Torquato Neto num disco de Nara Leão
* Por Everi Rudinei Carrara
A primeira vez que ouvi músicas com letras escritas pelo poeta TORQUATO
NETO foi aí por volta de 1985. Alguns amigos haviam ouvido a boa palavra do
poeta piauiense nos manjadíssimos discos da fase tropicalista dos cantores e
compositores baianos. Mas comigo aconteceu de ter recebido em novembro daquele
ano um disco e dois livros como presentes de aniversário: "ÚLTIMOS DIAS DE
PAUPÉRIA (Torquato Neto), "ESCRITOS DE ANTONIN ARTAUD" (tradução de
Claudio Willer), e o disco "Nara" (Nara Leão,1968).
Esses 3 artistas nunca mais deixaram de fazer parte de minhas principais
linhas de referência cultural. Em comum entre eles (guardadas as devidas
proporções e discrepantes origens familiares e sociais) há o talento
incomensurável e a rejeição ao conformismo e às concessões vigentes em suas
respectivas épocas. No disco de Nara há 2 composições emblemáticas da dupla Caetano
Veloso/Torquato Neto: "Mamãe coragem" e "Deus vos salve esta
casa santa". E na voz de Nara tudo soa muito deliciosamente peculiar.
Que maravilha é ouvir Nara cantando 2 poemas de Torquato! Esses poemas
de Torquato estão no livro acima referido. Aliás, os "Os últimos dias de
Paupéria" parece ter sido parido como uma ação premonitória de despedida
do artista enquanto ícone do movimento tropicalista e autor exponencial do
pensamento libertário. Há poetas, artistas e guerrilheiros libertários que
talvez, inconscientemente parecem querer abreviar suas vidas diante do caos e
do absurdo de nossas existências nesta "civilização de palha" (termo
cunhado por Artaud).
O livro de Torquato, entretanto, assim como a genialidade e, a contínua
resistência cultural heróica do mestre tropicalista TOM ZÉ, registram o vigor
de uma profunda revolução oswaldiana antropofágica, alegre, visceral, pós-tudo,
colocando dinamites nos pés deste sonolento início de século.
O livro de Torquato é subversivamente atual, sincero e despojado de
modismos e ismos. Sua foto num sanatório na tristeresina, lembra-me a aura do
iluminado enfeitiçamento de Artaud, em Rodez.
Sua fé na resistência do verso contra o academicismo bocó das panelinhas
de poesia e aburguesamento irrefreável estimulam nossa luta contra os leões de
chácara da cultura nesta era da globarbarização agonizante.
Que viva Torquato!
* Poeta e crítico musical.
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