A câmera
* Por Rosana Hermann
Foi sem querer, ou melhor, foi
sem intenção. Eu tinha algumas webcams para sortear entre os leitores e estava
pensando num concurso para escolher um vencedor. Por acaso estava vendo uma
daquelas câmeras em tempo real, com ótimo streaming, colocada em frente a uma
loja em Times Square, em Nova York. Achei aquela imagem tão boa, tão
hipnotizante, com as pessoas passando sem consciência alguma de que estavam em
um big brother internacional que senti vontade de ver algumas outras imagens
assim, tão nítidas, de pessoas em outros lugares do mundo. E, bingo! Decidi que
o prêmio iria para a pessoa que colocasse o link da melhor câmera online em
streaming da rede.
Pouco tempo depois a lista já
estava grande. Alguns links eram lentos, outros mostravam bichos e alguns eu já
conhecia. Entre eles, uma câmera ao vivo num bar americano parecia ser o melhor
de todos. Até que uma leitora, a Isabella, postou o link de uma câmera que nem
ela sabia exatamente onde era. Mas foi neste link que esta história começou. A
câmera é simplesmente incrível, com uma resolução estupenda e, melhor que tudo,
com o controle total da câmera na mão do usuário. Entrei e descobri que era uma
praça em Belgrado, na Sérvia, cheia de pessoas vivendo suas vidas diárias. A
câmera, que tem grande alcance, permite que se acompanhe pessoas no ponto de
ônibus, motoristas de táxi, garçons em restaurantes, transeuntes passando
diante de vitrine de lojas.
Comecei a observar a câmera com
freqüência, junto com um amigo online, que também ficou fascinado. Os sérvios
são todos bonitos, magros e, de alguma maneira, parecem ter um outro ritmo de
vida, com mais tempo para coisas como namorar na praça. Eram duas horas da
manhã numa praça em Belgrado e um casal trocava beijos ardentes sem a menor
pressa. Ali estava eu, sentada na minha cadeira, no meu escritório, São Paulo,
Brasil, vendo um casal de jovens sérvios trocando beijos numa praça no meio da
madrugada. Tive saudades da minha juventude. Tive vontade de namorar na praça.
Quis falar com eles e agradecer pelos bons sentimentos que provocaram em mim.
Um print screen depois e eu já
estava comandando a câmera sérvia novamente. E pesquisando sites, aprendendo a
língua, mergulhando na cultura.
Meu amigo procurou a praça no
Google Earth, eu, no Flickr. Descobri que o nome era mesmo Praça da República.
Encontrei os endereços de bancos, lojas, cafés ao redor da praça. E tive uma
idéia. Por que não tentar marcar um encontro com alguém, pela câmera, naquela
praça? E se eu procurasse alguém, em Belgrado, que fosse até um ponto daquele
local, com dia e hora marcados, e mostrasse uma placa pra mim, através da
câmera? A rede, você sabe, não é um meio em si. Não é um mundo virtual para
onde devemos migrar com nossas malas cheias de realidade. A rede é uma
ferramenta que serve para melhorar a vida de todos nós aqui, no mundo de
verdade.
Entrei no Skype, procurei por
pessoas que falassem inglês em Beograd, o jeito de escrever Belgrado no
original. Encontrei alguns sérvios online e um, topou minha idéia. Naquele
momento ele estava arrumando as malas para passar dez dias em Montenegro, mas
concordou que, na volta, fará o que eu sugeri. Ele vai reunir alguns amigos, em
data e hora marcados e levará um cartaz, alguma coisa, para mostrar para a
câmera e dar um tchau, um olá para mim. Vou capturar esta imagem e fechar o
link. Vamos usar esta incrível rede, esta câmera para o fim que tudo deveria
ter, o de aproximar pessoas.
Assim que eu souber o próximo
capitulo, eu conto. E se você quiser, posso passar o link. Hoje mesmo, tinha
outro casal, namorando ao pé de um monumento. Bacanas esses sérvios. Sabem que
fazer amor é muito melhor do que fazer a guerra.
*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear
pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira
por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.
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