domingo, 11 de março de 2012



Assunto dita o estilo


O assunto dita o estilo”. Essa constatação, apresso-me em esclarecer, não é minha (poderia ser), mas de meu ilustre conterrâneo, Érico Veríssimo. O esclarecimento vem a propósito não do fato de eventualmente eu não concordar com o que ele escreveu (com o que, aliás, concordo sem piscar), mas para dar o devido crédito a quem merece.


Isso foi escrito há muito tempo, em 1939, antes do meu nascimento, no ensaio “Os problemas do romance”, publicado no jornal “Folha da Manhã” – que nem sei se ainda existe, presumo que não – em 13 de agosto do referido ano. Na verdade, extraí o texto de um livro que considero uma preciosidade. Refiro-me a “Figuras do Brasil – 80 autores em 80 anos de Folha”, comemorativo ao 80º aniversário desse jornal, transcorrido há já algum tempo.


E por que volto a tocar num assunto tão recorrente, o que se refere a estilo, sobre o qual já escrevi tanto? Porque em nenhum dos meus textos anteriores a propósito abordei esse aspecto. Não estou, pois, sendo repetitivo, o que sempre evito, para não aborrecer meus ilustres leitores. Ademais, há uma idéia equivocada a esse propósito. Há quem entenda (e assegure) que o estilo é um só e único, não importando o gênero que se esteja abordando. Não é. Não componho, por exemplo, um poema da mesma forma que redijo um ensaio, ou um conto, ou uma crônica e muito menos um romance. E nem escrevo estes com a linguagem e os recursos utilizados em uma novela ou peça teatral. Portanto, quando nos referirmos a estilo de determinado escritor, entendo que essa referência deva vir no plural.


Érico Veríssimo escreve: “Uma cena de miséria e tristeza descrita com estilo pomposo e florido não comove nem convence. Um colóquio entre pessoas inteligentes num ambiente fino, descrito com linguagem desalinhavada e incorreta, é um contra senso. Repito: o assunto dita o estilo”. E não dita? Querem uma justificativa mais convincente e apresentada de maneira tão sóbria? É coisa de quem entende do riscado. Não por acaso, este meu ilustre conterrâneo é reverenciado, com toda justiça, como um dos melhores escritores brasileiros de todos os tempos, mito das letras nacionais.


Importante, todavia, é esta ressalva que Érico faz na sequência: “ Mas, de um modo geral, este (o estilo) deve ser tanto quanto possível sóbrio, para que a atenção do leitor não se desvie da ação do romance para a linguagem do autor”. Há quem não tome esse cuidado e se dê mal. Há quem se esqueça (ou que talvez não saiba) que a função primordial do romance é narrar uma história, com começo, meio e fim, e não a de ensejar uma não raramente inútil e dispensável “pirotecnia” verbal. Caso queira esbanjar conhecimento e domínio vocabular, que escolha o gênero adequado para tal e aí sim mostre todo seu talento e habilidade (se de fato os tiver, claro).


Mas Érico Veríssimo ainda ressalta, não em tom professoral, mas de forma íntima, coloquial, como a sugestão de alguém mais experiente e vivido a discípulos neófitos: “Para mim as qualidades essenciais do estilo devem ser as seguintes: clareza, simplicidade e graça. Não precisarei dizer o que é ‘clareza e simplicidade’, mas se quisesse definir ‘graça’, confesso que não o saberia”. As duas primeiras características ideais de estilo eu já havia recomendado, em testos anteriores sobre o assunto, muito antes de haver lido o texto de Érico Veríssimo.


Lembro que publiquei uma crônica cujo título é, por si só, um baita desabafo “Como é difícil ser simples!”. Quanto à clareza, vivo “batendo nessa tecla” Considero-a não apenas virtude estilística, como fator essencial a todo e qualquer redator que se preze (seja ele escritor, jornalista ou filósofo). De que me vale trazer à baila algum assunto original e útil se o fizer em linguagem empolada e confusa, repleta de jargões, inteligível somente para meia dúzia de iniciados? A Literatura é, primordialmente e antes de tudo, atividade de comunicação. E só nos comunicamos com eficácia e verdade quando somos entendidos, sem dúvidas e nem ambiguidades.


Quanto à graça, que um bom estilo deve, igualmente, privilegiar, a exemplo de Érico, também não sei definir com a precisão que tanto apregôo. Quem é escritor, todavia, sabe, por intuição, a que nos referimos, tanto meu conterrâneo quanto eu. E se eu quiser esbanjar eventual facilidade que possua para criar metáforas pertinentes e inteligentes, o que faço? Simplesmente abro mão desse talento especial? Não, claro que não. Há um gênero em que isso não apenas cabe, mas até enriquece o texto. É Érico quem nos diz qual: “O ensaísta pode, sem prejuízo do que escreve, entregar-se a jogos de linguagem. O que se lhe exige do estilo é que ele seja enxuto, límpido, correto e que tenha a flexibilidade fria e brilhante do aço”.


Mas evite esse recurso no romance. Nesse gênero isso não cabe. É “um estranho no ninho”. Se não evitar, apenas irá aumentar o número de páginas do seu livro, encarecendo seu custo e talvez até inviabilizando sua publicação. Como se vê, há, aqui, também, um fator pragmático, financeiro, que extrapola o mero campo do estilo literário. Por isso (e para não espantar leitores), Érico reitera sua recomendação: “Quanto à linguagem do romancista, é preferível que ela possua a elasticidade quente e sangüínea da carne, e que se amolde perfeitamente ao fato que está narrando”.


Encerro esta magnífica “aula magna” sobre estilo, ministrada não por mim, óbvio, mas por um dos melhores e mais apreciados escritores brasileiros de todos os tempos, deixo, para sua reflexão, caríssimo leitor que me prestigia com a sua atenção, esta derradeira mensagem do mestre Érico Veríssimo, que data de 13 de agosto (e espero que não se trate de nenhuma sexta-feira) do longínquo ano de 1939: “A linguagem tem de ser um instrumento móvel, ágil, adaptável a todos os propósitos descritivos”. Como se observa, são lições simples, claras e cheias de graça. Isso sim é que é estilo, digno de nota e, se possível, de imitação.


Boa leitura.

O Editor.




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Um comentário:

  1. Eu acho graça, mas não sei escrever com ela. Deve ser por que sou muito séria. Deixo essa parte para meu filho Fernando Yanmar Narciso, se bem que eu gostaria de conseguir fazê-lo.

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