E a visita do Papa Francisco?
* Por
Paulo Reims
Semana passada, durante
a XXVIII Jornada Mundial da Juventude, acontecida no Rio de Janeiro, esteve
presente, também, o Papa Francisco, inaugurando o seu pontificado, com a
primeira viagem internacional.
Os olhos, ouvidos, e
também os corações de muita gente, do mundo inteiro, estiveram voltados para
este acontecimento que reuniu mais de três milhões de pessoas; um número
considerável. Quem mais esteve atenta foi a imprensa!
Agora todo mundo pode
fazer sua análise, emitir opiniões e pareceres a respeito do evento; todos
querem ser o mais autêntico possível em suas conclusões, mas quem estará mais
próximo da verdade? Eis uma questão muito complexa. As isenções e
imparcialidades são necessárias para não cairmos em contradições, mais ou menos
sérias.
Evidente que para fazer
afirmações é preciso partir da premissa de que se conhecem, pelo menos, os
princípios que regem um acontecimento desta envergadura, e também um pouco da
história pessoal de quem queremos comentar, o Papa Francisco; isto é
fundamental.
No caso, é necessário
conhecer os objetivos da JMJs e como vivia Jorge Mario Bergoglio, na cidade
Portenha, no Sul da nossa América Latina.
Quanto tenho
conhecimento, o grande objetivo das Jornadas é levar a juventude católica e
todas as pessoas de boa vontade, do mundo inteiro, a fazerem, ou a aprofundarem
sua experiência de encontro pessoal com o Mestre Jesus, Caminho, Verdade e Vida
(Jo 14,6), e por Ele se tornarem protagonistas de um mundo mais humano, fraterno,
justo e solidário. Mas para organizar um evento deste porte não é nada fácil,
mesmo com um contingente muito grande de voluntários a colaborar. É algo muito
complexo e demanda participação de muitos organizadores, muito tempo, trabalho,
dinheiro, e muita disposição com paixão.
No Rio de Janeiro,
mesmo no inverno, normalmente o clima é ameno e agradável, mas desta vez o
tempo pregou uma peça: chuva e frio. Fatores que contribuíram para aumentar
enormemente as normais dificuldades de uma jornada desta proporção.
Os atos centrais da
Jornada que deveriam acontecer no espaço denominado “Cidade da Fé”, na zona
oeste do Rio de Janeiro, tiveram que ser transferidos para Copacabana. Imagine
os transtornos e inseguranças que isto gerou, especialmente para os organizadores,
em todos os sentidos, mas também para os participantes, especialmente em se
tratando da locomoção e satisfação das necessidades fisiológicas, considerando
que era literalmente uma multidão...
Pelo que pude
acompanhar, pelos meios de comunicação, mesmo com estes transtornos enormes,
gerados nas últimas horas, a Jornada não perdeu o seu brilho. Percebi que havia
uma sintonia muito grande entre a multidão e os dirigentes, entre os que faziam
a extensa pauta do encontro acontecer. Espero, sinceramente, que apesar de
tudo, a Jornada tenha atingido suas metas.
E a “Cidade da Fé”?
Tanto trabalho, tanto investimento... para quê? Gesto louvável foi anunciado
pelo Bispo do Rio de Janeiro, no final da Jornada: “Este local, por
determinação da equipe, vai ser um bairro popular”. Diz o ditado que Deus
escreve certo por linhas tortas. Tantas pessoas vão dispor de um lugar digno
para morar e viver. Parabéns pela decisão!
E quanto ao ilustre
visitante, o Papa Francisco? Os argentinos portenhos seriam os mais aptos a
fazerem sua avaliação, uma vez que o conheceram mais de perto e por longo
tempo, portanto, poderiam falar dele com mais propriedade.
Porém, a partir das
minhas percepções, ele se sentiu em casa, até porque os cariocas não deixam por
menos, com a sua habitual cordialidade em acolher bem as pessoas, contribuíram
para que tal acontecesse da forma mais espontânea possível.
O Papa Francisco foi
muito feliz desde que aqui chegou; suas primeiras palavras foram: “venho bater
delicadamente na porta dos vossos corações, para lhes dar o que de mais
precioso me foi dado, Jesus Cristo”.
Não creio que seus
gestos e atitudes tenham sido apenas encenações, e me parece que a poesia está
no seu sangue. Senti que tudo brotava de um coração sincero. Ele foi muito
sábio, diplomático, e não lhe faltou a iluminação divina para a sua missão
durante a jornada e também na sua visita ao Santuário de Aparecida.
Não o caracterizaria
como um homem progressista, aliás, a hierarquia católica na Argentina sempre
foi muito tradicionalista. Mas tenho a impressão de que sua simplicidade
agradou a todas as pessoas, e ele tem deixado esta simplicidade, e por vezes
certa austeridade, transparecer desde sua eleição para Bispo de Roma. Ele até
chegou a dizer que esta é sua maneira normal de viver, portanto já vem de
antes. Não lhe agrada o excesso de formalidade.
