

Nada de novo no front
* Por Fábio de Lima
João Pedro não teve tempo de sacar sua arma. Foram apenas 2 tiros que o levaram ao chão. Seu sangue não sujou mais que uns 3 metros de calçada. Sua cabeça ganhou um buraco escuro na testa. Em seu pescoço outro buraco de bala fez jorrar petróleo vermelho. Aquelas férias na praia que suas duas filhas haviam pedido, já fazia um mês, estavam canceladas a partir daquele momento. Assistir à formatura das meninas daqui uns 15 anos também não seria mais possível. Aquele passeio no shopping, já no próximo final de semana, também não mais ocorreria. Ele tinha apenas 36 anos e sempre sonhou ser veterinário – mas a vida o fez policial na cidade de São Paulo.
Eram 21h37 de uma segunda-feira fria de outono. João Pedro era policial militar desde os 25 anos. Nos momentos de folga sempre fez bicos de segurança em alguns estabelecimentos comerciais, próximos a sua casa, só para complementar a renda no final do mês. Naquela noite fatídica estava trabalhando no supermercado Calil, no bairro da Vila Carrão, Zona Leste da cidade. Casado e pai de duas meninas de 7 e 9 anos, o policial acariciava seu bigode ralo e observava o trânsito na rua do supermercado, enquanto esperava dar 22h00, término do expediente, para poder ir para casa descansar. Foi quando um carro preto parou próximo à calçada – alguém baixou o vidro e abriu um sorriso para João e, antes que este entendesse o que estava acontecendo, sua vida era apenas passado ou, quando muito, uma estatística da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Desde o final de semana os assassinatos de policiais por uma facção criminosa na quarta maior cidade do mundo eram manchetes de jornais no Brasil e no exterior. João Pedro estava preocupado. Sua esposa estava com medo. Suas crianças também sentiam medo. Mas João precisava trabalhar. Quem nasce de uma família pobre só pode ganhar seu sustento com trabalho ou roubo – João escolhera a primeira opção. Além do mais, trabalhar fardado era mais perigoso, já aquele bico de segurança no supermercado, sem farda que o identificasse, não levantava tantas suspeitas sobre a profissão daquele homem de estatura mediana – magro e calvo.
Na terça feira, às 8h13, Cléber Luiz, 16 anos, lavava a calçada do supermercado Calil. O rapaz não se importava com o cheiro de dor exalados do sangue que escorria pelas rachaduras da calçada. Ele só sentia raiva por ter que lavar o sangue de um amigo que nunca mais iria ver. Cléber era empacotador no supermercado fazia 2 anos. Sempre que tinha tempo conversava com João Pedro sobre o sonho de um dia também ser policial. O garoto vivia perguntando ao amigo como deveria fazer para um dia também se tornar um homem da lei. Agora, olhando aquela água avermelhada que escorria pela sarjeta, o medo invadiria o imaginário de muitos rapazes como Cléber, mas não o dele. A triste imagem lhe dava mais força para um dia realizar seu sonho – nem que isso representasse correr um risco contínuo de perder a vida no exercício da profissão, como ocorrera com seu amigo.
Já no imaginário desse pobre contador de histórias que vos fala, só resta torcer para que a vida – em suas incoerências e desatinos – transforme o jovem Cléber Luiz em um veterinário ao invés de um policial. Afinal, sábios e simples filósofos de rua dizem que Deus escreve certo por linhas tortas.
*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.
* Por Fábio de Lima
João Pedro não teve tempo de sacar sua arma. Foram apenas 2 tiros que o levaram ao chão. Seu sangue não sujou mais que uns 3 metros de calçada. Sua cabeça ganhou um buraco escuro na testa. Em seu pescoço outro buraco de bala fez jorrar petróleo vermelho. Aquelas férias na praia que suas duas filhas haviam pedido, já fazia um mês, estavam canceladas a partir daquele momento. Assistir à formatura das meninas daqui uns 15 anos também não seria mais possível. Aquele passeio no shopping, já no próximo final de semana, também não mais ocorreria. Ele tinha apenas 36 anos e sempre sonhou ser veterinário – mas a vida o fez policial na cidade de São Paulo.
Eram 21h37 de uma segunda-feira fria de outono. João Pedro era policial militar desde os 25 anos. Nos momentos de folga sempre fez bicos de segurança em alguns estabelecimentos comerciais, próximos a sua casa, só para complementar a renda no final do mês. Naquela noite fatídica estava trabalhando no supermercado Calil, no bairro da Vila Carrão, Zona Leste da cidade. Casado e pai de duas meninas de 7 e 9 anos, o policial acariciava seu bigode ralo e observava o trânsito na rua do supermercado, enquanto esperava dar 22h00, término do expediente, para poder ir para casa descansar. Foi quando um carro preto parou próximo à calçada – alguém baixou o vidro e abriu um sorriso para João e, antes que este entendesse o que estava acontecendo, sua vida era apenas passado ou, quando muito, uma estatística da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Desde o final de semana os assassinatos de policiais por uma facção criminosa na quarta maior cidade do mundo eram manchetes de jornais no Brasil e no exterior. João Pedro estava preocupado. Sua esposa estava com medo. Suas crianças também sentiam medo. Mas João precisava trabalhar. Quem nasce de uma família pobre só pode ganhar seu sustento com trabalho ou roubo – João escolhera a primeira opção. Além do mais, trabalhar fardado era mais perigoso, já aquele bico de segurança no supermercado, sem farda que o identificasse, não levantava tantas suspeitas sobre a profissão daquele homem de estatura mediana – magro e calvo.
Na terça feira, às 8h13, Cléber Luiz, 16 anos, lavava a calçada do supermercado Calil. O rapaz não se importava com o cheiro de dor exalados do sangue que escorria pelas rachaduras da calçada. Ele só sentia raiva por ter que lavar o sangue de um amigo que nunca mais iria ver. Cléber era empacotador no supermercado fazia 2 anos. Sempre que tinha tempo conversava com João Pedro sobre o sonho de um dia também ser policial. O garoto vivia perguntando ao amigo como deveria fazer para um dia também se tornar um homem da lei. Agora, olhando aquela água avermelhada que escorria pela sarjeta, o medo invadiria o imaginário de muitos rapazes como Cléber, mas não o dele. A triste imagem lhe dava mais força para um dia realizar seu sonho – nem que isso representasse correr um risco contínuo de perder a vida no exercício da profissão, como ocorrera com seu amigo.
Já no imaginário desse pobre contador de histórias que vos fala, só resta torcer para que a vida – em suas incoerências e desatinos – transforme o jovem Cléber Luiz em um veterinário ao invés de um policial. Afinal, sábios e simples filósofos de rua dizem que Deus escreve certo por linhas tortas.
*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.
Triste realidade do dia-a-dia. As notícias de jornal deste tipo se vê aos montes a respeito de policiais assassinados.
ResponderExcluirHoje, com o aproveitamento dos militares para segurança e ordem nas favelas, estes também passaram a figurar como possíveis alvos dos criminosos.