terça-feira, 8 de outubro de 2013

A sina do poeta Bento Teixeira

* Por Leonardo Dantas Silva

No último mês de julho de 2011 transcorreram os 411 anos da morte do cristão-novo Bento Teixeira nos cárceres da Inquisição de Lisboa, o primeiro poeta a ter a sua obra, escrita no Brasil, publicada em letra de forma: A Prosopopea (Lisboa, 1601)

Nascido na cidade do Porto (Portugal), em 1561, transferindo-se para o Brasil em 1567. Bento Teixeira fixa residência na capitania do Espírito Santo, onde inicia seus estudos com os padres jesuítas, mudando-se no ano seguinte para o Rio de Janeiro e de lá para Bahia. Sempre na companhia dos Padres Jesuítas, finalmente chega a Pernambuco em 1584, começando sua vida de professor de primeiras letras.

Iniciado no judaísmo por sua mãe, falecida em 1580, aluno do curso de artes do colégio da Bahia, tradutor de textos latinos, era tido como um homem culto, dedicando-se a prática do magistério e da advocacia. Em 1593 compõe o seu poema, Prosopopea, em louvor dos feitos do donatário Duarte de Albuquerque Coelho, filho de Duarte Coelho e Dona Brites de Albuquerque, sendo também denunciado ao Tribunal do Santo Ofício por práticas judaizantes. Preso, é embarcado para Lisboa, juntamente com outros condenados em 22 de outubro de 1595, e, no dia 8 de janeiro de 1596, veio a ser recolhido ao cárcere, dando início, assim, o seu suplício de quatro anos.

Estava à capitania Duartina posta em sossego quando, em 21 de setembro de 1593 desembarca no Arrecife, como era então chamado o Recife, porto por excelência de Pernambuco, o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendoça (sic) e seus oficiais que vinham da capitania da Bahia.

O inquisidor demorou-se no Arrecife até o dia 24, quando lhe foi mandado de Olinda um bergantim que o conduziu, pelo rio Beberibe, até o Varadouro onde já estava a sua espera uma grande comitiva. A comitiva de gentis-homens, era encabeçada por Dom Felipe Moura, então no governo da capitania, e o licenciado Diogo do Couto, ouvidor da vara eclesiástica, com muitos clérigos, o ouvidor geral do Brasil, Gaspar de Figueiredo Homem, e demais pessoas gradas, além das companhias e bandeiras dos regimentos militares.

Era o nosso Arrecife, “um porto tão quieto e tão seguro, que para as curvas das naus serve de muro”, na descrição da Prosopopea (1601), poema-épico por ele escrito no final da segunda metade do século XVI,ao descrever as origens humildes do nosso Recife.

É este porto tal, por estar posta,
Uma cinta de pedra, inculta e viva,
Ao longo da soberba e larga costa,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva;
Ante a praia, e pedra decomposta.
O estanhado elemento se deriva,
Com tanta mansidão, que uma fateixa
Basta ter a fatal Argos aneixa
Prosopopea

A presença do visitador Heitor Furtado de Mendoça em Pernambuco foi à primeira investida da Congregação do Santo Ofício na fiscalização do comportamento dos seus habitantes nos primeiros anos da colonização. A propósito de investigar práticas judaicas, entre cristãos novos e velhos aqui radicados, alguns deles fugidos dos tribunais da Inquisição de Lisboa, tal devassa veio revelar costumes outros, segredos de alcova guardados a sete chaves pela sociedade de então.

Quanto às práticas judaizantes, os depoimentos dão conta da presença do casal Diogo Fernandes e Branca Dias, responsáveis pela instalação de uma sinagoga em terras do Engenho Camarajibe. Embora o casal não mais pertencesse ao mundo dos vivos, as denúncias terminaram por implicar alguns dos seus descendentes. Dos filhos de Diogo Fernandes com Branca Dias havia vivos, em 1595, Jorge Dias da Paz (morador na Paraíba), Andresa Jorge, Beatriz Fernandes, que tinha os apelidos de “Alcorcovada” e “Velha”, além de uma filha adulterina do marido, havida em uma criada da casa, de nome Brijolândia Fernandes. Desses Beatriz Fernandes (Processo n.º 4580), Andresa Jorge (Processo n.º 6321), com uma filha e três sobrinhas, Beatriz de Souza, Filipa da Paz. Ana da Costa Arruda e Catarina Favela (Processos n.º 4273, 11.116, 2304), além de Brijolândia Fernandes (Processo n.º 9417), são levados presos à Lisboa e lá respondem processos nos cárceres da Inquisição, cujos autos ainda se conservam no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, não chegando, contudo, nenhum deles a ser condenado à morte na fogueira.

