As crianças mortas que nós
desprezamos
* Por Paulo Nogueira
Os americanos vão
devastando o mundo árabe sob o silêncio omisso de todos nós.
Elas não vão acordar
E então leio, neste final de
domingo:
“Doze civis morreram no sábado,
durante um ataque aéreo das forças comandadas pelos americanos numa aldeia do
distrito de Shigal, província de Kunar, junto à fronteira com o Paquistão.
Segundo a Reuters, os mortos são 11 crianças e uma mulher. Seis outras mulheres
ficaram feridas.”
Vejo a foto e fico em dúvida
sobre se a publico. Decido que sim: o mundo tem que ver isso.Tem
que se indignar.
Até quando vamos suportar isso?
Já pensaram se fossem crianças americanas?
É uma rotina, lamentavelmente.
Vou contar uma história.
Em dezembro de 2009, o jornalista
iemenita Abdulelah Shaye foi a uma aldeia em seu país para investigar a morte
de dezenas de pessoas num bombardeio. A alegação do governo do Iêmen era que se
tratava de terroristas da Al-Qaeda, o grupo de bin Laden.
O que Shaye descobriu foi algo
bem diferente.
Crianças e mulheres tinham sido
mortas, e não terroristas. Ele também encontrou destroços em que estava escrito
“made in USA”. O Iêmen não tem as armas utilizadas no bombardeio.
Fora, na verdade, uma ação
americana, não do Iêmen. E o meio foram os controvertidos drones, os aviões
teleguiados que disparam mísseis sem que haja tripulação. Um dos documentos
vazados pelo Wikileaks sobre as atividades da diplomacia americana mostrava que
a Casa Branca combinara com o Iêmen que este assumiria a responsabilidade em
caso de ataques como o da aldeia para a qual fora, como jornalista, Shaye.
Isso evitaria não só desgaste de
imagem como a economia de dinheiro em indenizações por mortes de inocentes.
O furo de Shaye lhe valeu duas
coisas. A primeira, aplausos entre os iemenistas, cansados de um governo
corrupto, ditatorial e subserviente aos Estados Unidos. A segunda, a cadeia. O
governo do Iêmen acusou-o de vínculos com a Al-Qaeda – sem provas — e o
prendeu.
Os inocentes mortos no Iêmen – ou
no Afeganistão, ou no Iraque – têm escasso valor, quando comparados aos
inocentes mortos no Ocidente. São vítimas invisíveis, ignoradas no mundo —
choradas apenas num canto que para nós, ocidentais, não é nada.
* Jornalista.
Está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São
Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de
negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário