A República dos
Banqueiros
O decreto que criou o
que ficou conhecido como “encilhamento” – gíria emprestada do turfe que
significava algo equivalente a “marmelada” em apostas de corridas de cavalo –
foi muito mais amplo do que simplesmente permitir aos bancos que fizessem emissões
de moeda e de apólices da dívida pública em dobro dos respectivos lastros de
ouro. Ele foi baixado em janeiro de 1890, sendo que o ministro da Fazenda, Ruy
Barbosa, assinou-o na calada da noite, sem consultar ninguém, sequer seu
superior hierárquico, no caso o presidente Marechal Deodoro da Fonseca. A forma
como esse dispositivo legal foi posta em prática gerou grande escândalo
político, um dos tantos de um período com fartura deles, tanto pala maneira
como ocorreu, quanto e principalmente por seu teror e posteriores consequências.
O primeiro ministério
da República ficou dividido a esse respeito. Parte fez vistas grossas ao
decreto, parte aprovou0o, posto que com relutância e restrições, mas dois
importantes ministros – Demétrio Ribeiro e Campos Salles – opuseram-se vigorosamente a ele. Em bão! Ainda
assim, a medida acabou sancionada. Antes não o fosse. O decreto trazia uma
lista enorme de concessões aos bancos, descaracterizando, inclusive, sua
atividade essencial e dando-lhes um poder virtualmente ilimitado para atuar na
economia brasileira em todos seus setores a ponto do próprio regime que sucedeu
à monarquia ser chamado, pejorativamente, por vastos setores da imprensa, de “República
dos Banqueiros”. E foi, de fato, no que o País se transformou nesse lamentável
período.
O curioso é que Ruy
Barbosa foi escolhido como ministro da Fazenda, na composição do primeiro ministério
republicano, exatamente por manifestar, publicamente, intransigente e firme
oposição a esse sistema que implantou, urdido na gestão do último gabinete
monárquico, o do Visconde de Ouro Preto, mas que entrou em vigor, apenas, dois
meses após a proclamação da República, com a sanção do infeliz decreto. E este
foi muito mais amplo do que o originalmente concebido no fim do regime anterior.
Era tão danoso, que a então Província de São Paulo não aderiu, por completo,
aos seus termos.
Por intervenção decisiva
de Campos Salles, os paulistas criaram uma espécie de “banco regulador” para
impedir os desmandos das demais instituições bancárias existentes e que viessem
a ser criadas. Mas, no restante do País, a medida vigorou integralmente, sem
que os bancos tivessem qualquer tipo de fiscalização ou de restrição. Os
banqueiros estavam com a faca e o queijo nas mãos, para atuar a seu bel prazer.
O que levou Ruy Barbosa a agir como agiu, inclusive contra o que tantas vezes apregoou
que era contrário às suas convicções? Ele nunca explicou. Não, pelo menos, de
forma convincente.
Pelo artigo 2ª do
decreto, por exemplo, os bancos obtiveram a faculdade legal de operar nas
seguintes áreas:
a) empréstimos,
descontos e câmbio; b) Hipotecas a curto e longo prazo; c) Penhor agrícola
sobre frutos pendentes, colhidos e armazenados; d)Adiantamentos sobre
instrumentos de trabalho, máquinas, aparelhos e todos os meios de produção das
propriedades agrícolas, engenhos centrais, fábricas e oficinas: e) Empréstimos
de caráter e natureza industrial para a construção de edifícios públicos e
particulares, e de ferrovias e outros, docas, melhoramentos em portos,
telégrafos, telefones e quaisquer outros empreendimentos industriais: f)
Comprar e vender terras, incultas ou não, parcelá-las e demarcá-las por conta
própria e alheia; g) Encarregar-se de assuntos tendentes à colonização, fazendo
os adiantamentos necessários, mediante ajustes e contratos com os colonos ou terceiros interessados; h)
Incumbir-se por conta própria ou alheia do dessecamento, drenagem e irrigação do
solo; i) Tratar do nivelamento de orientação de terrenos, abertura de estradas
e caminhos rurais, canalização e direção de torrentes, lagoas e rios e
facilitar os meios necessários, mediante ajuste e condições, a qualquer
cultura, criação de gado de todas as espécies e exploração de minas,
principalmente de carvão de pedra, cobre, ferro e outros metais; j) Efetuar
todas as operações de comércio e indústria por conta própria e de terceiros.
E olhem que este era
apenas UM dos artigos (o 2ª) do malfadado decreto. Sequer destaquei a principal
prerrogativa concedida às instituições de crédito, ou seja, a de emitir moeda e
rótulos da dívida pública no dobro da quantidade de lastro ouro que
dispusessem, limite este jamais respeitado. Com todas essas facilidades e
atribuições, não é de se admirar, portanto, que, num único ano, o de 1890,
surgissem 33 novos bancos só na cidade do Rio de Janeiro!!! E todos podendo
emitir dinheiro o quanto quisessem. Nem é necessário ser economista para prever
que essa “farra monetária” não terminaria bem, não é mesmo? E, de fato, não
terminou.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Minas também criou muitos bancos. Acredito que ainda restem sinais dessa loucura econômica. Possivelmente ainda estamos pagando por isso. A seriedade da nossa política monetária parece ter melhorado um pouquinho.
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