A sina do poeta Bento Teixeira
* Por
Leonardo Dantas Silva
No último mês de julho de 2011 transcorreram os
411 anos da morte do cristão-novo Bento Teixeira nos cárceres da Inquisição de
Lisboa, o primeiro poeta a ter a sua obra, escrita no Brasil, publicada em
letra de forma: A Prosopopea (Lisboa, 1601)
Nascido na cidade do Porto (Portugal), em 1561,
transferindo-se para o Brasil em 1567. Bento Teixeira fixa residência na
capitania do Espírito Santo, onde inicia seus estudos com os padres jesuítas, mudando-se
no ano seguinte para o Rio de Janeiro e de lá para Bahia. Sempre na companhia
dos Padres Jesuítas, finalmente chega a Pernambuco em 1584, começando sua vida
de professor de primeiras letras.
Iniciado no judaísmo por sua mãe, falecida em
1580, aluno do curso de artes do colégio da Bahia, tradutor de textos latinos,
era tido como um homem culto, dedicando-se a prática do magistério e da
advocacia. Em 1593 compõe o seu poema, Prosopopea, em louvor dos feitos do
donatário Duarte de Albuquerque Coelho, filho de Duarte Coelho e Dona Brites de
Albuquerque, sendo também denunciado ao Tribunal do Santo Ofício por práticas
judaizantes. Preso, é embarcado para Lisboa, juntamente com outros condenados
em 22 de outubro de 1595, e, no dia 8 de janeiro de 1596, veio a ser recolhido
ao cárcere, dando início, assim, o seu suplício de quatro anos.
Estava à capitania Duartina posta em sossego
quando, em 21 de setembro de 1593 desembarca no Arrecife, como era então
chamado o Recife, porto por excelência de Pernambuco, o visitador do Santo
Ofício Heitor Furtado de Mendoça (sic) e seus oficiais que vinham da capitania
da Bahia.
O inquisidor demorou-se no Arrecife até o dia
24, quando lhe foi mandado de Olinda um bergantim que o conduziu, pelo rio
Beberibe, até o Varadouro onde já estava a sua espera uma grande comitiva. A
comitiva de gentis-homens, era encabeçada por Dom Felipe Moura, então no
governo da capitania, e o licenciado Diogo do Couto, ouvidor da vara
eclesiástica, com muitos clérigos, o ouvidor geral do Brasil, Gaspar de
Figueiredo Homem, e demais pessoas gradas, além das companhias e bandeiras dos
regimentos militares.
Era o nosso Arrecife, “um porto tão quieto e tão seguro, que para as curvas das naus serve de muro”, na descrição da Prosopopea (1601), poema-épico por ele escrito no final da segunda metade do século XVI,ao descrever as origens humildes do nosso Recife.
É este porto tal, por estar
posta,
Uma cinta de pedra, inculta e viva,
Ao longo da soberba e larga costa,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva;
Ante a praia, e pedra decomposta.
O estanhado elemento se deriva,
Com tanta mansidão, que uma fateixa
Basta ter a fatal Argos aneixa
Prosopopea
Uma cinta de pedra, inculta e viva,
Ao longo da soberba e larga costa,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva;
Ante a praia, e pedra decomposta.
O estanhado elemento se deriva,
Com tanta mansidão, que uma fateixa
Basta ter a fatal Argos aneixa
Prosopopea
A presença do visitador Heitor Furtado de
Mendoça em Pernambuco foi à primeira investida da Congregação do Santo Ofício
na fiscalização do comportamento dos seus habitantes nos primeiros anos da
colonização. A propósito de investigar práticas judaicas, entre cristãos novos
e velhos aqui radicados, alguns deles fugidos dos tribunais da Inquisição de
Lisboa, tal devassa veio revelar costumes outros, segredos de alcova guardados
a sete chaves pela sociedade de então.
Quanto às práticas judaizantes, os depoimentos
dão conta da presença do casal Diogo Fernandes e Branca Dias, responsáveis pela
instalação de uma sinagoga em terras do Engenho Camarajibe. Embora o casal não
mais pertencesse ao mundo dos vivos, as denúncias terminaram por implicar
alguns dos seus descendentes. Dos filhos de Diogo Fernandes com Branca Dias
havia vivos, em 1595, Jorge Dias da Paz (morador na Paraíba), Andresa Jorge,
Beatriz Fernandes, que tinha os apelidos de “Alcorcovada” e “Velha”, além de
uma filha adulterina do marido, havida em uma criada da casa, de nome
Brijolândia Fernandes. Desses Beatriz Fernandes (Processo n.º 4580), Andresa
Jorge (Processo n.º 6321), com uma filha e três sobrinhas, Beatriz de Souza,
Filipa da Paz. Ana da Costa Arruda e Catarina Favela (Processos n.º 4273,
11.116, 2304), além de Brijolândia Fernandes (Processo n.º 9417), são levados
presos à Lisboa e lá respondem processos nos cárceres da Inquisição, cujos
autos ainda se conservam no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, não chegando,
contudo, nenhum deles a ser condenado à morte na fogueira.
Também na segunda metade do século XVI atuaram
em Pernambuco dois mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias,
que mantinha uma escola para moças, e o próprio Bento Teixeira, um erudito que
atuou como mestre-escola em Olinda, Igarassu e Cabo. Também em Pernambuco
residiu por muitos anos o também cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão,
proprietário de terras em São Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de
Pernambuco p. 231 e 260), que em 1618 veio escrever o livro Diálogos das
Grandezas do Brasil (Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais
importantes relatos sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país
naquele primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta obrigatória
pelos estudiosos dos mais diversos misteres.
Bento Teixeira é o autor da primeira obra
poética produzida no Brasil que veio alcançar as honras do prelo, Prosopopea,
escrita em Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a
dedicatória a “Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de
Pernambuco”, numa produção da oficina de Antônio Álvares.
Que eu canto um Albuquerque
soberano
Da fé, da cara pátria firme muro,
Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,
Pode estancar a lácia e grega lira.
Da fé, da cara pátria firme muro,
Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,
Pode estancar a lácia e grega lira.
Diogo Barbosa Machado (1682-1772), em sua
Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara ser Bento Teixeira, a quem ele
acresceu o sobrenome “Pinto”, natural de Pernambuco dando causa à repetição de
um erro que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960, quando da
publicação do seu livro Estudos Pernambucanos (Recife: Imprensa Universitária;
2ª ed. Recife: Fundarpe, 1986) é que o Prof. José Antônio Gonsalves de Mello
vem esclarecer a real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o
processo n.º 5206 da Inquisição de Lisboa (ANTT), em que aparece como réu um
Bento Teixeira, originário de Pernambuco.
Em meio desta obra alpestre e
dura,
Uma boca rompeu o mar inchado
Que na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todas é chamada:
De Pará, no que é mar; Puca, rotura,
Feita com a fúria desse Mar Salgado,
Que sem derivar, cometer mingoa,
Cova do Mar se chama em nossa lingoa.
Prosopopea
Uma boca rompeu o mar inchado
Que na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todas é chamada:
De Pará, no que é mar; Puca, rotura,
Feita com a fúria desse Mar Salgado,
Que sem derivar, cometer mingoa,
Cova do Mar se chama em nossa lingoa.
Prosopopea
Nos seus diversos depoimentos, ele afirma ser
natural da cidade do Porto (Portugal), de onde saiu com a idade de cinco para
seis anos para o Brasil em companhia dos seus pais. Fixando-se inicialmente no
Espírito Santo (c 1567), matriculou-se na escola dos padres jesuítas com os
quais veio a continuar os seus estudos na Bahia. Em 1579, já tendo concluído os
seus estudos com os jesuítas, transferiu-se para a capitania dos Ilhéus onde
casou-se com Filipa Raposa. Anos mais tarde (1584) fixou-se na vila de Olinda,
onde abriu uma escola para meninos na rua Nova (a principal da vila).
Por dificuldades financeiras transfere-se para a
vila de Igarassu (1588), onde além de mestre-escola exerceu as funções de
advogado, cobrador de dízimos e contratador de pau-brasil. Pelos freqüentes
adultérios de sua mulher, Filipa, viu-se obrigado a transferir-se para o Cabo
de Santo Agostinho aonde, em dezembro de 1594, vem a cometer o uxoricídio.
Fugindo da justiça, vem refugiar-se no Mosteiro de São Bento (Olinda). Por essa
época chega a Pernambuco o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendoça,
sendo o cristão-novo Bento Teixeira denunciado por práticas judaizantes.
Preso em 19 de agosto de 1595 é embarcado,
juntamente com outros réus, para os cárceres do Santo Ofício em Lisboa, onde
por mais de quatro anos passa por sofrimentos e privações. Solto em 30 de
outubro de 1599, aos 40 anos de idade, padecendo de uma tuberculose, por
motivos ignorados volta à cadeia de Lisboa, conforme atesta o médico João
Álvares Pinheiro, a 9 de abril do ano seguinte. Do seu processo (n º 5206
Inquisição de Lisboa – ANTT) nada mais consta, a não ser esta anotação na capa:
“É falecido Bento Teixeira e faleceu andando com a penitência em o fim de julho
de 600”.
Ó Sorte, tão cruel, tão
mudável,
Por que usurpas aos bons o direito?
Escolhes sempre o mais abominável,
Reprovas, e abominas o perfeito.
O menos digno, fazes agradável
O agradável mais, menos aceito…
Ó frágil, inconstante, quebradiça,
Roubadora dos bens, e da justiça
Prosopopea
Por que usurpas aos bons o direito?
Escolhes sempre o mais abominável,
Reprovas, e abominas o perfeito.
O menos digno, fazes agradável
O agradável mais, menos aceito…
Ó frágil, inconstante, quebradiça,
Roubadora dos bens, e da justiça
Prosopopea
Bento Teixeira, erudito dos mais brilhantes do
seu tempo, conhecedor dos clássicos, do latim e de outras línguas, dado a fazer
trovas e sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopea. O seu livro foi
editado nas oficinas do impressor Antônio Álvares, “o primeiro escrito no
Brasil a merecer as honras do prelo”, infelizmente publicado no ano seguinte ao
da sua morte: 1601.
*
Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE
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