Escritora para quem
idade não era problema
A escritora Tatiana
Belinky – que faleceu, em São Paulo, em 15 de junho de 2013, aos 94 anos de
idade – teve inestimável influência em minha vida e na paixão que tenho pela
Literatura. Considero-a exemplar em todos os sentidos. Foi, principalmente, exemplo vivo de algo que não me canso de
apregoar: que devemos ser úteis e produtivos até nosso último sopro de vida,
indiferentes à passagem do tempo. E ela foi. Tanto que em 2010, aos 91 anos,
quando a maioria das pessoas (diria, a totalidade), das raras que atingem essa
idade, abrem mão de viver, ela se mantinha lúcida e produtiva, escrevendo
crônicas e memórias e, de quebra, foi
eleita para integrar a Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira de
número 25. Que magnífico exemplo de vida!
Entendo que esse
reconhecimento da elite literária do Estado deveria ter vindo antes, muito
antes, várias décadas antes. Mas... antes tarde do que nunca. Vou mais longe.
Entendo que por sua obra, na maior parte voltada à faixa infanto-juvenil, mas
não só a ela, credenciou-a, com folga, a ser membro da casa de Machado de
Assis, ou seja, da Academia Brasileira de Letras. Isso nunca aconteceu. Pior
para a ABL. Como não guindar à instituição máxima das letras nacionais uma
escritora com mais de 250 livros? Não entendo. Ainda mais levando em conta que
muitos dos seus integrantes têm obras, para dizer o mínimo, “contestáveis”.
Além de ter lido, na
minha infância, uma infinidade de histórias que ela escreveu, acompanhei,
embevecido, a primeira versão televisiva do Sítio do Pica-pau amarelo, cuja
adaptação dos livros de Monteiro Lobato (outro dos mitos inesquecíveis da minha
infância) coube a Tatiana Belinky. Parece coisa fácil para quem nunca teve que
enfrentar desafio do tipo. Experimentem, todavia, adaptar qualquer texto
literário para os palcos e as telas. É tarefa de gente grande, diria de “gigantes”,
que só quem tem pleno conhecimento de causa consegue fazer. E ela conseguiu,
com rara maestria. E por muito tempo. O Sítio do Pica-pau amarelo permaneceu na
grade de programação da extinta TV Tupi por catorze anos (de 1952 a 1966)!!!
Convém recordar que a
televisão, na época, ainda em preto e branco, era uma atividade artesanal, com escassíssimos
recursos técnicos. Os que atuavam nesse veículo, hoje popularizadíssimo, sequer
sonhavam com as facilidades tecnológicas que existem hoje. Gravações? Nem
pensar! Tudo era apresentado ao vivo e não comportava erros de quaisquer
espécies. A opção era: acertar ou acertar. Tudo era feito na raça, na base do
talento puro. As falas dos atores tinham que ser irrepreensíveis, de sorte que
esses não tivessem dificuldade alguma em decorá-las e transmiti-las. E em todos
esses anos que acompanhei atento o Sítio do Pica-pau amarelo, na TV Tupi, não
me lembro de uma única falha, dos atores, câmeras, diretores e, principalmente,
do que os personagens faziam ou falavam.
Tatiana tinha, nessa
magnífica empreitada, a parceria (diria, a cumplicidade), do médico e educador
Júlio Gouveia, com o qual havia se casado em 1940. Antes de encarar o desafio
na televisão, o casal já havia adquirido vasta experiência no assunto. Desde
1948, os dois já vinham fazendo adaptações, traduções e elaborando as próprias
produções para o teatro, contratados pela Prefeitura de São Paulo. Foi o
período de ouro das peças infantis na capital paulista. Milhares e milhares de
crianças da minha faixa etária, hoje setentões, divertiram-se e aprenderam com
as histórias do casal, notadamente de Tatiana Belinky.
Lembro-me que Júlio
Gouveia encerrava, invariavelmente, o Sítio do Pica-pau amarelo com uma espécie
de bordão. Ao final de cada capítulo, resumia o que seria apresentado no
seguinte e concluía, para aguçar ainda mais nossa curiosidade infantil: “Mas esta
é uma outra história que fica para uma outra vez”. Nunca me esqueci disso. Passadas
décadas, essas palavras me vêm à memória e consigo até visualizar a figura
desse apresentador, dizendo isso, com seu jeitão sério e compenetrado, tendo,
atrás de si, a título de cenário, uma estante abarrotada de livros.
Mas não foi, óbvio,
apenas como redatora para a televisão que Tatiana se destacou, embora,
compreensivelmente, seja lembrada por meus contemporâneos principalmente (ou
somente) por isso. Teve intensíssima atividade literária. Afinal, como
destaquei, publicou mais de 250 livros. E embora sua “especialidade” fosse a
literatura infantil, não escreveu somente histórias para crianças. De 2000 para
cá, por exemplo, muitas de suas obras foram coletâneas de crônicas, saborosas e
bem-humoradas, uma delícia para leitores de todas as idades que apreciem textos
inteligentes e bem escritos.
Além da extinta TV
Tupi, Tatiana trabalhou, também, na TV Cultura, com idêntico sucesso. A idade,
para ela, nunca foi empecilho. Não deve ser para ninguém. Foi, ainda, presença
constante nas páginas de três dos mais importantes jornais paulistas e
brasileiros: “Folha de São Paulo”, “Jornal da Tarde” e “O Estado de São Paulo”,
que abrilhantou com seus lúcidos e pertinentes artigos, deliciosas crônicas e,
sobretudo (sua especialidade) crítica de literatura infantil. Seus livros mais
conhecidos (pelo menos os que me lembro agora) são: “Limerique das coisas boas”,
“Coral dos Bichos”, “Limeriques” e “O Grande Rabanete”. Claro que poderia
mencionar por volta de uma centena de outras obras que escreveu, mas não o
farei, até para testar sua capacidade de pesquisa, caríssimo leitor.
Antes que me perguntem
o que significa a palavra “limerique”, utilizada no título de alguns livros de
Tatiana Belinky, esclareço que se trata de um tipo de poema curto, geralmente
sobre coisas ou situações engraçadas, originado da cidade de Limerick, no Eire
(Irlanda do Sul), compostos em cinco versos. E ela especializou-se nesse tipo de
poesia, que compunha com graça, originalidade e muito senso de humor. Não tenho
nenhum problema em confessar (pelo contrário, faço-o com orgulho) que essa escritora
nascida na cidade russa de Petrogrado foi uma das principais influências na
minha literatura e, principalmente, em minha vida.
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk. .
Li na Veja a morte dessa escritora, e lá citaram apenas a adaptação feita por ela para a TV, que tornou Monteiro Lobato conhecido do grande público. Muito oportuno seu editorial, pois estava curiosa, já que por aqueles anos as mulheres eram minoria em tudo, especialmente nas letras.
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