A literatura salva
* Por Daniel Santos
Há
erro crasso na afirmação “não se vive de literatura”, e o digo por experiência
própria. Não pensem, no entanto, que me entedio na rotina de conferir extratos
bancários. Quem me dera! A realidade é bem outra.
Essa
certeza – hoje, inabalável – de que a literatura acode quem a estima é recente
e evidenciou-se num passeio pelo centro da cidade, onde vi um livreiro de rua
alardeando seus títulos como se fossem best-sellers.
Para
quem gosta, livros são sempre irresistíveis. E encontrei algo especial: um tomo
de capa dura vermelha com letras douradas do gaúcho Simões Lopes. Pois, tinha
em mãos uma antologia de seus contos!
Comprei,
claro, e tomei logo o ônibus de volta a casa. Minutos depois, quando folheava o
livro, entrou um desses guris esquecidos pela cidade a pedir dinheiro com tal
agressividade que inibiu uma senhora.
Assustada,
disse nada ter e, por isso, quase foi esmurrada, no que interferi de imediato.
Aí, o miúdo tirou uma lâmina da bainha do short, me golpeou, mas coloquei o
livro na frente e consegui me safar a tempo!
Tão
lépido quanto entrou no ônibus, o garoto voltou à rua sem que qualquer
conseguisse imobilizá-lo. Quanto a mim, prossegui viagem; a princípio, tenso,
mas logo aliviado pela certeza: o livro me salvara!
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Os milagres da literatura, seja forma, seja conteúdo.
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