terça-feira, 6 de novembro de 2012

Alocução ao Rio Hercílio

* Por Harry Wiese

De onde vens, oh rio da minha cidade? De onde vem a tua água primeira? Onde está teu broto original? O primeiro filete? A primeira cascata? – pergunto a mim mesmo em tempo de refletir sobre a tua existência nas terras de Ibi-amar.

Responderei que não sei, não sei, não sei! Mas sei que já em longínquas épocas, mesmo ainda sem nome, corrias garboso pelo vale virgem. Murmuraste tua canção fluvial ao firmamento azul e à flora verdejante do grande sertão.

Ao longe, o mar te recebia como bênção, pureza e vida e te transformava em ondas a banhar as praias desertas da costa. Lindo! Maravilhoso era aquilo! Ah! No teu percurso banhaste as mulheres do povo originário de cútis avermelhada, indescritível beleza natural. Deste de beber aos jaguares sedentos, deste refúgio às antas em fuga e deste de comer e beber aos víveres de tuas entranhas. Todos estavam ali belos e grandes a contemplar-te e a adorar-te.

Hoje, muitos séculos depois ainda estás a produzir maravilhas. Ao longo do teu percurso construíram sonhos e vidas. Estás mais fraco em tempos estios, é verdade, e mais forte em momentos de nuvens em turbulências. Que pena, tuas águas claras de outrora são de cor de chão, da erosão anunciada e de restos de culpas de longas e variadas distâncias.

Mesmo assim insisto em apreciar-te intensamente como se aprecia a musa que inspira o amante da poética original.

Rio Hercílio! És o único rio que contém a alcunha maioral, epíteto governamental, designação sem precedentes. És LUZ por excelência, para a cegueira imperante. Todavia, há quem discorda, blasfema, agride e ignora: heresia. Não dês ouvidos, amigo rio, não dês atenção, não chores por isso. O problema está em quem não considera a tua grandeza e a tua beleza fenomenal. Eles olham e não veem!

Conclamo o poeta com sua interpretação correta e poética de rio e discordo em parte de sua visão, porque são assim as coisas do mundo, ou se discorda, ou se concorda: “Vejo o rio que rola a água sobre as pedras/ e nem se dá conta/ (extrema fatalidade)/ que divide a cidade./ Sou o poeta da cidade dividida/ e não consigo edificar a ponte requerida./ Vejo o rio que rola como ondas de (a)mar/ e não há receptores bastantes que possam/ entender meus poemas./ Vejo o rio que rola a água sobre as pedras/ e nem se dá conta/ (extrema desgraça)/ que divide os homens./ Vejo os homens que veem o rio/ e só veem o rio./ O rio divide a cidade, os homens/ e os poemas.”

Caro amigo do Rio Hercílio! Aprecie-o em todos os lugares e de todas as plagas. Ele é merecedor de sua apreciação, merece que o seu olhar se deite sobre o leito murmurante poético. Se desejar, poderá fazê-lo da ponte Governador Irineu Bornhausen, ou da Praça José Deeke; são lugares espetaculares e estratégicos de apreciação. Destes lugares, Deeke, o diretor, o fizera em tempos passados, tempos de amor maior. Se puder e quiser, poderá vê-lo do alto, quase das nuvens, deslizando no Fantasticable: a tirolesa.

Ame-o e cuide dele. Não deixe de agraciá-lo com louvores, alocuções, preces e vivas. Respeite-o. Não jogue os detritos ao rio, os resíduos, os excrementos, as más ideias, as culpas, os divórcios, as calúnias, as falsidades, porque se o fizer os jogará para si mesmo. E isso não é bom e nem agradável. Deixa remorsos com vestígios de maus odores e comportamento reprovável.

Oh, Rio Hercílio! Na minha ingênua alocução, ainda tenho uma súplica. Com a tua sapiência, com a tua pujança, com a tua beleza, leva para o grã-além as palavras mal escritas e mal ditas, as meias-palavras, os meios-termos, as traições, a falsidade, a descrença, a estupidez e o vazio da alma de quem está só.

Oh, grande rio, belo rio, eu te amo!


NOTA: O Rio Hercílio, denominação dada em homenagem ao ex-governador do Estado de Santa Catarina, Hercílio Pedro da Luz (1860-1924), também conhecido como Rio Itajaí do Norte, é afluente do Rio Itajaí-açu. O rio passa no meio da cidade de Ibirama, S/C.


* Harry Wiese é escritor que reside em Ibirama - SC. É autor de vários livros, dentre eles A sétima caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.

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