* Por Mara Narciso
Talvez haja um pouco de sadismo, ou ainda o desejo de se fazer o diagnóstico de moléstias raras, mas o fato é que a maioria dos médicos, eu inclusa, não está preparada para dar uma má notícia. Para as doenças agudas e curáveis, não há grandes dificuldades, mas entrando no mundo pantanoso e terrificante das doenças crônicas, especialmente as degenerativas, é um momento dramático para quem diz e para quem ouve. Após expressar o nome da terrível doença (só não é terrível para quem não a tem), o médico vem com explicações, que geralmente incluem o surrado “você poderá ter uma vida quase normal”.
Ninguém faz drama quando fica sabendo que está com amigdalite, pneumonia ou até dengue, desde que não seja a hemorrágica. Mas quando há ameaça real à integridade do indivíduo, a coisa muda para os dois lados. Daí é preciso que sejamos admiradores de médicos que sabem falar, advertir de forma humana sobre as reais condições da pessoa, e ainda enviar doses imensas de esperança, fé e convicção de que as coisas poderão evoluir de forma lenta, ou se estabilizar. E muitas vezes recuar.
É preciso saber nascer, como é preciso saber morrer, tanto para quem vai conjugar o verbo quanto quem estará ao lado para ajudar. Ajudar! E nessa hora o que conta é a solidariedade. E se fosse comigo, como eu agiria? Teria a dignidade dessa pessoa, no enfrentamento desse mal?
Não se pede que se doure a pílula, que se chame uma doença pelo nome de outra, mas que se tenha respeito para com quem está do outro lado. Ao médico que pratica a boa medicina é preciso que se interesse por aquele que está sofrendo, que tem medo, e poderá estar em pânico. É bom ter ouvidos e coração, explicar o que é devido, de acordo com a capacidade de compreensão do outro, e ainda lhe dar esperança. Mesmo na medicina paliativa.
Não falo novidade, a medicina evoluiu, mas também se tornou absurdamente cara para todo o sistema. São pedidos exames em demasia e os médicos não examinam. Algumas vezes nem olham o rosto de quem está a sua frente, especialmente quando há um computador entre os dois. Fica o impasse de não pedir o tal exame e outro médico pedi-lo, descobrir algo e o profissional anterior ficar para trás. A conta desse excesso é paga por todos nós. Quem tem poder não ficará no prejuízo. Então, entra em cena a máquina de fazer doentes: a indústria das imagens.
A parcimônia não está entre as qualidades dos médicos. Diante do pedido do cliente de que se peça “tudo que eu tenho direito”, abusa, e passeando o aparelho de ultrassom sobre o corpo de alguém, muito se achará de imagens diferentes, não propriamente anormais, porém diversas e que são variações anatômicas ou reflexos do amadurecimento/envelhecimento do corpo. Raro será aquele que não apresentará pelo menos um cisto minúsculo, seja no ovário, na tireóide ou no rim. Ou os temidos nódulos. E falo como leiga, dando voz apenas a minha experiência de vida.
Imagens que nada significam e jamais significarão, são carregadas feito cruz vida afora, durante 20 ou mais anos. Sem nunca se manifestar. Isso faz sentido? Não, não faz. Então vamos parar de fazer ultrassom, uma arma que tem salvado vidas? Seria uma louca em advogar isso, porém é preciso que os médicos não dêem vazão a suposições, e que falem em cima do exame clínico mais exames complementares, pois estes, mesmo com todos os avanços, não mudaram de nome. Continuam complementares.
Todo acadêmico de medicina, aprende em suas primeiras aulas que é preciso ouvir o doente, examinar-lhe e só então valorizar os exames. Mas, até devido à sobrecarga do sistema, falta de dinheiro e tudo o mais, especialmente na medicina pública, não há médicos, não há tempo, não há humanidade. Como assim? Respeito e atenção, mesmo que em curto tempo é amor que se dá. E que os médicos saibam que destroem vidas, muito mais do que as salvam, quando exageram na sinceridade, machucando quem já sofre males físicos, incrustando-lhes males psicológicos. Os médicos estão nervosos, irritados, impacientes e, porque não dizer, grosseiros. Muitas vezes estão mal pagos, mas isso não justifica a rispidez. Médicos, por favor, há muitos que pedem que sejam caridosos e amenos e que não se excedam na veracidade amarga.
Hoje é ele, mas amanhã poderá ser você. Ser médico não traz imunidade alguma. Ninguém tem o destino do outro nas mãos e nem mesmo no pensamento. Então, atue corretamente e prepare-se de forma técnica e humanística. Tratar aos outros com caridade vale a pena. Então, é bom agradecer àqueles médicos que distribuem sorrisos e afetos, e esquecer aos que atrapalham, pois “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Porque um dia não haverá mesmo.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/
Realmente, essa hora é de matar. E, muitas vezes, quem quase acaba matando é o médico, mais que o resultado...
ResponderExcluirParabéns, Mara, pelo texto e pela postura humana que você defende e pratica. Abraços.
Minha experiência dessa hora, estando dos dois lados da mesa, é nada agradável, e por isso tenho me desdobrado em textos para tentar aliviar esse momento crucial. Obrigada, Marcelo!
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