Escritor de intensa
atividade acadêmica
A carreira de David
Salles não se restringiu, apenas, à Literatura, embora este seja o meu enfoque
nesta série de estudos sobre ficcionistas baianos, tomando por referência a
antologia de contos “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963). Tem que ser,
obrigatoriamente, pelo menos mencionada sua intensa atuação universitária, quer
como pesquisador, quer como mestre de toda uma geração (privilegiada) de
estudantes. Suas teses de mestrado e doutorado, por exemplo, são obras-primas
de precisão. Esse intelectual foi um apaixonado não apenas pela arte,
notadamente a literária, mas pela cultura em sentido amplo e, em última
análise, pela vida, justo ele que viveu tão pouco, pois morreu prematuramente,
em 17 de agosto de 1986, vitimado pela leucemia.
Além dos vários cursos
que fez no País, David Salles teve importantes passagens em centros
universitários do Exterior. Por exemplo, nos anos de 1963 (quando da publicação
da antologia que tomei por referência para esta série de estudos) e 1964, freqüentou
cursos de pós-graduação em Letras nas universidades Georgetown University, em
Nova York, e em Madri, na Espanha. Anos mais tarde, voltou a viajar, como
ocorreu em 1981 e 1982, desta vez para lecionar, como professor convidado, na
Georgetown University de Washington. E em 2 de janeiro de 1985 (pouco mais de
um ano antes da sua morte), embarcou para Portugal, passando por Lisboa,
Coimbra e Porto, agora para concluir a pesquisa, que lhe consumiu vários anos,
e que viria a resultar na magnífica tese acadêmica que é “A ficção na Bahia no
século XIX”.
Sei que já me estendi
muito na apresentação de David Salles, levando em conta que ainda tenho a
apresentar mais 19 ficcionistas baianos. Mas há tanta coisa a ser relatada a
seu respeito que me sinto tentado a me estender muito mais, quase que
indefinidamente, sobre seu perfil. Fico imaginando como uma pessoa que viveu
tão pouco (48 anos) conseguiu fazer tanto, em diversas atividades, e tudo com
capricho, organização, competência e aplicação! E por que David Salles precisou
ir para Portugal, para pesquisar sobre ficcionistas do seu Estado? Seria por
preciosismo? Longe disso! Ocorre que um incêndio destruiu a Biblioteca Pública
da Bahia, justo a que possuía as informações de que precisava. E o único lugar
em que poderia encontrar esses dados eram algumas instituições portuguesas. Mais
especificamente, eram bibliotecas de Lisboa, de Coimbra e do Porto.
Qualquer outro
pesquisador, no seu lugar, desistiria de escrever a obra que tinha em mente,
por falta de referências. A providência tomada por David Salles, de fazer um
esforço sobreumano para obter as informações que queria, tão longe do seu meio
e já gravemente doente, dá a exata conta da sua paixão pela literatura e pela
pesquisa. Parte expressiva da obra que legou à posteridade foi destinada
originalmente a atender exigências universitárias. Foi o caso, por exemplo, da
tese que apresentou ao Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, em
1974, que seria publicada três anos depois, cujo destino original era o
concurso de professor assistente do Departamento de Vernáculas, intitulada “O
ficcionista Xavier Marques: um estudo da ‘transição’ ornamental”. É um primor de trabalho, impecável por
qualquer aspecto que seja encarado, fonte fidedigna a eventual pesquisador que
se proponha a tratar do escritor que David Salles tão bem enfocou.
Outra peça acadêmica
primorosa, essa, infelizmente, inédita, é sua tese de doutorado, intitulada “Romance
e regionalismo na saga do cacau”. Ela foi concluída em 1982, e defendida um ano
depois, em 4 de abril de 1983, na Universidade de São Paulo. E pensar que com
tudo isso, incluindo a docência, que não é coisa para amadores e que exige muito
do docente, esse intelectual aplicado ainda encontrava tempo e disposição para
escrever contos (e que contos!) e artigos e mais artigos para jornais!!! E não
apenas da Bahia, o que já seria uma sobrecarga de atividades considerável.
David Salles era presença constante, por exemplo, no tradicional “O Estado de
São Paulo” e no “Minas Gerais Suplemento Literário”.
Aliás, 35 desses textos,
publicados na imprensa paulista, mineira e baiana, foram reunidos, em 1982, em
um livro, intitulado “Crítica de rodapé”. Sabem o que aconteceu? Essa obra
permaneceu (e permanece) inédita e consta apenas do acervo pessoal do escritor!!!
Não consigo entender os critérios de seleção de nossas editoras (salvo
exceções, claro). Publicam tanta “abobrinha”, que não serve de nada para
ninguém, e deixam inéditas obras de primeiríssima linha, que beneficiariam
milhares de estudiosos de Literatura.
Espero que após este
meu incompleto e absolutamente caótico estudo a propósito de David Salles,
outros pesquisadores, de fora da Bahia, não encontrem as mesmas dificuldades
que encontrei para obter informações a seu respeito, como se fosse algum mero e
obscuro “escrevinhador” o que, evidentemente, não foi. Que mais dados, o máximo
possível deles, sejam disponibilizados, principalmente na internet, para que se
faça justiça a um batalhador incansável pela arte e cultura do seu Estado e do
seu País. Cabe-me ressaltar, ao cabo destas considerações, que a imensa maioria
das informações que colhi a propósito deste maiúsculo personagem devo à
competência e à perícia de Itana Nogueira Nunes, em sua louvável (e invejável)
tese de doutorado em Linguística na Universidade Federal da Bahia. Sem ela, não
me seria possível escrever sequer uma linha do meu tacanho, posto que
bem-intencionado, estudo sobre David Salles.
Boa leitura.
O Editor
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Caótico sim, mas não tacanho.
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