Também na segunda metade do século XVI atuaram em Pernambuco dois mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias, que mantinha uma escola para moças, e o próprio Bento Teixeira, um erudito que atuou como mestre-escola em Olinda, Igarassu e Cabo. Também em Pernambuco residiu por muitos anos o também cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão, proprietário de terras em São Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de Pernambuco p. 231 e 260), que em 1618 veio escrever o livro Diálogos das Grandezas do Brasil (Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais importantes relatos sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país naquele primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta obrigatória pelos estudiosos dos mais diversos misteres.

Bento Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil que veio alcançar as honras do prelo, Prosopopea, escrita em Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a dedicatória a “Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco”, numa produção da oficina de Antônio Álvares.

Que eu canto um Albuquerque soberano
Da fé, da cara pátria firme muro,
Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,
Pode estancar a lácia e grega lira.

Diogo Barbosa Machado (1682-1772), em sua Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara ser Bento Teixeira, a quem ele acresceu o sobrenome “Pinto”, natural de Pernambuco dando causa à repetição de um erro que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960, quando da publicação do seu livro Estudos Pernambucanos (Recife: Imprensa Universitária; 2ª ed. Recife: Fundarpe, 1986) é que o Prof. José Antônio Gonsalves de Mello vem esclarecer a real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o processo n.º 5206 da Inquisição de Lisboa (ANTT), em que aparece como réu um Bento Teixeira, originário de Pernambuco.

Em meio desta obra alpestre e dura,
Uma boca rompeu o mar inchado
Que na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todas é chamada:
De Pará, no que é mar; Puca, rotura,
Feita com a fúria desse Mar Salgado,
Que sem derivar, cometer mingoa,
Cova do Mar se chama em nossa lingoa.
Prosopopea

Nos seus diversos depoimentos, ele afirma ser natural da cidade do Porto (Portugal), de onde saiu com a idade de cinco para seis anos para o Brasil em companhia dos seus pais. Fixando-se inicialmente no Espírito Santo (c 1567), matriculou-se na escola dos padres jesuítas com os quais veio a continuar os seus estudos na Bahia. Em 1579, já tendo concluído os seus estudos com os jesuítas, transferiu-se para a capitania dos Ilhéus onde casou-se com Filipa Raposa. Anos mais tarde (1584) fixou-se na vila de Olinda, onde abriu uma escola para meninos na rua Nova (a principal da vila).

Por dificuldades financeiras transfere-se para a vila de Igarassu (1588), onde além de mestre-escola exerceu as funções de advogado, cobrador de dízimos e contratador de pau-brasil. Pelos freqüentes adultérios de sua mulher, Filipa, viu-se obrigado a transferir-se para o Cabo de Santo Agostinho aonde, em dezembro de 1594, vem a cometer o uxoricídio. Fugindo da justiça, vem refugiar-se no Mosteiro de São Bento (Olinda). Por essa época chega a Pernambuco o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendoça, sendo o cristão-novo Bento Teixeira denunciado por práticas judaizantes.

Preso em 19 de agosto de 1595 é embarcado, juntamente com outros réus, para os cárceres do Santo Ofício em Lisboa, onde por mais de quatro anos passa por sofrimentos e privações. Solto em 30 de outubro de 1599, aos 40 anos de idade, padecendo de uma tuberculose, por motivos ignorados volta à cadeia de Lisboa, conforme atesta o médico João Álvares Pinheiro, a 9 de abril do ano seguinte. Do seu processo (n º 5206 Inquisição de Lisboa – ANTT) nada mais consta, a não ser esta anotação na capa: “É falecido Bento Teixeira e faleceu andando com a penitência em o fim de julho de 600”.

Ó Sorte, tão cruel, tão mudável,
Por que usurpas aos bons o direito?
Escolhes sempre o mais abominável,
Reprovas, e abominas o perfeito.
O menos digno, fazes agradável
O agradável mais, menos aceito…
Ó frágil, inconstante, quebradiça,
Roubadora dos bens, e da justiça
Prosopopea

Bento Teixeira, erudito dos mais brilhantes do seu tempo, conhecedor dos clássicos, do latim e de outras línguas, dado a fazer trovas e sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopea. O seu livro foi editado nas oficinas do impressor Antônio Álvares, “o primeiro escrito no Brasil a merecer as honras do prelo”, infelizmente publicado no ano seguinte ao da sua morte: 1601.

* Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE


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