O povo que inventou a agricultura
* Por
Urda Alice Klueger
(Texto
escrito um mês antes da invasão do Iraque, faz 10 anos. Estão incluídos em nota
de rodapé alguns dados sobre o que aconteceu.)
Era uma
vez... era uma vez uma terra muito linda, que tinha até Jardins Suspensos,
coisa que ficou conhecida como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Ela
estava situada entre dois rios, o Tigre e o Eufrates, o que a tornou tão fértil
que foi lá que o ser humano aprendeu a cultivar a terra pela primeira vez no
mundo. Aquela gente que descobriu a agricultura e andou fazendo obras
maravilhosas, como as dos Jardins Suspensos, ficou por lá vivendo, e os
bisnetos dos bisnetos dos bisnetos daquela gente muitas coisas fizeram e
viveram nos milênios seguintes, até chegarem aos nossos dias.
Muitos
milênios irrigando e cultivando a mesma terra tiraram dela a fertilidade que um
dia tivera, e aquele lugar no meio dos rios ficou assim sem grande importância,
com suas gentes vivendo do jeito que dava em paisagens que se tornaram
desérticas – até que, um pouco mais que um século atrás, aconteceu no mundo uma
coisa chamada Segunda Revolução Industrial, e toda a gente passou a desejar
ardentemente possuir uma coisa que se tornou a mais preciosa de todas: o
petróleo. E adivinhem aonde havia barbaridades de quantidades de petróleo: bem
lá naquela terra de entre-rios, bem lá naquela que descobrira até a
importantíssima coisa chamada agricultura.
Já
andamos milênios na nossa historinha; vamos agora avançar logo um século. Hoje,
quem manda no mundo é um país do Hemisfério Norte chamado Estados Unidos[1], e hoje, quem quer continuar tendo o
domínio do mundo tem que ser dono da maior quantidade possível de jazidas de
petróleo, e, por azar, justamente lá naquela terra onde um dia houve Jardins
Suspensos, está a segunda maior reserva de petróleo do mundo. Há outro azar aí
na história: um presidente maníaco, que entrou no poder do país poderoso pela
porta dos fundos, um cara que parece bem um cachorro-louco, e que olhou para a
grandeza que acha que tem e disse: “ Eu quero aquele mundão de petróleo!” – e
tudo tem feito para conseguí-lo, e pelo andar da carruagem, nas próximas
semanas ele estará invadindo aquele país dos Jardins Suspensos, que hoje se chama
Iraque, e jogando perigosíssimas bombas na cabeça de todo o mundo[2]. Há que se lembrar que faz 12 anos que
o pai dele, o primeiro da dinastia Bush, também andou fazendo guerra por lá, e
então conto umas coisinhas que uma freira que veio do Iraque contou no último
Fórum Social Mundial[3], lá em Porto
Alegre: o Iraque era um país onde um operário recebia, em média, 1.200 dólares
por mês, que tinha excelentes escolas gratuitas até o 3º grau, que tinha uma
medicina que era referência para toda a região. Depois da primeira guerra e do
bloqueio econômico que a seguiu, nosso país dos Jardins Suspensos degringolou:
um operário, hoje, ganha 4 (quatro) dólares por mês, o maravilhoso ensino
gratuito já não existe, e a medicina que era referência – bem, pode-se esquecê-la,
acabou, faz doze anos que os hospitais não recebem manutenção e já não existem
remédios – mas não existem mesmo – quando se consegue algum, como um
antibiótico, por exemplo, cada comprimido é cortado no meio, para se atender
pelo menos ao dobro das pessoas que dele precisariam. Milhares e milhares de
crianças e adultos morrem por falta de remédios, não importa sua condição
econômica e social. E é sobre essa gente combalida e desassistida que o
cachorro-louco (que me perdoem os cachorros!) quer testar seus mais
sofisticados equipamentos de morte. Ele usa de pretextos, claro, diz que lá há
armas perigosas, que lá há um ditador – que armas mais perigosas existem que as
suas, e governante que entra pela porta dos fundos[4] e que não ouve sequer o Conselho de
Segurança da ONU que outra coisa é senão um ditador?
Pois é, o
cachorro-louco está solto, e eu fico pensando é naquela mãe que tem duas
crianças, naquele homem que tem uma barraquinha de vender verduras, e que daqui
a pouco terão as bombas estourando sobre suas cabeças e estraçalhando seus
corpos. Qual foi o mal que eles fizeram, além de viverem sobre um lençol de
petróleo, naquela terra que já teve tantas glórias? O que será daquela gente
humilde do Iraque, daquela gente que não participa das decisões, mas que é
herdeira de descobertas como a da agricultura, e que já teve a glória de seus
Jardins Suspensos? Aquela gente é gente como nós. Acho que não podemos ficar
indiferentes à sorte dela. E será que não haverá no mundo ninguém com coragem
para botar uma coleira no cachorro-louco?[5]
[1] Nesta data de 2013, tal
liderança já não pertence mais aos Estados Unidos, mas à China. Grande
maquiagem e muitas guerras, no entanto, procuram fazer crer que a liderança de
tal país continua.
[2] A invasão aconteceu em
20.03.2003.
[3] Trata-se do Forum Social Mundial
de 2003.
[4] Nunca ficou claro se Bush Júnior
chegou mesmo a ganhar as eleições presidenciais dos Estados Unidos.
[5] Ninguém teve coragem suficiente
para conter a sanha do Cachorro Louco. Morreram nos Iraque, por conta da
invasão, nos últimos 10 anos, cerca de 30.000 civis, conforme dados oficiais
dos EUA, mas “segundo a Al-Jazeera ‘o número de mortos civis [no Iraque]
é muito maior ao que se estipula oficialmente’. Registam-se "numerosos
casos de tortura, humilhação e homicídios contra
civis", informa a televisão do Qatar.“ No decorrer dos acontecimentos esta
autora teve informações de que tal número de mortos civis teria ultrapassado a
1.600.000 pessoas, sem que se leve em conta os mais de 2.000.000 de iraquianos
que fugiram do seu país. Há muito mais no Google, em fontes fidedignas, para
você se informar.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
É preciso olhar com humanidade os humanos e ver os fatos mais de perto, com lupa, como você fez, Urda. É bom que saibamos de certas coisas e que não usemos cômodas viseiras para ver apenas a história oficial.
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