segunda-feira, 9 de agosto de 2010




Eu sei como vai ser! (estatuto do torcedor)

* Por Renato Manjaterra

Acho que foi em toda torcida de verdade que se esteve perguntando, principalmente no intervalo do jogo: “E esse novo estatuto aí hein? Como será que vai ser?”
Eu sei como vai ser. Todo mundo sabe. Todo mundo absolutamente exceto os cabaços que fizeram essa lei. Eu sei, a torcida sabe, a crônica esportiva, esse arremedo que temos, e até mesmo a polícia sabe como é que vai terminar.
O coronel da polícia inclusive foi quem deu a deixa e explicou logo a parada: (não sei se perguntado sobre como prender ou deter toda uma torcida) “Olha, realmente nós não temos sequer estrutura para prender 500, mil pessoas... Mas umas cinco ou seis a gente temos”.
Quem já pisou digamos meia dúzia de vezes num estádio, senão em meia dúzia de estádios, já imaginou a cena, senão se lembrou dela:
Imagine quinhentos trabalhadores putos da vida em ver um abade ou boschilha roubando seu time, e uma mini torcidinha de cinza, a dos penicos na cabeça, batendo em todo mundo brincando de Carandiru. Eles começam então a entoar cânticos que enaltecem o trabalho da PM. Claro que, naquela primeira fileira de gente que fica de frente para a primeira fileira de polícias ninguém canta. Porque se ninguém tem sangue de barata, também ninguém é tonto.
Aí um tenentinho baixinho de bigode, cara de broxa sênior, vem lá de trás dos polícias em direção à torcida com cara de quem veio resolver algum problema, chega num cara barrigudo que está com a camisa do time jogada sobre o ombro, pega no seu braço e fala “ce vem comigo”.
O barrigudo claro que estava quieto. “Quem? Eu?” Barato kafkiano. O senhor agora era o primeiro dos cinco ou seis que a polícia estava preparada para deter. Foi com ele que a aplicação do estatuto do torcedor começou a ser aplicada e qualquer coisa que ele pudesse fazer naquele momento seria resistência.
Mas, como nenhuma outra reação seria esperável e o velho não tinha nem o cacoete do tipo de cidadão com quem a polícia deve se ocupar, puxa o braço naturalmente e dá o ensejo para que o sargentinho torça seu braço para trás do seu ameaçando e mandando ostensivamente o “suspeito” parar de fazer força.
Aí, na média do torcedor, já é para estar ‘caindo a ficha’. O normal normalmente é parar de oferecer resistência e caçar um jeito de ligar para alguém. Mas não é sempre que se tem esse preparo psicológico.
Qualquer leigo consegue entender facilmente que quanto mais “pai de família” for o detido, maior é a chance de ele reagir, maior é a chance de ele nem sequer entender o que está se passando, e maior é a chance por exemplo dessa cena terminar em um pai levando um jato de spray de pimenta nos olhos diante do seu filho. Qualquer leigo mas não o Ministro dos Esportes. Qualquer torcedor, menos aquele corintiano lá de Brasília. Qualquer um que seja parte, interessado, no futebol. Enfim, qualquer torcedor, menos os especialistas que estão de antemão contratados, direta ou indiretamente, pela grande instituição chamada Copa de 2014.

Nota do Editor: Renato Manjaterra é a voz do torcedor interiorano no Literário.

* Jornalista e escritor, webdesigner, colunista esportivo, pontepretano de quatro costados, autor do livro “Colinas, Pará” com prefácio do Senador Eduardo Suplicy, bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCAMP, blog http://manjaterra.blogspot.com

2 comentários:

  1. Quero deixar registrado aqui o meu respeito
    a torcedores como você que me coloca no rol dos torcedores fajutos.
    Sua integração, paixão, envolvimento é bonito de
    se ver.
    Eu continuo evitando o Maraca desde que um conhecido nosso que é a cara do Churchill levou
    com um saco de mijo na cara.
    Perdoa sou covarde.
    Ótimo texto.
    Abração

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  2. Já fui em estádio pelo menos meia dúzia de vezes, mas dificilmente voltarei. É medo mesmo. Só posso admirar, alguém, como você, que prestigia animadamente e temerariamente o seu clube.

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