Duas dálias
* Por Daniel Santos
Encontraram-se
pela primeira vez em cima do muro que dividia as duas casas. A menina Adélia
brincava sozinha no jardim, quando avistou uma dália rubra. Empilhou pedras,
subiu e deu de cara com o garoto Adauto que alcançara a flor primeiro e a
oferecia sorridente à vizinha.
Ficaram
amigos e, desde esse dia até o final da infância, os dois brincavam juntos.
Bastava pular o muro. Ele se equilibrava no alto das árvores para mostrar o
talento do trapezista que pretendia ser e ela rodopiava pelo jardim como uma
bailarina que ele nunca mais esqueceu.
Um
dia, tudo mudou, talvez porque Adauto criou buço e engrossou a voz, quem sabe
porque urgências inéditas passaram a comandar todo o organismo de Adélia. Fato
é que mudaram, mudaram muito mesmo. E, assim, aturdidos com a nova identidade
que se impunha, separaram-se.
Mas,
não, para sempre. Certa noite, a mocinha amargava insônia e suores na cama. A
iluminação pública estampava no teto do quarto a sombra do pé de dália e, lá no
alto, apareceu Adauto já rapazinho. Com a elasticidade e o encanto de um
trapezista, desceu suave sobre a cama.
Não
fora um sonho – Adélia certificou-se logo ao despertar pela manhã: a nódoa
vermelha no lençol avisava que por ali passara o amor. Nódoa vermelha, sim, como a dália que um dia
o tal menino lhe ofertara. Só que agora não a enfiou atrás da orelha, mas
guardou-a no coração.
* Jornalista carioca.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São
Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de
"O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995,
Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002,
Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca
Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
Todos os momentos mágicos deveriam ser simples assim, mas nunca são. Atras de um sonho vem a realidade com sua cara feia, e uma possível gravidez. Ainda assim, palmas para o amor.
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