

Insânia
*Por Marco Antonio Araújo
Não queira ser infinito. Não existe solidão maior que a de Deus. Talvez, por isso, eles sejam tão sádicos. Não sei por que esse pensamento me vem à cabeça, se bem que parece inteligente. Vou anotar de¬pois, agora preciso me concentrar. Ela é bonita. Bocejo.
Sempre fico entediado quando tenho algo importante a fazer. Principalmente matar. É como se houvesse uma obrigação, um dever em executar atos grandiosos, e fosse impedida a possibilidade de viver despercebido, em sossego, inútil. No entanto, volta e meia, me vejo comprometido com o ofício cotidiano de procurar emoções nas ruas. Quando encontro, percebo que a excitação que me guiava vai embora, como se a procura sim fosse a tal emoção e não houvesse nada além dela. Muito chato.
Por isso, me entedia ver esse corpinho lindo, de aparência inocente, indefeso como seria necessário, ignorando a morte iminente.
— No que tanto você pensa, cara?
— Em você. Mina.
— Então faça alguma coisa por mim. Descola um cigarro e bota um disco nesse som velho. Rock.
Ela me irrita. É daquelas adolescentes que se es¬forçam em ser arrogantes e pernósticas. Uma intelectual secundarista, dessas que lêem romance cult e gostam. O Apanhador no Campo de Cen¬teio, Cléo e Daniel, Porcos com Asas, Pergunte ao Pó. Como eu, quando tropeçava à toa, batia punheta e escondia espinhas atrás de livros igualmente ensebados. Ela se parece um pouco comigo, reconheço. Trinco os dentes. Acho que me odeio. Tenho certeza. Acendo o cigarro. Stones.
— O Mick Jagger é um tesão, né?
Sorrio. Tinha certeza que ela diria isso. Detesto o Mick Jagger. Ele é um tesão mesmo. Ou era.
— Bichona. E, com certeza, um merda na cama.
— Como é que você sabe? Já transou com ele, por acaso?
— Rebolava demais e, na hora de gozar, cantava músicas dos Beatles e chorava.
— Ah, é? E quem trepa bem?
— O Che Guevara. Como ele era impotente, ficou chupando meu pau e assoviando A Internacional. Ao mesmo tempo.
— Quem é o Che Guevara? Aquele barbudinho das camisetas, que usa uma boina com estrelinha do PT?
— O próprio.
— Em que banda ele toca?
E gargalhou. Me deu tesão, como sempre: qual¬quer histeria, por mais leve que seja, me excita. Descobri isso quando tive uma ereção ouvindo minha mãe se esgoelando e quebrando pratos por eu não ter lavado a louça. Sou edipiano, confesso.
— Me beija.
Ela percebeu, a filha da puta. Elas sempre percebem. Eu beijo. Um beijo calmo, de namorados antigos. A língua tímida, feminina. Para confundir, dou um abraço forte, másculo. Co¬meça a chupar minha orelha e finjo gostar. Detesto o barulho que faz, o zunido, mas me contorço um pouco, suspiro quase fundo e aperto o abraço, como fazem as fêmeas. Mentira. Não consigo imaginar que gosto elas vêm nisso.
— Dá um tempo. Vou apagar o cigarro. Não tô mais a fins. Qué matá?
Nem respondo. Ela aperta o cigarro no cinzeiro, primeiro a ponta, a brasa que escapa, a bituca dobrada amassando as fagulhas. Enquanto tenta emprestar um charme de estrela de cinema a esse gesto vulgar, ela olha nos meus olhos e tenta esboçar um sorriso sacana. Jamais conseguiria, com essa carinha de apaixonada. Mas tentou ser Beth Davis, Marylin Monroe, Madonna. Era preciso.
— Quer beber alguma coisa?
— Não bebo. Mas troca o disco. Enjoou. Põe algo manêro. Aquele Ravel.
Bolero. Claro, na idade dela eu também pediria. Todo mundo conhece e gosta, impede gafes, parece elegante, acham que fica um ar de gente culta. As mais velhas escolhem Albinoni. Adágio. Devem ser os dois únicos concertos eruditos conhecidos por quem tem menos de 50.
