do real. Não vejo pessoas
falarem daquele modo caricato. Lá, os inimigos resolvem suas diferenças com
pancada. A frustração é mal recebida. Contra ela, mais violência. A
agressividade é mostrada como característica positiva. Aqui fora funciona
melhor de outro jeito.
Boas maneiras fazem bem à vida em comum. Quem já tem uma educação básica
busca se aprimorar nos campos financeiro, social, intelectual e também em
relacionar-se melhor. Palavras como “com licença”, “por favor” e “obrigado” não
se aposentaram, embora aqueles que primam pela grosseria - existem aos montes e
indicam logo a qual classe pertencem-, achem perda de tempo tratar bem aos seus
pares. Ser agressivo não é buscar seus direitos, é ser mal-educado.
Conviver num lugar tranquilo é muito melhor. Tão bom jantar em família,
compartilhando o alimento, dividindo o prazer de estar juntos. Comer num
ambiente harmônico, seguindo regras sociais básicas indica polimento. Os pais
procuram ensinar aos pequenos como portar-se à mesa, sem colocar os cotovelos
sobre ela, usando corretamente os talheres e copos, comendo em pequenos bocados
e de boca fechada. E sem fazer ruído ao mastigar. Para a digestão ser tranquila
é preciso evitar discussões e falar de assuntos graves como dívidas e doenças.
Bom quando se pode desligar a TV, pois dela vem uma torrente de más notícias.
Banal, mas um cuidado necessário.
A higiene corporal é um sinal de civilidade, buscando-se estar asseado,
com roupas limpas, depilado, com odor suave, unhas e cabelos bem tratados, bom
hálito e sem nenhum cheiro desagradável. Ficamos imaginando o tempo em que não
havia sanitários, papel-higiênico, sabonete, absorvente, desodorante, pasta e
escova-de-dentes. Acabamos por nos tornar escravos desses confortos, e quando
vamos a uma roça e chupamos manga, queremos logo um fio-dental e uma escova. A
frescura deve ser esquecida, nesses casos, e como se diz, em cada lugar um modo
de ser, embora continuar buscando por modos educados.
O uso comum do banheiro costuma ser uma guerra. Respingos de pasta pelo
espelho, papel jogado de todo jeito, descarga esquecida, cabelos no sabonete,
toalha molhada, roupas largadas. O ideal é que cada um tenha o seu, mas se isso
não for possível, deixar o local melhor do que quando entrou, especialmente nos
banheiros públicos. São atos necessários, porém esquecidos. Locais finos são
usados por pessoas toscas que deixam o ambiente empesteado, e o fazem por
desprezo ao outro, aquele que vai limpar a área. Descaso em seu estado
cristalino.
Todos sabem e muitos dizem cumprir. Na hora de dormir, deve-se primar
para não incomodar o colega de quarto, caso ele exista. Como se já não
bastassem os pernilongos e os barulhos de vizinhos mal-educados, com seus
cachorros que latem a noite toda, ou que ligam suas máquinas barulhentas, quem
está na casa deve procurar fazer silêncio após o outro se deitar. É norma
primordial das mais desrespeitadas. TV ligada no quarto, enquanto o outro
dorme, é fonte permanente de irritabilidade. Uma agressão desnecessária.
Os rituais não são coisas do passado. A sofisticação eleva o espírito.
Cumprir o que se prometeu e manter a palavra é de bom tom. Cuidar de você, da
casa, do carro, da família, dos amigos e colegas é ainda melhor. Ser meigo não
é ser fresco, e amabilidade nunca é demais. Listinha de boas práticas cansa,
mas cumpri-las não é tão difícil assim. Tão óbvio quanto ignorado, o tempo das
cavernas passou, e boa educação só faz bem.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Em resumo: se a norma é ser incivilizado, o título poderia mudar para "Ser civilizado é anormal"! Ótimo texto, Mara.
ResponderExcluirBoa ideia, Marcelo. Obrigada pela sugestão.
ExcluirRegras de boa conduta deveriam ser seguidas incondicionalmente, como "reza" sua cartilha, não é mesmo, Mara? Mas infelizmente não é o que vivenciamos no dia a dia... especialmente em lugares públicos. Parabéns pelo excelente texto!!
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