quarta-feira, 3 de abril de 2013


“Eu quero é sossego”

* Por Mara Narciso

Tim Maia pedia por sossego. Também merecemos o descanso necessário na Semana Santa. Mas não foi assim. Mal a quinta-feira começou o alarme da cerca elétrica do vizinho da esquerda disparou. Depois se calou, para recomeçar de forma intermitente. Julgamos que ele estivesse viajando, mas que, de alguma forma, a campainha pudesse se calar de uma vez e nos deixar em paz. Mas não… O suplício estava apenas começando.

Pela lei é vedada a promoção de som de modo a incomodar a vizinhança, causando o desassossego, a intranqüilidade ou o desconforto. O nível de decibéis acima do qual é proibido em área externa é de 85, e um alarme de cerca elétrica grita a 120 decibéis. Que tal ouvir um som desses por três dias seguidos, enquanto o dono da casa, ciente do problema, continua viajando?

Todos têm direito ao sossego. Mas como? Com um alarme disparado ao lado da cabeça? Não queremos acreditar, mas, depois de um dia inteiro de barulho vamos para a nossa primeira noite de tampões no ouvido, com todas as janelas lacradas.

Na manhã seguinte, o vizinho do fundo está desperto bem cedo. Claro! Ninguém conseguiu dormir, nem nós e nem ele. Está de pé sobre uma escada, cabeleira revolta de quem rolou insone a noite inteira, e através do muro olha desolado para a casa de onde vem a perturbação. Cumprimenta-me e diz que já ligou para a Polícia Militar, sem sucesso. Disseram-lhe não poder fazer nada. Informa que desligou a fonte de energia, e que em algumas horas a bateria do alarme, sem recarga, deverá silenciar. Engano. Ainda assim a tortura continua infinitamente, eternizando nossa agonia.

Outro vizinho, morador do outro lado da casa-problema, e recém-operado de ponte-safena, de olhos vermelhos, chama na porta. Está muito alterado e não sabe o que fazer. O descaso causou mais um dia de penitência, stress e desespero. O barulho não nos deixa descansar. Faz sofrer, cansa, esgota e esfola o juízo. Custa-nos a raciocinar com a mente confusa e atazanada. A sanidade nos abandona e a fúria inicia a sua jornada. A via crucis ocorre no dia adequado, pois é Sexta-feira da Paixão que transcorre, ironicamente, com fundo musical e não silêncio, tão necessário à reflexão. A vontade é explodir tudo, mas somos pessoas civilizadas, em tese, e precisamos conter nossos impulsos primitivos.

A segunda noite de tormenta tem momentos de trégua, porém, o recomeço é sublime. O alarme parece tomar fôlego para retornar mais forte, com ruído alto e glorioso. É preciso equilíbrio para não gritar, tentando ignorar o barulho de muitas vuvuzelas. E a falta de lógica? Caso um cantor ganhe seu pão cantando, é preciso cantar cedo e baixo, pois a Secretaria de Meio Ambiente coloca em prática sua tolerância zero. Chega, mede o barulho e leva todo mundo em cana cobrando grossas multas, caso ultrapasse tantos decibéis. Mas no nosso caso, nenhuma providência. Um quarteirão telefonando e as autoridades nos ignorando.

O autor do nosso tormento está distante, passando o feriado prolongado afastado do incômodo que ele mesmo gerou, ainda que não intencionalmente. Não fez e não vai fazer nada. Só voltará segunda-feira. Curte a brisa do mar, longe daqui, em sua merecida paz. Enquanto isso, o som que emana do seu lar, que tem cerca elétrica, concertina, foco de luz, anunciador de presença e câmera de segurança solta a voz na estrada e impede que quarteirões inteiros descansem, nem digo dormir, pois isso é impossível. A tortura continua hora após hora, sem interrupção. A empresa responsável pelo alarme disse não poder desligar o apetrecho. Não tem como entrar na casa e ainda ameaça: se alguém desligar a energia elétrica, o alarme parar e a casa for arrombada, entrarão na justiça e condenarão quem o desligou. Tudo registrado pela câmera.

Perder a compostura e arrancar os cabelos é comportamento iminente nesta altura dos fatos. Alguns já não se controlam mais. Soube de quem se debatesse aos berros de “não aguento mais”, num choro descontrolado. O barulho é muito alto para ser minimamente tolerado, sendo impossível a sublimação, mesmo com tampões de ouvido. Principalmente depois de eternas horas. De longe, a inconfessável vontade de esperar o responsável pelo nosso suplício com uma salva de balas.

Alguns já não garantem muita civilidade. Pagamos as altas taxas que nos são cobradas, e ficamos sem direito algum, como tem sido habitual. Com o claro desrespeito a ordem pública, o tal viaja e seus massacrados vizinhos tentam ter calma diante do abuso. A Polícia Militar informa que só poderão invadir a casa com ordem judicial. Bem, e se a casa pegar fogo, os bombeiros aparecerão para desligar essa traquitana? O transtorno é tamanho que mereceria uma entrada conjunta na Justiça por perdas e danos.

Ao final do terceiro dia, nem acredito mais que o silêncio exista, mas revivemos, enfim. O dono da casa desliga o alarme – o alívio causa prazer - e viaja novamente. Estamos meio surdos e marcados. Então, fica determinado ser proibido viajar e deixar os vizinhos entregues a sua própria sorte, ou azar.

 *Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

2 comentários:

  1. Puxa, Mara, que saga! Já passei por isso, a coisa durou umas quatro ou cinco horas e já estava a ponto de dar com a cabeça na parede. Imagino três dias...
    Fiz meu costumeiro comentário sobre seu texto da semana passada, confirmei a publicação, porém acessei mais tarde e vi que não estava mais lá. Não sei o que pode ter acontecido. De qualquer forma, um beijo pra você.

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    1. Três dias, quase sem interrupção acabou com nosso sossego e sanidade. Ficaram sequelas de insônia e irritabilidade. Foi uma infortúnio e tanto. Obrigada pela solidariedade.

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