Corações
em fúria
* Por Fernando Yanmar Narciso
O dia dos namorados vem dobrando a esquina a passos paquidérmicos e eu
aqui, mais na seca que a garganta de um camelo... Como sabemos, não há época do
ano mais apropriada para se sentir insignificante, tanto solteiro como casado.
Porque se até manequins de loja beijam mais gente que você, não há martírio
pior que ser lembrado 24 horas por 12 dias seguidos que você devia estar
acompanhado. E, se você é da turma dos trapinhos juntos, não há dia melhor pra
acabar brigando com seu par que no único dia em que, teoricamente, tudo deve
sair perfeito. É pressão demais! Mesmo um espirro que não sair na entonação
adequada pode acarretar no apocalipse.
Parte da culpa é nossa, meninas, admito. Mas as coisas precisavam dar um
mergulho de ponta tão violento? A canalhice e a falta de vergonha na cara
“ruleiam” no mundo de hoje, e ao passo que nós, homens, matamos o romance em
nome da promiscuidade e da diversão inconsequente, as senhoritas também
acabaram comprando essa ideia, acabaram por sepultar o amor e adotaram o
pragmatismo. Deixamos o romance com os romancistas do século XVII e os
novelistas da Globo (quem assiste a outro tipo de novela, afinal?) e o dinheiro
e a conveniência tornaram-se a mola-mestra dos relacionamentos.
Antigamente, lá no tempo em que minha bisavó usava espartilho, as coisas
costumavam ser diferentes, mas não melhores. A meta de vida de toda moça era se
casar, cuidar da casa e dos filhos enquanto os maridos iam trabalhar e ficar
encarcerada nesse ritual de vida até que a morte literalmente os separasse. A
satisfação da mulher com a vida que levava era irrelevante para o andamento da
humanidade. Já conhecemos tantos casais cujo casamento atravessou da 2ª Grande
Guerra ao fim da ofensiva americana no Vietnã sem que ninguém desconfiasse que
eles já dormissem em camas separadas há décadas. Continuavam juntos só porque,
naquele tempo, mulher descasada ou viúva virava um peso morto aos olhos da
sociedade. Tudo o que era permitido que fizessem era se fantasiar de “coca
litro”, crescer uma corcunda e passar o resto de seus dias rezando.
As coisas mudaram de lá pra cá. Depois que namorar virou “pegar” e
transar duas vezes com a mesma pessoa tornou-se “relacionamento sério”, agora o
casal não precisa mais esperar tanto para entrar em pé de guerra. Há algum
tempo, eu e minha mãe almoçávamos no restaurante chinês do shopping. Daí chegou
um casal jovem, deviam ter pouco mais que minha idade. Nós ainda ficamos
sentados ali, comendo, por uma meia hora, e no tempo em que lá estivemos, o
dito casal sentou-se à mesa, um do lado do outro, não frente a frente, como se
espera que um casal jovem faça. Eles comeram, pediram a conta e foram embora,
sem uma única troca de olhares ou que nenhuma palavra fosse dita em todo o
tempo, em sincronizada e perfeita apatia. Zero de interação! Como se fossem os
zumbificados operários do filmeMetropolis, pareciam nem saber da
existência um do outro. E isso porque ainda era um casal jovem, provavelmente
recém-casado. Imagina se conseguissem chegar a envelhecer juntos...
Provavelmente a história dos dois foi a mesma de muitos outros casais
modernos: Se esbarraram numa boate, se enroscaram e, com o cabeção até a tampa
de uísque Red Label e ecstasy, se esqueceram da camisinha. E como ainda hoje o
tal do “engravidou, tem que casar”vale pra muitas famílias, lá veio a noiva
toda de branco e o noivo de cueca e tamanco. Um deve trair o outro,
provavelmente com ambos sabendo das andanças um do outro, e estão nesse ânimo
todo à mesa há mais de dois anos. Mas, por enquanto, se recusam a separar
porque a mãe dela ou dele provavelmente disse que os dois ficam lindos na foto.
Esse argumento já foi, sim, usado para manter matrimônios.
Porém, agora é a hora de sermos sinceros. Por mais que vocês tenham
lutado por melhores condições, “direitos iguais” para ambos os sexos e tudo o
mais, a bem da verdade o mundo sempre pertenceu a vocês, amadas amantes. Mesmo
antes do movimento feminista, quem sempre cantou de galo dentro de casa? Quem
sempre foi o cimento unindo os tijolos da família? A quem consultamos quando
precisamos (ou não) da última palavra? Apesar da quantidade de troglôs
mal-educados e machistas ser imensa, desde cedo somos treinados a viver em
função de suas vontades.
Quer dizer, alguém já ouviu falar em baile de debutantes masculino? E
casamentos, então? Tá certo que essa é uma instituição cada vez mais posta para
escanteio e que o hábito agora é anunciar o casamento só quando não dá mais pra
enrolar a família da mulher, mas ainda não há festa mais feminina que o
casamento. Tudo, do tapete vermelho na entrada da igreja à assinatura dos
votos, gira em torno da noiva linda, deslumbrante e esplendorosa. Para os
convidados tanto faz se o noivo aparecer de terno ou embrulhado num papel de
pão. Ninguém nem percebe a presença daquele pingüim de geladeira ao lado da
deusa de branco. Tanto que, creio eu, se o noivo vier a faltar, dá até pra ela
escolher outro ali mesmo, em meio a tanta gente de paletó.
A coisa que mais se ouve por aí é aquela piadinha pós-moderna que já se
tornou um clássico: De que adianta gastar tanto dinheiro com toda essa festa e
o chá de panela se eles vão mesmo se separar? Por menos que eu acredite em
matrimônios, aí vai uma dica: Se ele ou ela passar da prova dos cinco anos sem
nunca ter mencionado a palavra divórcio... Vocês estão feitos! O parceiro/
parceira tá guardado na sua carteira pra sempre! No entanto, apesar de tudo
aqui escrito, ainda acredito em amor e romance. Seria incapaz de dar um malho
em qualquer uma só pelo contato carnal. Preciso da única e última mulher do
resto de minha vida ao meu lado, aqui, agora e sempre. Podem apostar que não
permitirei que nosso destino seja o mesmo daqueles dois postes lá no
restaurante chinês. O galho é que quando eu falo ninguém acredita...
Eu acredito em você e sei que é uma pessoa muito amorosa e carinhosa. Gente do bem.
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