Mal entra o oboé já rolamos na cama. Tesão. Junto, aquela vontade de que seja rápido. Penetrar, gozar, pronto. Mas não pode, tem de demorar um pouco pelo menos. Se não fosse assim, teríamos de assumir que só buscamos o nosso prazer, o outro que se foda e tal. Tanta sinceridade tornaria impraticável o ato, de amor.
— Qual é o seu nome?
Ah, meu saco! É daquelas que não conseguem fechar a boca. Acham que não existe erotismo sem verbo. Borges. Muito chato.
— Marlon Brando.
— E eu sou a Natalie Wood, e estamos filmando agora O Primeiro Bolero em Sampa.
Cretina. A Maria Schneider que a perdoe, porque eu estou é puto com o egoísmo dela, que aproveita a piada besta para procurar meu pau sob a calça. Bandida: como ele não está lá grandes coisas, disfarça e sobe a mão até minha barriga, querendo dar a impressão de que foi um carinho descomprometido. Elas pensam que eu não percebo. Mas é por perceber que eu jogo esse jogo. Por isso, eu vou poupá-la do mais vergonhoso e medíocre momento, o de pedir para apagar a luz, por favor, benzinho. Dá vontade de matá-las todas. Mas é cedo ainda.
Levanto-me bruscamente, nem disfarço a raiva, aperto o interruptor. Ligo o abajur, media luz.
— Legal, benzinho.
Cadela.
Levanta-se, anjo, aproxima-se, até que com certa elegância, e me beija tecnicamente, aquele beijo eu-você somos gostosos. Sinto os lábios esboçando um sorriso snoopy, a língua brincando de esconde-esconde, pega-pega. Conheço as regras. É minha vez: língua, céu da boca, direita, esquerda, lábios, língua, acariciar braços, ternamente, depois com intensidade, ombros, pescoço, costas, cintura, barriga, coxas. Sem sacanagem, calma, virá depois, fatidicamente, como sempre.
No começo, devemos dar a impressão que trepar não é o principal, que deve haver essa paixãozinha mentirosa para justificar nossa condição de seres humanos, sensíveis e sensuais. Como isso me irrita. Inevitável.
Por que será que elas sempre fecham os olhos quando beijam? Podia dizer que é concentração, envolvimento introspectivo, ou então que é para prestar atenção na música, na qual começam a entrar outros instrumentos, de cordas. Mas não é isso, claro. Na verdade, elas não abrem os olhos por receio de terem que assumir que estão diante de outra pessoa. Isso seria cruel demais para almas tão delicadas. Preferem apagar as luzes dentro delas também e ficarem sozinhas onde quer que estejam. É a única forma de sentir prazer, o egoísmo.
Eu prefiro o toque assim, sobre a roupa. Nus, a coisa fica muita cínica. Sublimado, ao menos não ficamos tensos, nervosos. Essa história de carícias preliminares, de que o gostoso é ficar chupando, lambendo, malhando, pelados, é tudo frescura de lésbicas, de gente que não pode penetrar. Os animais não perdem tanto tempo. Por mim...
Já sei, menina, já sei! Precisamos de mais ação, agora, não é mesmo? Era o que eu estava gritando, aqui, no meu pensamento. Liberar movimentos, ok. Sem roupas, certo? Pois bem, vamos lá.
Ah, não! Você, sua babaca, vai promover esse show barato de tirar minha roupa enquanto beija colarinhos, morde botões, afaga zíperes, acaricia mangas, empurra meias? Você saiu de um pornô americano, com certeza. Sinto muito, ninfetinha, mas falta paciência. Um pouco de objetividade vai bem.
— Assim faz cócegas.
Foda-se. Eu quero é tirar logo sua blusa, camiseta, sutiã ... ah, sua vaquinha, sem sutiã, heim? Se não gosta de roupas, por que dar dentadas em calças e tênis? Cadê a graça?
