Adorável Boca do Lixo
* Por Fábio de Lima
Este ano completou 110 anos da
primeira exibição cinematográfica no Brasil. De produção cinematográfica já
temos 108 anos. De lá pra cá o cinema tupiniquim contribuiu para o cinema
mundial com alguns filmes marcantes. Recentemente o drama da favela carioca
Cidade de Deus, uma espécie de raio-x sobre o surgimento do tráfico de drogas
no país, chamou a atenção do público de todo o mundo, pelas mãos de Fernando
Meirelles. Mas muito antes disso, o Cangaceiro, de Lima Barreto, já havia
encantado os amantes de cinema quando fez sucesso no Festival de Cannes, nos
anos 50. E o Pagador de Promessas chegou a ganhar a Palma de Ouro, no mesmo
festival, em 62.
Ainda na década de 60, o Cinema
Novo também representou honrosamente o cinema nacional lá fora. Dele nasceu o
diretor-mito do Brasil, Glauber Rocha. Tivemos ainda a chanchada, a
pornochanchada, o cinema marginal e o cinema da boca do lixo, como movimentos
cinematográficos que chamaram a atenção do público e da crítica nacionais –
fossem para falar mal ou bem.
Não esqueçamos que, antes de
Cidade de Deus, o filme Central do Brasil, de Walter Salles, também tinha feito
muito sucesso no exterior. No ano passado o filme brasileiro que chamou a
atenção foi 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira. Foram mais de 5,3 milhões
de espectadores no país – além de inúmeras críticas favoráveis. Mas será que
terminadas essas observações temos uma cinematografia justa, coerente com o
verdadeiro potencial brasileiro? Lembremos que 108 anos não são 108 dias!
Passados mais de 110 anos da
invenção da sétima arte o Brasil tem diretor bem visto pelos olhos poderosos de
Hollywood – tem bons filmes guardados na história – tem alguns ótimos atores –
mas e daí? Como tudo nesse país, o cinema brasileiro é visto como algo
promissor. Mas promissor para quê e para quem? Nosso cinema é uma ‘potência em
potencial’, mas já são 108 anos, não esqueçamos. Sabe o que me lembra o cinema
brasileiro? O futebol! Isso por que temos talentos, mas não temos organização.
Dependemos das individualidades de nossos cineastas – de nossos artistas.
Teimamos em não construir uma indústria cinematográfica. Teimamos em não
construir uma infraestrutura cinematográfica. Até quando?
Sinto saudade do cinema da Boca
do Lixo, anos 70, cinema conhecido com esse nome por suas produtoras terem sido
instaladas numa região, do centro de São Paulo, onde cineastas, técnicos
cinematográficos e atores se misturavam a prostitutas, ‘viados’ e delinqüentes
de todo o tipo. Quando digo que sinto saudade desse cinema qualquer cinéfilo
desavisado e chato vai achar que estou louco – por isso me explico melhor.
Esqueça o nome-fantasia e pense no que era o cinema da Boca.
Lá as produtoras e distribuidoras
de pequeno porte ou não, centralizadas numa mesma região da cidade, faziam
filmes de baixíssimo orçamento, com temáticas simples, às vezes apelativas – é
bem verdade – e que eram sucessos constantes de público. Foi criada assim uma
indústria de cinema – coisa que jamais existirá no Brasil enquanto tivermos
esse cinema atual.
O cinema feito hoje em dia no
Brasil é caro. Ele está nas mãos das mesmas pessoas, ligado às mesmas
produtoras, e essa gente não se cansa de mamar nas tetas das vacas. Aqui as
vacas são as Leis de Incentivos Fiscais. Esse cinema é produzido através do
patrocínio público e privado, mas com produções superfaturadas em que todo
mundo leva um dinheirinho – todo mundo fica feliz – o filme é feito e fica duas
semanas em cartaz, em média. BELA MERDA!
Os rostos são quase sempre os
mesmos – assim como os técnicos são quase sempre os mesmos – os roteiristas, os
continuistas, os fotógrafos etc. Muitos filmes não passam de televisão filmada
– novelas transpostas para tecnologia cinematográfica. O meio cinematográfico
sabe quem são os nomes que fazem, todo verão, uma besteira qualquer para ganhar
dinheiro e dizerem que são cineastas. Depois aparece ator global na telinha só
para agradecer ao público os fantásticos números de bilheteria.
Acredito que a ditadura estética
da arte no Brasil virou um câncer e o pior é que esse câncer não mata. Imagine
viver com um câncer que não mata? Imagine acordar todos os dias e saber que se
tem câncer? Às vezes, pior que morrer é saber que se está doente – que irá
sofrer, agonizar – mas a paz da morte jamais chegará, pois seu sofrimento é a
alegria de alguém. De quem? Drummond imortalizou seu ‘câncer’ no poema José.
“Se você morresse, mas você é duro – você não morre, José!”
O cineasta Jean Luc Godard disse
certa vez. “A arte é a exceção e a cultura é a regra. O dever da regra é matar
a exceção.” Penso que no cinema também
exista a ditadura estética, mas se fosse só a estética ainda estaria bom. Vejo
no cinema brasileiro atual uma exclusão social. Cinema é uma arte cara e não
importa o quanto o artista (e arte é dom) nasça talentoso – não importa o
quanto o cineasta tenha nascido para o cinema, sem dinheiro ele jamais filmará
nada no Brasil. Cineasta pobre é como se fosse um câncer. Mas ele é duro, ele
não morre!
A retomada do cinema brasileiro,
pós-década de 90, trouxe bons resultados – não podemos negar. Mas não acredito
que vá render frutos promissores. A “indústria” atual está construída para isso
que está aí. Alguns nomes, inegavelmente de talento, ligados a publicidade –
com forte poder financeiro ou com fácil acesso a pessoas que tenham esse poder
– fazem filmes com uma certa regularidade, exibem quando, como, e onde querem
seu filmes – ganham algum dinheiro, ganham status – enquanto 95% dos cineastas
brasileiros ficarão sonhando em um dia fazer cinema. Só sonhando. Sonhando por
toda a eternidade. Dá para acreditar?
Por um cinema mais justo e por
uma indústria cinematográfica brasileira (de verdade) sou favorável à
descentralização cinematográfica não só por estilos, algo que é defendido e
exaltado pelas pessoas que estão no poder dessa arte no país. Mas também a
descentralização de idéias, patrocínios, produção, distribuição e exibição. A
idéia é ampla e bastante aberta para sugestões e contribuições ideológicas.
Acredito que termos só a estrutura atual fará do Brasil um país de Lima
Barreto, Anselmo Duarte, Glauber Rocha, Hector Babenco (brasileiro ou
argentino?!), Walter Salles e Fernando Meirelles. Mas não são 108 anos? E os
outros nomes?
Fico pensando por que o Estado
não pode dar benefícios fiscais para que empresas de arte (produtoras,
distribuidoras e salas de cinema) se instalem em lugares de São Paulo (também
outras cidades), onde o Estado deseja fazer uma restauração, reestruturação,
repovoamento etc. Em São Paulo a região da Boca do Lixo virou lugar de tráfico
e consumo de drogas – cortiços e favelas verticais. Ninguém quer morar ou
trabalhar ali. Por que não poderia ser incentivada a abertura de empresas de
cinema na região novamente? Seria A VOLTA DA BOCA DO LIXO. Seria cult, não
seria?! Marketing espontâneo não faltaria.
Com as empresas se instalando ali
– com bases de segurança sendo instaladas na região – com a vinda de pessoas do
meio artístico para o local, casas de espetáculos – com cinemas de ruas
funcionando em horário comercial etc. São Paulo é uma das 5 maiores cidades do
mundo e quem quer assistir um filme no cinema tem que esperar dar 14h00. Por
que não se faz salas de rua que abram às 8h00 e fechem às 17h00?
Mas essas são sugestões apenas.
Poderíamos conversar – poderíamos pensar cinema de uma forma mais ampla –
poderíamos pensar a arte no Brasil de uma forma muito mais ampla. Arte é algo
visceral. Arte tem que ter pluralidade. Arte tem que ter sofrimento e amor.
Parafraseando o poeta ou adaptando pensamentos dele: a arte tem que ser dura
sem jamais perder a ternura. Portanto, ao primeiro momento meu raciocínio pode
parecer contraditório – mas não é. DEFENDO A CRIAÇÃO DE UMA INDUSTRIA
CINEMATÓGRÁFICA NO BRASIL PARA TERMOS O CINEMA COMO ARTE TAMBÉM E NÃO APENAS
COMO ENTRETENIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA. Será que me fiz entender?
O cinema brasileiro, como está, é
bonitinho – não nego – mas é ordinário PRA CARALHO!
*Jornalista e escritor ou “contador de
histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o
jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela
WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.
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