Sua melhor imagem
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Todos têm aquele lado sombrio, que nos humaniza e impede que sejamos
iguais uns aos outros. Geralmente não gostamos quando essa porção de nosso
caráter vem a furo. Você não pode falar assim, tem criança olhando! Que tipo de
exemplo pretende dar a elas com um espírito de porco desses? Vista a máscara da
falsidade e continue posando de bom moço, é mais seguro e te mantém empregado.
O ilustre sucupirano Nezinho do Jegue, criado pelo imortal Dias Gomes,
possuía um estranho caso de múltipla personalidade. Geralmente, era o maior
cabo eleitoral do histórico político Odorico Paraguaçu, e não perdia uma chance
de passar mel no coronel da pacata Sucupira. Porém, bastava mandar pro bucho um
copo de cana e o fenômeno Dr. Jekyll/ Mr. Hyde vinha à tona. Virava um ferino
combatente dos desmandos do prefeito, mandando um MORRA, ODORICO em qualquer
oportunidade. E, quando ficava sóbrio de novo, voltava a ser o baba-ovo
extra-oficial do futuro inquilino do cemitério de Sucupira.
Na versão recente de O Bem Amado, em filme, Nezinho infelizmente
foi descartado e substituído por Moleza, o sósia de Sérgio Mallandro,
cachaceiro e zelador do cemitério. Porém, mais plausivelmente, nessa versão o
lado puxa-saco do personagem aparecia quando ele enchia a cara, e no resto do
tempo ele era uma “grande ameaça” ao reinado de Odorico. Eles tinham problema
mental ou era pura hipocrisia mesmo? Difícil de saber, num vilarejo onde
ninguém era o que aparentava.
Há muitas décadas, num tempo longínquo em que o Domingão do Faustão era
digerível e as pessoas sequer desconfiavam das armações, eles fizeram uma
pegadinha inesquecível. Um repórter abordava um“desavisado” transeunte e lhe
perguntava sobre um tema, na época, polêmico, como homossexualidade, mulher de
idade com caras mais novos e tal. Enquanto a pessoa respondia, no outro lado da
rua dois atores personificavam o tema da maneira mais caricata e exagerada
possível. O objetivo da pegadinha era ver se a reação do entrevistado diante da
cena condizia com suas palavras. Nem é preciso dizer que ninguém passou nos
testes... Hoje há no ar diversas imitações e ramificações dessa idéia,
inclusive uma em que o repórter do CQC deixou o filho de Renan Calheiros com o
oritimbó na mão ao lançar uma indireta contra o pai dele, mas o original é
sempre o melhor.
O assunto da semana que passou foi a visita do porta-voz de Deus na
Terra, Papa Chiquito. Pela primeira vez os brasileiros conseguiram cair de
amores por um argentino. Piadas à parte, ele parece ser tudo o que seu
antecessor, Vossa Emérita Santidade Bento XVI, não conseguia ser: humilde, bom
ouvinte e simpático. Aquele sorriso medonho e levemente cínico de Ratzinger foi
varrido pra debaixo do santo tapete e substituído por um constante, caloroso e
aparentemente sincero exibir de pérolas da parte de Don Jorgito.
Não sei de vocês, mas desde que vi a primeira capa da Veja com o rosto
do novo papa, não consigo deixar de imaginá-lo usando o capuz do Batman. Ele
pode até se mostrar mais amistoso que seu antecessor, mas depois de uma semana
comendo feijoada e conhecendo clássicos de nosso folclore como a Dança da
Garrafa e Plaque de 100, seu farto e puro sorriso passou a
apresentar ares de desconforto e malevolência, como um jacaré tentando esconder
as presas. Após tão longas e entusiasmadas apresentações, será que Papa
Chiquito está a ponto de mostrar ao mundo sua verdadeira personalidade?
Claro que Frankie estava ciente que o ambiente no país esteve barra-
pesada no mês passado, com os jovens saindo às ruas para protestar contra o status
quo governamental, Dilma, seus asseclas e adversários políticos. Mesmo que
eles soubessem que Chiquito não tinha vindo passar a mão na cabeça de ninguém,
não podiam perder a chance de ser fotografados apertando a mão dele. Um festival
de cumprimentos e sorrisos amarelos de ambas as partes, especialmente da
presidente, que bancava a boa anfitriã e sorria quase tanto como ele, apesar de
já ter atacado diversas vezes a Igreja Católica e estar a ponto de aprovar uma
lei permitindo o aborto apenas em casos de vítima de estupro.
Parece que, já que não há solução nem pra política nem pro povo
brasileiro, pelo menos a gente tem se garantido quanto à realização de eventos
megalomaníacos. Podiam inclusive nos dar ordem de evacuação da área e
transformar o país num imenso galpão de festas. Toda essa Jornada Mundial da
Juventude, que ao seu final colocou 3.000.000 de fieis na praia de Copacabana-
com um único banheirinho químico pra todo mundo... - não deixa de ser uma ode à
hipocrisia. Don Jorgito, sendo o jesuíta e seguidor de São Francisco de Assis
que diz ser, sequer devia ter concordado em descer do avião se soubesse o quão
distante dos ensinamentos de seu ídolo essa festa seria.
Para ele, só um tamborete de pau na beira do mar e um megafone deviam
bastar para pregar as palavras de Nosso Senhor. Na verdade, se ele fosse mesmo
discípulo de São Francisco, teria vendido suas vestes- que, apesar de simples e
menos carnavalescas que as de Bento XVI, não deixam de custar centenas de
milhares de euros- e dado o dinheiro aos pobres. Mas nem vimos o Santo Padre
dar uma mísera moedinha de 5 centavos pros mendigos, só sorriso e sermão.
Incoerência, a gente se liga em você!
*Designer e escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
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As palavras são mais eficazes que moedas. O povo brasileiro está mobilizado e a vinda do Papa poderá inserir boa-vontade na população. Eu acredito que foi uma visita de boas consequências.
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