“Eu quero é sossego”
* Por Mara Narciso
Tim Maia pedia por sossego. Também merecemos o descanso necessário na
Semana Santa. Mas não foi assim. Mal a quinta-feira começou o alarme da cerca
elétrica do vizinho da esquerda disparou. Depois se calou, para recomeçar de
forma intermitente. Julgamos que ele estivesse viajando, mas que, de alguma
forma, a campainha pudesse se calar de uma vez e nos deixar em paz. Mas não… O
suplício estava apenas começando.
Pela lei é vedada a promoção de som de modo a incomodar a vizinhança,
causando o desassossego, a intranqüilidade ou o desconforto. O nível de
decibéis acima do qual é proibido em área externa é de 85, e um alarme de cerca
elétrica grita a 120 decibéis. Que tal ouvir um som desses por três dias
seguidos, enquanto o dono da casa, ciente do problema, continua viajando?
Todos têm direito ao sossego. Mas como? Com um alarme disparado ao lado
da cabeça? Não queremos acreditar, mas, depois de um dia inteiro de barulho
vamos para a nossa primeira noite de tampões no ouvido, com todas as janelas
lacradas.
Na manhã seguinte, o vizinho do fundo está desperto bem cedo. Claro!
Ninguém conseguiu dormir, nem nós e nem ele. Está de pé sobre uma escada,
cabeleira revolta de quem rolou insone a noite inteira, e através do muro olha
desolado para a casa de onde vem a perturbação. Cumprimenta-me e diz que já
ligou para a Polícia Militar, sem sucesso. Disseram-lhe não poder fazer nada.
Informa que desligou a fonte de energia, e que em algumas horas a bateria do
alarme, sem recarga, deverá silenciar. Engano. Ainda assim a tortura continua
infinitamente, eternizando nossa agonia.
Outro vizinho, morador do outro lado da casa-problema, e recém-operado
de ponte-safena, de olhos vermelhos, chama na porta. Está muito alterado e não
sabe o que fazer. O descaso causou mais um dia de penitência, stress e
desespero. O barulho não nos deixa descansar. Faz sofrer, cansa, esgota e
esfola o juízo. Custa-nos a raciocinar com a mente confusa e atazanada. A
sanidade nos abandona e a fúria inicia a sua jornada. A via crucis ocorre no
dia adequado, pois é Sexta-feira da Paixão que transcorre, ironicamente, com
fundo musical e não silêncio, tão necessário à reflexão. A vontade é explodir
tudo, mas somos pessoas civilizadas, em tese, e precisamos conter nossos
impulsos primitivos.
A segunda noite de tormenta tem momentos de trégua, porém, o recomeço é
sublime. O alarme parece tomar fôlego para retornar mais forte, com ruído alto
e glorioso. É preciso equilíbrio para não gritar, tentando ignorar o barulho de
muitas vuvuzelas. E a falta de lógica? Caso um cantor ganhe seu pão cantando, é
preciso cantar cedo e baixo, pois a Secretaria de Meio Ambiente coloca em
prática sua tolerância zero. Chega, mede o barulho e leva todo mundo em cana
cobrando grossas multas, caso ultrapasse tantos decibéis. Mas no nosso caso,
nenhuma providência. Um quarteirão telefonando e as autoridades nos ignorando.
O autor do nosso tormento está distante, passando o feriado prolongado
afastado do incômodo que ele mesmo gerou, ainda que não intencionalmente. Não
fez e não vai fazer nada. Só voltará segunda-feira. Curte a brisa do mar, longe
daqui, em sua merecida paz. Enquanto isso, o som que emana do seu lar, que tem
cerca elétrica, concertina, foco de luz, anunciador de presença e câmera de
segurança solta a voz na estrada e impede que quarteirões inteiros descansem,
nem digo dormir, pois isso é impossível. A tortura continua hora após hora, sem
interrupção. A empresa responsável pelo alarme disse não poder desligar o
apetrecho. Não tem como entrar na casa e ainda ameaça: se alguém desligar a
energia elétrica, o alarme parar e a casa for arrombada, entrarão na justiça e
condenarão quem o desligou. Tudo registrado pela câmera.
Perder a compostura e arrancar os cabelos é comportamento iminente nesta
altura dos fatos. Alguns já não se controlam mais. Soube de quem se debatesse
aos berros de “não aguento mais”, num choro descontrolado. O barulho é muito
alto para ser minimamente tolerado, sendo impossível a sublimação, mesmo com
tampões de ouvido. Principalmente depois de eternas horas. De longe, a
inconfessável vontade de esperar o responsável pelo nosso suplício com uma
salva de balas.
Alguns já não garantem muita civilidade. Pagamos as altas taxas que nos
são cobradas, e ficamos sem direito algum, como tem sido habitual. Com o claro
desrespeito a ordem pública, o tal viaja e seus massacrados vizinhos tentam ter
calma diante do abuso. A Polícia Militar informa que só poderão invadir a casa
com ordem judicial. Bem, e se a casa pegar fogo, os bombeiros aparecerão para
desligar essa traquitana? O transtorno é tamanho que mereceria uma entrada
conjunta na Justiça por perdas e danos.
Ao final do terceiro dia, nem acredito mais que o silêncio exista, mas
revivemos, enfim. O dono da casa desliga o alarme – o alívio causa prazer - e
viaja novamente. Estamos meio surdos e marcados. Então, fica determinado ser
proibido viajar e deixar os vizinhos entregues a sua própria sorte, ou azar.
*Médica
endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de
Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora
do livro “Segurando a Hiperatividade”
Puxa, Mara, que saga! Já passei por isso, a coisa durou umas quatro ou cinco horas e já estava a ponto de dar com a cabeça na parede. Imagino três dias...
ResponderExcluirFiz meu costumeiro comentário sobre seu texto da semana passada, confirmei a publicação, porém acessei mais tarde e vi que não estava mais lá. Não sei o que pode ter acontecido. De qualquer forma, um beijo pra você.
Três dias, quase sem interrupção acabou com nosso sossego e sanidade. Ficaram sequelas de insônia e irritabilidade. Foi uma infortúnio e tanto. Obrigada pela solidariedade.
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