Dia
de angústia
* Por Rodrigo
Ramazzini
A dúvida
surgiu 12 minutos depois que saiu de sua residência rumo ao trabalho.
- Será que eu passei
desodorante hoje? - perguntou-se Jair na parada de ônibus.
Cheirou as
axilas para tentar tirar a dúvida, mas uma leve gripe que entupia suas narinas
o impediu de sentir qualquer possível odor ou fragrância. Sem tempo para
retornar a sua residência, pois o coletivo já apontava na ponta da rua, embarcou
ostentando a incerteza.
- Putz! Até acho que não! – afirmou para si
mesmo.
Os demais
passageiros do ônibus olharam para ele da cabeça aos pés, o que o deixou ainda
mais desconfiado. Sentou-se em um dos bancos e o idoso ao seu lado virou o
rosto.
- Já estarei
fedendo? - questionou-se.
Cheirou-se
novamente. Nada. Tentou relembrar os últimos passos dados no banheiro, porém a
memória não lhe ajudava a sanar a suspeita. A manhã abafava prenunciava um dia
de altas temperaturas. Para seu azar.
Desembarcou do
ônibus no ponto em frente à empresa em que trabalhava carregando o sentimento
de angústia. Passara a viagem inteira com os braços junto ao corpo, parecendo
que estavam colados. Essa foi a estratégia adotada para inibir qualquer
exalação de cheiro, fosse ele bom ou ruim, até descobrir a sua real situação.
Parou em pé na calçada na porta do prédio por um instante. Cheirou-se de novo.
Nada. Passou os dedos por dentro da camisa em um dos sovacos com a intenção
que, se tivesse colocado desodorante, o perfume impregnasse. Nada sentiu.
Antes de
entrar ao trabalho respirou fundo.
- E agora? - indagou-se
já em princípio de desespero.
Um suor frio
começou a escorrer. Pensou em ir a algum estabelecimento próximo e comprar um
novo desodorante. Chegou a caminhar dois passos, mas parou novamente. Lembrou-se
que estava sem dinheiro e o seu cartão bancário havia ficado com a esposa. O
relógio marcava 07 horas e 50 minutos. Tinha uma reunião marcada para as 08
horas, que poderia resultar em uma promoção. Portanto, era daqueles compromissos
inadiáveis.
- Por que logo hoje, meu Deus? Por quê? - questionou-se
ao entrar na empresa carregando o fardo da aflição.
Ingressou no
elevador e na medida em que os primeiros andares foram sendo vencidos em
direção ao décimo, o homem que entrou no segundo andar logo começou a cafungar
o ambiente e em seguida virou-se para Jair e perguntou-lhe:
- Que cheiro estranho, né?
Jair só teve
coragem de responder um:
- Pois é! – Era a comprovação que faltava.
Chegou ao
local de trabalho e foi direto ao banheiro. Cheirou-se novamente. Nada sentiu.
Cogitou em tirar a camisa e lavar os sovacos com água da torneira, mas alguém
poderia presenciar a cena, o que mancharia a sua reputação. Além do mais, se
tivesse passado o desodorante corria o risco de removê-lo com o “banho de
gato”. Resolveu arriscar e ir como estava para a reunião. Lá, fizera o mínimo
de movimentos possíveis, porém as gotículas de suor que escorreram do sovaco
até a barriga o atormentaram o tempo inteiro.
Depois da
reunião, já em sua mesa de trabalho, os afazeres diários e o gélido ar expelido
pelo ar-condicionado trouxeram-lhe o afugento da dúvida se tinha ou não passado
desodorante. Foi então que, um colega começou a passar mal e Jair, dotado de
treinamentos de primeiros socorros, deu-lhe as primeiras assistências, que
foram fundamentais para mantê-lo vivo. Porém, o prestar de socorro e a adrenalina
do momento, o fizeram ficar com “pizzas” de suor embaixo dos braços. Foi o
suficiente para retomar o seu drama, já que os demais colegas de trabalho
vieram cumprimentá-lo pela exitosa assistência. A pulsação acelerou.
- Será que
estou fedendo? -, perguntou-se a cada abraço que recebia.
Ficou atento
para perceber qualquer manifestação de repulsa ou insinuações de apelidos como
“desodorante vencido”, “o senhor asa” ou “Redbull”. Mas, nada. Cogitou a
hipótese de perguntar para algum colega sobre a sua situação aromática,
entretanto, refutou por considerar que poderia “alertar os gansos”, como se diz
no jargão popular, sobre o problema.
Após o
episódio do salvamento, passou o restante do tempo em sua cadeira e mesa de
trabalho estático, movimentando apenas para se cheirar de dez em dez minutos.
Não levantou nem para pegar um simples cafezinho ou copo de água, nem mesmo
quando encontrou e tomou um esquecido descongestionante nasal que estava dentro
de uma gaveta há semanas.
Quando o
relógio bateu às 18h, Jair foi o primeiro a deixar a empresa e embarcar em um
táxi. Era preferível ser zoado ou repreendido por apenas um taxista do que por
um ônibus lotado. Quando o táxi parou em frente a sua casa a esposa até
estranhou e correu para recepcioná-lo na porta. Jair desembarcou do táxi, abriu
o portão, espantou cachorro e respirou fundo. Foi quando o nariz desentupiu
pela primeira vez no dia e inspirou um forte odor.
- Meu Deus!
Estou fedendo muito! - pensou.
A esposa
gritou-lhe:
- O que houve?
- Graças a
Deus em casa! Que dia angustiante que não terminava nunca! Estou louco por um
banho!
- Ué! Mas, o
que houve?
- Esqueci de
passar desodorante. Estou fedendo mais que o Tobi (nome do cachorro)! Passei o
dia angustiado com essa situação! Que sofrimento! Ainda, com o nariz entupido
para ajudar! Agora, que eu senti o meu fedor! Meu Deus do céu!
A esposa então
se aproximou de Jair e cheirou-o em vários pontos, dando-lhe um inesperado veredito:
- Estás
errado! Tu estás bem cheiroso. Estás até com o cheirinho do desodorante ainda!
Surpreso com a
resposta, Jair replicou imediatamente:
- Ué! Então,
de onde é esse fedor que senti quando entrei no pátio?
A esposa olhou
Jair da cabeça aos sapatos e em meio a um sorriso matou a charada:
- Deve ser da
merda do cachorro que tu acabaste de pisar! Já limpar antes de entrar em casa!
Jair sorriu aliviado.
Nunca fora tão bom pisar em uma merda de cachorro...
* Jornalista e contista gaúcho
Uma dose de humor é bom, ainda que seja em cima da agonia do outro.
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