Fama
ou reconhecimento?
"A
fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa", escreveu,
certa ocasião, o poeta austríaco, Rainer Marie Rilke. Absoluta verdade!
Certamente, não foi esta a condição (ou seria recompensa?) que os intelectuais engajados
na solução dos problemas do seu tempo buscaram
(ou buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o
"reconhecimento" das gerações futuras, pelo que fizeram e deixaram
como patrimônio cultural. Nem sempre (ou quase nunca) conseguem.
Quantos
intelectuais campineiros (e especifico por residir em Campinas) , que estiveram
na "crista da onda" não faz muito tempo, quando ainda em atividade,
não acabaram esquecidos, tão logo morreram?! E, pior, alguns, ainda vivos,
sentem hoje o travo amargo do esquecimento e do descaso, como se nunca tivessem
existido! Quem perde com tal omissão (ou desinformação), é a sociedade, que
deixa de se valer da experiência e das luzes desses intelectuais brilhantes.
Arte e cultura são atemporais. Talvez esse esquecimento seja fruto do
preconceito, dessa obsessão pelo "moderno". Modernidade, aliás, na
maioria das vezes confundida com modismo.
Sempre
que possível (e oportuno), tentarei, neste espaço, senão resgatar, pelo menos
lembrar dos nossos bons escritores (e são tantos!). Uma das razões é de caráter
prático: para usufruir suas boas idéias, sempre bem vindas nesta época de
aridez mental. Outra (por que não dizer?), é egoística: fazer desse exercício
de exegese uma espécie de "exemplo", na vã ilusão de que, algum dia, em
algum jornal ou revista da cidade ou do País, determinado cronista generoso me
retire do ostracismo, a que certamente também serei relegado.
Estas
considerações vêm a propósito de um telefonema de um leitor me perguntando o
que achava da pessoa e da obra de Paranhos de Siqueira. Não conheci esse
intelectual pessoalmente. Nos vimos por aí, pela cidade, uma vez ou outra.
Trocamos sinais de cabeça, à guisa de cumprimento, e nossas relações
restringiram-se a isso. Nunca fomos apresentados formalmente. Sequer chegamos a
conversar, mesmo que sobre banalidades.
Desconheço se ele acompanhou minha trajetória pela imprensa de Campinas.
Provavelmente não! À época em que Paranhos era um brilhante articulista do
"Correio Popular" e do "Diário do Povo", eu estava
ensaiando os primeiros passos como jornalista.
Acompanhei-o,
no entanto, com grande interesse. Colecionei, avidamente, seus candentes
artigos, nos quais me espelhei para escrever os meus. Tenho alguns dos seus
livros, especialmente os de crônicas, como "Rosário de Lágrimas"
(publicado em 1936, quando eu sequer havia nascido), "Horas Mortas"
(de 1939) e o que reputo o melhor de todos, "Gente e Coisas da Minha
Terra", de 1980. Este último, é um precioso documento, escrito com o texto
leve e fluente do emérito cronista (aliás, sua característica), de um largo
período da história recente da cidade.
Tenho
um único livro de poesias de Paranhos de Siqueira, escritor que há tempos não
tem sido citado uma só vez na imprensa
campineira, como se sequer tivesse existido (meu Deus, como a nossa mídia é
carente de memória!). Trata-se de "Antes que Anoiteça", coletânea de
95 sonetos, dos quais escolhi (a esmo) apenas dois, para apresentar ao leitor.
O primeiro, intitula-se "Poetas Antigos".
Diz:
"Passei
a noite inteira lendo versos,
---
poesia antiga de sabor sem par,
em
que palpitam vozes de universos
que
nem a Morte conseguiu calar.
Guerra
Junqueiro...--- artífice invulgar
de
alexandrinos celestiais, tão tersos
que
hão de sempre existir e perdurar
na
comunhão dos séculos dispersos.
Bilac,
o velho Alberto de Oliveira,
o
Saturnino, o mestre dos 'Grupiaras',
---
dos grandes da poesia brasileira.
Valeu
a pena ter ficado insone,
ébrio
de gozo como as gemas raras
do
simbolismo de Raul de Leoni..."
O
segundo soneto que reproduzo é este "O Espelho":
"Entrei
hoje em atrito decidido
com
meu espelho de cristal vetusto.
Olhei-me
nele, um tanto distraído,
e
o diabo quase me matou de susto.
O
danado queria, a todo custo,
sob
a ilusão dos anos que hei vivido,
em
vez do moço impávido e robusto,
mostrar-me
um velho pela dor vencido.
E
veio a bronca que nos pôs de mal.
Ele,
afirmando que me foi leal,
e
que o Tempo é que o físico dilui.
E
eu, exigindo que ele me mostrasse,
no
mesmo corpo, a mesma antiga face
do
jovem desenvolto que já fui..."
Quem
não conhece a obra (em prosa ou verso, não importa) de Paranhos de Siqueira,
não sabe o que está perdendo. Trata-se de um intelectual que --- mais do que
qualquer eventual e efêmera fama --- merece nosso eterno reconhecimento... E,
sobretudo, nossa total gratidão!
Boa
leitura.
O
Editor.
O prazer de ler essa amostra demonstra o quanto você está com a razão, Pedro. Ele mesmo, Paranhos de Siqueira, relembra imortais das letras. A vida passa, mas as ideias, se boas, precisam perdurar.
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