

Diferença de gostos no Festival do Filme Etnográfico
* Por Marco Albertim
A escolha do documentário vencedor do II Festival do Filme Etnográfico mostra uma diferença de gostos. De um lado, o escolhido pelo júri especializado, o filme Um lugar ao sol, do cineasta Gabriel Mascaro. Setenta e um minutos de sofisticação pura, na eleição do tema, na abordagem cênica e na trilha sonora. São entrevistas e capturas do modus vivendi de moradores de coberturas de luxo, gente que deliberadamente não tem contato com a vida em preto e branco do asfalto. Sente-se o abismo entre a vida do vigésimo andar para cima, e a rotina da alvenaria simples sob o teto de telhado. São oito entrevistas em coberturas de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Na progressão dos depoimentos, simultânea à captura de luxos diversos, percebe-se ostentação ao lado de incertezas e insegurança. A trilha sonora acentua o clima de mistério que se entrevê a partir do asfalto. Não evita, contudo, o chamariz ilusionista de cenas típicas das novelas globais.
De outro lado, o filme escolhido pelo júri popular, Kalunga, dos cineastas Luiz Elias, Pedro Nabuco e Sylvestre Campe. Vale dizer que a escolha espontânea do público – posto que sem o critério técnico de cineastas – dá conta da opção pelo tema popular. Kalunga é um filme que assume a ideologia da negritude, da atitude anticolonialista, avessa à opressão. De pronto, consegue adeptos porque resgata a feição de uma raça que deu e dá origem à fisionomia do ainda não decantado povo brasileiro. Quatro mil e quinhentos negros bantos vivem entre montes e serras. Trezentos anos de resistência. O filme não é Kalunga, mas bem que poderia identificar-se como tal, visto que abriu-se ao perfil da comunidade de origem africana. Os depoimentos são longos, beirando a monotonia. Da alma dos negros, porém, brota a força que se basta a si mesma. Cultuam o passado para se defenderem de investidas estranhas, de hostilidades com propósitos de descaracterizar a formação conga. No passado, foram forçados a esquecer a língua pátria, a identidade; à força do chicote e do tronco.
O povo Kalunga sobrevive da roça, do pescado, do culto aos deuses próprios com uma coreografia tão selvagem quanto negra. O documentário flagra-os com cismas no passado inglório dos senhores Bartolomeu Bueno e João Leite da Silva, colonizadores, escravistas. As fugas, a resistência. A resistência mais recente foi a de não aceitar a construção de uma barragem que alagaria todo o seu território. Não saíram do lugar. A barragem não saiu do papel... ou da intenção do governo federal. A garantia de manutenção de sua identidade foi dada pelo próprio presidente Lula, em visita ao local. 93% do território estão preservados.
A menção honrosa coube a Rosário do sertão, 16 minutos, de Hanna Godoy e Márcia Mansur. Em Floresta, uma comunidade negra se junta para homenagear a santa do Rosário dos Pretos. O rei e a rainha de uma nação negra são coroados, a corte segue-lhes os passos, com uma coreografia simples, em que o vermelho e o azul ostentam brilho. Reverentes, com pouca animação, os negros dançam. É apenas um registro a iniciativa das cineastas. Justa, portanto, a menção honrosa.
Outro premiado foi Mulheres Xavantes sem nome, que tem como editor e roteirista o experiente etnógrafo Vincent Carelli. O filme é sobre o ritual de iniciação feminino, quase extinto nas aldeias xavantes. O detalhe é que todas as vezes em que as filmagens estavam sendo iniciadas, ou em curso, foram interrompidas. É de Tiago Campos Torres e do xavante Divino TsereWarú. Cinquenta e seis minutos.
Na Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Recife.
* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.
* Por Marco Albertim
A escolha do documentário vencedor do II Festival do Filme Etnográfico mostra uma diferença de gostos. De um lado, o escolhido pelo júri especializado, o filme Um lugar ao sol, do cineasta Gabriel Mascaro. Setenta e um minutos de sofisticação pura, na eleição do tema, na abordagem cênica e na trilha sonora. São entrevistas e capturas do modus vivendi de moradores de coberturas de luxo, gente que deliberadamente não tem contato com a vida em preto e branco do asfalto. Sente-se o abismo entre a vida do vigésimo andar para cima, e a rotina da alvenaria simples sob o teto de telhado. São oito entrevistas em coberturas de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Na progressão dos depoimentos, simultânea à captura de luxos diversos, percebe-se ostentação ao lado de incertezas e insegurança. A trilha sonora acentua o clima de mistério que se entrevê a partir do asfalto. Não evita, contudo, o chamariz ilusionista de cenas típicas das novelas globais.
De outro lado, o filme escolhido pelo júri popular, Kalunga, dos cineastas Luiz Elias, Pedro Nabuco e Sylvestre Campe. Vale dizer que a escolha espontânea do público – posto que sem o critério técnico de cineastas – dá conta da opção pelo tema popular. Kalunga é um filme que assume a ideologia da negritude, da atitude anticolonialista, avessa à opressão. De pronto, consegue adeptos porque resgata a feição de uma raça que deu e dá origem à fisionomia do ainda não decantado povo brasileiro. Quatro mil e quinhentos negros bantos vivem entre montes e serras. Trezentos anos de resistência. O filme não é Kalunga, mas bem que poderia identificar-se como tal, visto que abriu-se ao perfil da comunidade de origem africana. Os depoimentos são longos, beirando a monotonia. Da alma dos negros, porém, brota a força que se basta a si mesma. Cultuam o passado para se defenderem de investidas estranhas, de hostilidades com propósitos de descaracterizar a formação conga. No passado, foram forçados a esquecer a língua pátria, a identidade; à força do chicote e do tronco.
O povo Kalunga sobrevive da roça, do pescado, do culto aos deuses próprios com uma coreografia tão selvagem quanto negra. O documentário flagra-os com cismas no passado inglório dos senhores Bartolomeu Bueno e João Leite da Silva, colonizadores, escravistas. As fugas, a resistência. A resistência mais recente foi a de não aceitar a construção de uma barragem que alagaria todo o seu território. Não saíram do lugar. A barragem não saiu do papel... ou da intenção do governo federal. A garantia de manutenção de sua identidade foi dada pelo próprio presidente Lula, em visita ao local. 93% do território estão preservados.
A menção honrosa coube a Rosário do sertão, 16 minutos, de Hanna Godoy e Márcia Mansur. Em Floresta, uma comunidade negra se junta para homenagear a santa do Rosário dos Pretos. O rei e a rainha de uma nação negra são coroados, a corte segue-lhes os passos, com uma coreografia simples, em que o vermelho e o azul ostentam brilho. Reverentes, com pouca animação, os negros dançam. É apenas um registro a iniciativa das cineastas. Justa, portanto, a menção honrosa.
Outro premiado foi Mulheres Xavantes sem nome, que tem como editor e roteirista o experiente etnógrafo Vincent Carelli. O filme é sobre o ritual de iniciação feminino, quase extinto nas aldeias xavantes. O detalhe é que todas as vezes em que as filmagens estavam sendo iniciadas, ou em curso, foram interrompidas. É de Tiago Campos Torres e do xavante Divino TsereWarú. Cinquenta e seis minutos.
Na Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Recife.
* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.
Preciosidades que tem entre seus adeptos
ResponderExcluirpessoas que se identificam com as verdadeiras
raízes desse país.
Abração.