Uma repórter dizia,
logo após o avião que o levou de volta a Roma tenha decolado, que o Papa “vive
a simplicidade de forma elegante”.
Ele pediu uma Igreja
pobre no meio do povo, sendo acolhedora, carinhosa e misericordiosa,
especialmente para com os mais sofridos. E abertamente solicitou que as
autoridades da Igreja deixem de lado a mentalidade principesca, pois isso em
nada combina com o Evangelho de Jesus.
A leitura que faço, a
partir do que vi, ouvi e li, é a de que o Papa quer fazer jus ao nome que
escolheu para si, Francisco.
Há um hagiógrafo que
afirmou de Francisco de Assis: “Ninguém imitou tão bem ao Mestre Jesus neste
mundo quanto São Francisco de Assis”. Fico na torcida para que ele continue
neste caminho, e para que possa fazer com que toda a Cúria Romana e a
hierarquia católica vivam, também, esta simplicidade que deve caracterizar
todos os(as) seguidores de Jesus Cristo, estando sempre ao lado dos “pequenos,
sofredores e empobrecidos”.
Na noite de domingo,
após o Papa ter iniciado sua viagem de retorno, a TV Globo anunciava: “Não
percam a entrevista exclusiva do Papa Francisco a um repórter da Globo. É um
furo de reportagem para o mundo”. Também assisti a reportagem, porém confesso
que não ouvi nada que não tivesse ouvido antes, nos pronunciamentos do Papa
Francisco, ao longo destes primeiros quatro meses de seu ministério.
A única novidade foi
ele ter dito ao repórter que não tinha medo de passar no meio do povo, dentro
do carro com os vidros abertos. E completou: “se algo acontecer é porque tinha
que acontecer, pois ninguém morre na véspera”. Pessoalmente discordo deste
ditado popular. Morre-se na véspera sim, Papa Francisco.
Depois, durante o voo,
o senhor deu outra entrevista, desta vez coletiva, mas elitista, não fiquei
sabendo que houvesse ali alguém da imprensa popular, onde o senhor afirmou que
prefere ser contestado, ou seja, que discordem de suas ideias, pois isso
propicia o início de um diálogo fraterno.
Assim, quero lhe dizer
que uma multidão de crianças, jovens e adultos morrem na véspera, vítimas da
fome, da violência, da indiferença...; indígenas são assassinados para lhes
tomarem as terras; igualmente, os agricultores sem-terras e sem-tetos são
mortos na luta pelos seus legítimos direitos, às vezes a mando das próprias
ditas autoridades constituídas; pessoas morrem na véspera vítimas de ódio
religioso, por racismo e homofobia... Enfim, muitas pessoas são torturadas e
assassinadas pelos detentores dos poderes constituídos ou não, por defenderem o
direito à vida digna para os pobres e excluídos. O senhor deve ter esquecido,
mas entre estas pessoas estão leigos (as), padres, pessoas consagradas, bispos,
inclusive o seu irmão no episcopado, Dom Oscar Romero, que foi assassinado
celebrando uma missa, por defender os pobres, e ter denunciado as atrocidades
cometidas contra o povo. Aliás, neste aspecto, o Papa precisa ter uma palavra
mais objetiva, precisa dar nomes aos bois, com o perdão dos bovinos. Uma
denúncia generalizada do sistema economicista que exclui tanta gente da vida
digna foi feito, mas uma palavra mais pontual do Papa vai fazer toda a
diferença. Espero que o senhor chegue a isso, pois Jesus anunciou a boa
notícia, mas denunciou os delitos dos perversos, lhes dando nomes (cf. Lc
13,31-35).
Papa Francisco, muita
gente continua morrendo na véspera e não podemos continuar calados. O senhor
disse ao repórter que não conhecia as causas que levaram os jovens às
manifestações nas ruas do Brasil. Esta foi apenas uma saída diplomática. Sei
que o senhor ficou sabendo pelos seus assessores; mas se saiu bem, quando pedia
aos jovens para não se deixarem manipular, e que aprecia o inconformismo da
juventude.
O senhor foi muito
feliz quando pediu para fazer a justiça e a solidariedade vencerem o egoísmo, a
indiferença e o individualismo.
Papa Francisco, tomo a
liberdade fraterna de lhe dizer que o senhor deveria ter mencionado alguns
nomes, fazendo memória de algumas pessoas que deram a vida na véspera, nesta
América Latina, pela dignidade de tanta gente sofrida, e pela força da fé
“n’Aquele que veio para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo
10,10).
Mas, não sou
pessimista, e por isso afirmo que o saldo da sua visita foi positivo, e lhe
desejo coragem, perseverança e pregressos na sua missão de ajudar a humanidade
a ser melhor, pois é possível. Conte, também, com minha humilde prece, como o
senhor pediu muitas vezes, na Itália e aqui no Brasil, também. Abençoe-nos,
sempre!
*
Jornalista
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