Inteligência
* Por
Jair Lopes
Desde muito tempo os cientistas estiveram convencidos que inteligência e
cérebro grande tinham relação biunívoca, isto é, um está intrinsecamente ligado
ao outro. Se há cérebro grande existe inteligência, se há inteligência esta
está relacionada ao tamanho de cérebro. Contudo, essa relação que a muitos
parecia óbvia, estava eivada de preconceitos. Como eram europeus brancos que
primeiro formularam a teoria, eles naturalmente se achavam mais inteligentes
que outros – negros, asiáticos e não brancos de todos os matizes – então
convencionaram que seus cérebros eram grandes e suas inteligências brilhantes.
Eles tinham certeza que possuíam os maiores cérebros humanos e que as mulheres
jamais seriam tão inteligentes quanto os homens porque seus cérebros eram menores.
Santo preconceito!
O que a ciência acabou descobrindo efetivamente é que dentro de uma
mesma espécie o tamanho cérebro tem pouca importância, porque a variação da
inteligência de um indivíduo a outro é muito pequena. Já entre espécies, o
tamanho do cérebro pode ser significativo apenas se for medido o peso do
cérebro em relação ao corpo do animal, porque, uma parte enorme de qualquer
cérebro é dedicada aos detalhes cotidianos da manutenção do corpo – coisas como
contrair músculos, mover os intestinos, sentir sensações na pele, eriçar pelos.
Amplie o animal e teremos mais território para administrar, mais músculos para
acionar, mais pele para monitorar, necessitando, desse modo, mais matéria
cinzenta para meramente funcionar. O fato que um veado tem cérebro maior que um
rato não significa, necessariamente, que é mais inteligente, porque seu corpo
pode pesar milhares de vezes mais, sendo, portanto, mais difícil de
administrar.
Diz a ciência, subtraia as partes do cérebro relativas à manutenção do
portador e o que resta é a única coisa que interessa, porque os neurônios
“extras” podem integrar informações do mundo exterior em abstrações –
capacidade que pode ser, grosso modo, uma definição de inteligência. A partir
dessa premissa, fez-se um estudo completo do peso cerebral relativo dos
vertebrados e descobriu-se que peixes, anfíbios e répteis formavam uma linha
crescente num gráfico, mas que aves e os mamíferos formavam uma linha bem mais
elevada. Para aqueles que costumam dizer que galinhas não são inteligentes foi
um balde de água fria - talvez as galinhas sejam tão inteligentes que se neguem
a demonstrar isso. Em outras palavras, um mamífero pode pesar o mesmo que um
réptil, mas tem um cérebro dez vezes maior.
O tamanho relativo do cérebro é um indicador seguro do grau de
inteligência entre as espécies, mas para definir com certa precisão a diferença
entre os mamíferos é necessário apurar melhor essa medição. A ciência reuniu
dados suficientes para estabelecer qual o tamanho ideal do cérebro para certa
massa corporal. Ou seja, qual o peso médio“devia” ter um cérebro de um mamífero
de determinado peso. Então todo peso cerebral que excedesse o peso médio de um
animal era fatorado em que porcentagem encontrava-se acima ou abaixo, e a este
índice deu-se o nome de QE (quociente de encefalização). Se um animal
apresentar um QE de 1, por exemplo, significa que ele tem todo aparato
intelectual para levar uma vida padrão de mamífero. Se o QE for maior que 1,
ele dispõe de neurônios “livres” para ser“criativo”, se e quando este termo se
aplicar àquele mamífero. Não é preciso dizer que o QE humano é de 7,06, índice
muitos pontos acima do mamífero em segundo lugar - surpreendentemente o boto
tucuxi com QE de 4,56. Quem diria, aquele animal que, segundo uma lenda
amazonense, sai da água e engravida moças ribeirinhas é um carinha prá lá de
inteligente!
Mas alguns pesquisadores assinalaram que simplesmente ter um conjunto de
neurônios “sobrando” não produz automaticamente inteligência. As interações do
animal com seu ambiente social são tão importantes quanto um QE alto. Assim, um
animal que tenha que correr todos os dias atrás de sua caça tende a ser mais
inteligente que aquele animal que simplesmente espera que o alimento chegue até
ele. Um sapo contemplativo que espera a mosca entrar no raio de ação de sua
pegajosa língua, por certo deverá ser menos inteligente que a lagartixa que
embosca insetos na parede.
Contudo devemos lembrar um importante pormenor, os parâmetros que medem
a inteligência são todos humanos, ninguém parece lembrar que a “inteligência”
de outros animais pode obedecer a outros critérios que nem sequer imaginamos.
Então, qualquer número inteligencial que possa surgir desses raciocínios
humanos pode não ter qualquer validade quando se mede a inteligência de uma formiga,
por exemplo. Já que formigas podem obedecer a medidas diferentes, a escalas
métricas dosHimenópteros (olhaí meus estudos de entomologia entrando em
ação). Para que as cogitações humanas possam ter verossimilhança, necessário é
que o homem deixe de se julgar o centro do universo e admita que cada um no
seu quadrado. Ou cada bicho com seu parâmetro.
· Escritor, autor dos livros “O
Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.
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