segunda-feira, 16 de janeiro de 2012







Leituras

* Por Rubem Alves

Numa situação de tédio a gente é capaz de ler coisas absurdas. Já li bula de remédio numa viagem de ônibus, sem livros. Pois eu estava na sala de espera do meu dentista, houve atraso, não por culpa dele, li pilhas da revista “Caras” que eu nunca me interessara por ler. Havia palavras cruzadas, um bom passa-tempo. Mas todas já estavam resolvidas. Resolvi, então, ir vendo. Achei a revista muito interessante, surpreendente, mesmo. Porque todas elas, sem exceção, tratam de um único assunto: sorrisos de socialites. Cada revista é uma variação sobre esse único tema.

Aí propus-me um jogo: contar quantos sorrisos estavam publicados. Fui rigoroso. Sorrisinho de boca fechada não vale. Só sorriso mostrando os dentes (ou gengivas... Palavra feia essa, gengiva...). Comecei a contar. No princípio foi fácil: um, dois, três. Mas quando cheguei aos cem ficou complicado: cento e sessenta e quatro. Ficou difícil de falar. Lamentei que o meu instrumental de pesquisa não me permitisse distinguir sorrisos de dentes naturais dos sorrisos de dentadura. Futuramente, numa crônica, vou meditar sobre as dentaduras.

Você sabia que, nas primeiras dentaduras, os dentes eram arrancados dos escravos? Quando o dentista me chamou eu já havia contado todos os sorrisos dentais da metade da revista, muito grossa: quinhentos e setenta e cinco. Abandonei a revista com tristeza. A pergunta continua a me atormentar: quantos sorrisos? Sugiro que vocês que lêem a “Caras” façam a mesma brincadeira e me enviem o resultado das suas pesquisas. Contar sorrisos é uma atividade muito educativa, informativa. Ao final, vocês também estarão não sorrindo, mas rindo. Sorrisos fotográficos têm sempre uma pitada de ridículo, sempre que são produzidos em massa, por encomenda. E há aquelas caras que aparecem sempre, portando o mesmo sorriso. O mesmo sorriso lhes dá uma ilusão de imortalidade.

• "Samuel Lago" é um homem risonho, afável, apaixonado pela educação. Escreve deliciosamente. Recebi dele um livrinho, livrinho mesmo, 7 centímetros de largura por 10 de comprimento, cheio de aforismos sobre a educação. Muitos grandes pensadores se deliciavam com os aforismos. Lembro-me de Lichtenberg (que Nietzsche e Murilo Mendes muito amavam), Nietzsche, Oscar Wilde. Um aforismo é um relâmpago: brevíssimo, ilumina os céus. Por vezes racha rochas. Aqui vão alguns canapezinhos.
* “A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, mas escapar das idéias antigas” (Keynes).
* “Sábio é aquele que se espanta com tudo” (André Gide).
* “Todos os jogos são educativos, menos os jogos educativos” (André Lapierre).
* “Pensa como pensam os sábios, mas fala como falam as pessoas simples” (Aristóteles).
* “Tudo que se ensina à criança a impede de inventar ou de descobrir” (Piaget).

O aforismo de André Gide, que afirma que o sábio é aquele que se espanta com tudo levou-me à sugestão que, como sempre, não é levada a sério, de que deveria haver uma nova especialidade na educação: professores de espanto. E também um outro livro normal, 14 x 21, "Conversas com quem gosta de aprender". Pelo título vocês já perceberam que nós gostamos de jogar frescobol... (Editora Lago Ltda., apoio@lago.com.br

• "Flor de Maravilha" é um livro delicioso, do Flávio Paiva, publicado pela Cortez. Mistura de música e histórias, com ilustrações deliciosas, totalmente infantis, de Dim e Nice Firmeza. A menina do pé pulador, O piolho ciumento, Cafuné, O susto da sereia dorminhoca, O palhacinho chorão... Está tudo no livro

• Outro livro, "A descoberta da escrita", escrito para pessoas recém-alfabetizadas. É a história de um rapaz analfabeto que queria aprender a ler. Contém redações premiadas no Concurso de Alfabetização Solidária: dez dos alfabetizadores, dez dos alfabetizados. Fundação Educar DPaschoal, camilab@educar.com.br

• Eu não conhecia a revista "Bons Fluidos". Pediram-me que escrevesse uma coluna para ela. Escrevi. Fiquei muito feliz com o resultado. Lindas, as fotografias. E a revista inteira comunica um sentimento de... “bons fluidos”...

• Como nascem os livros? As crianças têm grande curiosidade. Primeiro elas querem saber quem foi que escreveu. Para elas o autor é uma entidade misteriosa, mitológica. Aí, eu acho, elas ficam meio decepcionadas quando se encontram com o autor, que é uma pessoa igual às outras. Depois elas querem saber como o livro foi feito. Acho que essa é uma curiosidade que todos os adultos deveriam ter. Você sabe como um livro é feito? Confesso minha ignorância dos detalhes. Pois o Carlos Urbim e o Artur Sanfelice Nunes produziram um livrinho delicioso para crianças... e adultos, em que eles contam a história do nascimento de um livro. Nasce um livro, Sindicato da Indústria Gráfica no Rio Grande do Sul, sindigraf-rs@sindigraf-rs.com.br


• “Professor, lá em casa tem um monte de caquinhos iguais a estes que o senhor está mostrando”. Quem disse foram alunos da 5ª. Série do Ensino Fundamental da Escola Básica São Sebastião, em São Lourenço D’Oeste. O professor era Mauri Luiz Bessegatto, professor iniciante de história. No dia seguinte vários alunos levaram para sala um punhado dos tais “caquinhos”. Eram fragmentos de cerâmica, materiais líticos, pontas de projéteis... Tudo está contado no seu livro “O patrimônio em sala de aula: fragmentos de ações educativas” (Universidade Federal de Santa Maria, RS). Vale a pena ler! Vale a pena acreditar nas crianças!

* Rubem Alves é escritor, teólogo e educador

Nenhum comentário:

Postar um comentário