O destino da galinha
* Por Ruth Barros
Uma das melhores amigas de Anabel
resolveu criar galinhas no sítio no qual passa fim de semana com o marido e as
duas filhas. No princípio tudo foram flores, ou melhor, ovinho fresco caipira
mexido, gema quase vermelha – quem conhece um ovo de galinha de verdade sabe do
que estou falando - , galinhas e pintinhos pras meninas se enturmarem com a
natureza e os animais, show de bola.
Os problemas vieram devagar e
sempre. Começaram pela grana extra que teve de ser dada para a mãe da caseira –
a caseira em si alegou excesso de trabalho com o sítio – pra que ela fosse
alimentar as galinhas, recolher os ovos, esse tipo de coisa. Como a mãe da
caseira também cria galinhas, nada mais justo que a dona da casa fornecesse
ração para todas elas, sem distinção de classe social, galinhas da proprietária
ou galinhas da serviçal.
Parece que a justiça se encerrava
aí. A justiça divina, aquela que cuida dos animais, não era tão justa assim com
os de minha amiga – as galinhas dela nunca punham ovos, morriam, era uma
sucessão de desgraças galináceas nunca vista que a mãe da caseira tentava
explicar sem muito sucesso, já que as galinhas dela iam de vento em popa. O
próximo passo foi uma roubação desenfreada que galos e galinhas que reduziu o
outrora florescente galinheiro a uma única salva da enchente.
Foi aí que a porca torceu o rabo,
com o perdão de excessos animalescos em uma única crônica da auto-intitulada
perua. Acostumada a viver em animada sociedade com seus iguais, a remanescente
entrou em profunda depressão, jogada em um mundo no qual ela se tornou o único
representante de sua raça. Não estou insinuando que galinha seja bicho fadado à
extinção, muito pelo contrário, mas o problema ficou sério.
O caminho natural, matar, depenar
e comer o bicho, tornou-se uma espécie de heresia – as filhinhas de minha
amiga, apiedadas, não consentem e a sobrevivente já tinha dado mostras de
bravura suficiente para escapar desse triste e banal destino de suas irmãs. O
que fazer? Haverá algum destino mais glamouroso? As galinhas têm tido destaque
no cinema (Cidade de Deus, quem não lembra do princípio, um frango condenado à
grelha escapar do espeto do churrasco correndo que nem louco pelas ruas da
favela?) e na TV, com os novos reality shows que implicam em matar a própria
galinha para sobreviver.
Mas minha amiga, politicamente
correta, não quer engordar o sistema fazendo doações desse tipo. E depois ela
acredita que há exploração do sofrimento dos animais nessas produções e, se tem
dó de dar à galinha um fim corriqueiro, também não quer enviá-la para uma morte
a ser saboreada pela plebe rude em frente às câmaras. A galinha continua viva e
deprimida, à espera de uma decisão.
Anabel Serranegra acha que o
destino das galinhas é incerto mesmo
* Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em
Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente
do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil
trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal
da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna
Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o
pseudônimo de Anabel Serranegra.
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