Por
que não abater promotores de justiça no voo?
* Por Amilcar Neves
- Esse nosso governinho de eme é uma piada! - mal entrou, não
cumprimentou a amiga e Ele já chega disparando.
- Uma piada de péssimo gosto, se queres que te diga - sem mesmo saber de
que nível de governo se tratava, isto pouco importava, Ela, ainda de bom humor,
já vai complementando a frase dele.
- O federal - Ele, furibundo, esclarece.
- Pior ainda - Ela, sorridente, devolve de bate-pronto.
- O Itamarati, por exemplo. Ele não é o nosso Ministério das Relações
Exteriores? - e, sem esperar resposta, Ele prossegue: - Não devia cuidar dos
interesses brasileiros no exterior? E o que ele faz? Vem aqui tratar de
interesses alemães no interior! E digo-te mais: muito pior! Pioríssimo! Vem
tratar de interesses alemães dentro do Brasil exatamente contra brasileiros,
ainda que alemães naturalizados, que para cá migraram em busca de vida, de
decência e de futuro!
- Sinto cheiro de porcaria no ar - Ela considera, já pensativa. - A que
caso específico te referes? São tantos.
- A um incerto Escritório Central para a Investigação dos Crimes do
Nazismo, criado pelo governo alemão em 1958, com sede na cidade de Ludwigsburg.
Sabes o que eles querem? - espumando pelos cantos da boca, possesso, colérico,
Ele mal se contém. - Tem um promotorzinho lá, de nome tão raso quanto sua
inteligência, chamado Kurt Schrimm, que suspeita que 50 guardas - guardas, nota
bem, minha cara amiga! - que atuavam nos campos de concentração de Auschwitz e
Birkenau, onde morreram 1 milhão de pessoas entre 1942 e 1945, suspeita, tal
procurador, que esses 50 guardinhas teriam fugido para o Brasil após 1944. Ele
quer achá-los aqui para levá-los de volta e serem processados na Alemanha! Terá
isso algum cabimento?
- Uma espécie de Comissão Nacional da Verdade lá deles! - Ela salta na
poltrona com a associação que faz. - Que gente mais vingativa e cheia de ódio
no coração! Se mataram alguém ou não, que nos interessa isso? Foi durante a
guerra, não foi? E guerra é guerra, qualquer criancinha sabe disso. Terá havido
excesso de ambos os lados. E se teve gente que morreu, seja judeu, negro ou
homossexual, ou tudo isso junto, é porque algo há de ter feito. Ou estava no
lugar errado. Quem garante que não andaram jogando pedra nos soldados que
passavam?
- Terroristas que jogam pedra por falta de arma mais potente. Imagina só
- Ele procura pensar mais claramente. - Serão 70 anos no ano que vem! Se um
guarda desses tivesse 21 anos na época, hoje, se vivo estiver, estará com 90.
Tem lógica prender alguém 70 anos depois de um fato, qualquer que seja? E mais
ainda: um inofensivo velhinho de 90 anos?
- A Alemanha está parecendo mais um paisinho da América Latina que
conhecemos bem e gasta fortunas atrás de filigranas do passado ao invés de
olhar para a frente; que destrói antes de construir - suas mãos tremem, Ela
balbucia. - Quanto custará deslocar promotores de justiça da Alemanha para
analisar milhares de fichas de alemães que vieram para o Brasil querendo fechar
uma porta atrás de si, deixar o passado para trás, a fim de encontrar meros 50
guardas de presídio, se tanto?
- Com a autorização do Itamarati e do Ministério das Relações Exteriores
deles. Burocratas desocupados mamando nas tetas dos seus governos - Ele ri
amargamente. - Podíamos fazer com os promotores o que a quebra de hierarquia em
1961 impediu que a Aeronáutica fizesse com João Goulart: abater o avião em que
eles viessem para cá. Sai mais barato para todo mundo...
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de
ficção publicados.
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