— Deixa eu tirar sua roupa também.
Ok. Mas precisa tanta onda? Ainda bem, fofura, que meu tesão está com um pouco de paciência. Por favor, seja pragmática, sim?
Nus.
Agora, chega de enrolação que a festa vai começar. É hora de perder a dignidade, sua vagabunda. Chupa! Mas segura meu cacete como se fosse a tocha olímpica, ajoelhe-se como diante de um totem, cultue-o como a um deus, sua puta! Coloque-o na boca com humildade, engula-o feito hóstia. Não assim, incompetente! Força, ser inútil! Paixão, verme ajoelhado. Não percebes que estás com o universo na boca? Chega, que assim você me ofende.
Eu lhe mostro. E ainda acompanho a melodia do Ravel, você vai ver. Primeiro assim, com determinação, preencho seu órgão vazio, oco, depósito. Com volúpia, mon amour, voracidade. Temos que nos matar, nos amaldiçoar, nos empestear de prazer, como se fosse possível. Assim, assim, assim. Quanto a esse seu pênis ridículo, essa miniatura de poder com nome grotesco, sinta agora como é que deve ser. Delire, amante minha, você gosta, não é? Pois eu também gostaria, sua mesquinha. Incapazes, vocês todas. Cansei de ouvir esses gemidos idiotas, mas não paro enquanto você não enlouquecer. Você é lerda e sem graça até para gozar, criança pura. Assim.
— Agora, vem cá, meu amor. Vou lhe contar certas coisas que você não vai acreditar.
Silêncio! Como eu queria gritar silêncio! Bater, bater, pra você berrar e eu gritar silêncio! Se você soubesse o quanto odeio a sua voz, nesse momento em que eu precisaria gritar.
— Que segredos serão esses, Natalie.
— Eu te dou o que quiser, se descobrir.
— Se soubesse teus segredos, que mais poderia querer, minha esfinge?
— Então, devora-me.
E por que não, se estou aqui para isso? Cumpra-se o inevitável. Oráculos, vos odeio. Pitonisas prostitutas, aqui estou, pronto para me arremessar nos abismos infinitos dessas vaginas pútridas. Amaldiçoados sejam meus espermas corruptos!
— Aaaah ...
Queria um uivo teu, cadela amiga, não esse suspiro obsceno. Agora que te penetro, todo eu, sucumba ao fogo, frio, que te domina. Serei Apolo, Dionísio, Marte. Escolhe. Penetrem em ti os trovões de Thor. Afoga-te no meu líquido, oceanos de Netuno, que daqui a pouco te invadirão. Começa já tua viagem ao Olimpo.
— Ai ... Ai ... Ai ...
Nisso eu te entendo, presa minha. Gemer, como de dor, nesses momentos ditos de prazer. As que choram, essas eu perdôo. Solidariedade. É tão triste a solidão, dói tanto. Só não perdôo, nunca, esse teu sorriso lascivo. De onde vem essa alegria devassa, fêmea estúpida? Da tua gruta lúgubre? Esse sorriso é de prazer, animal promíscuo? Pois foda-se, foda-se, foda-se, então! Se quer mais, eu dou. Eu dôo. Dôo a dor que tanto queres. Dá-lhe, Ravel, dá-lhe! Enfie cordas, metais e percussões em nossos cus, que eu reescrevo esse bolero e destruo essa criança à minha frente como em um tango, uma!, duas!, goza, vaca!, três!, quatro!, goza, puta!, goza! Mais emoção nessas bucetas, mulheres da minha vida, da minha morte, amém! Gozem mais, que lá vêm meus mares, querida, lá vem o maremoto, paixão, prepara teu fim, criança, que nós vamos partir juntos, nós vamos gozar orgasmos egoístas juntos, amor.
— Me abraça forte, mais, mais ...
Isso, erupção, crave as unhas no meu corpo, por favor, faça sangrar a carne triste, a carne podre, a carne vã. Abraço forte, sim, abraço mais, te quebro se é o que queremos, te quebro já. Eu morro agora, como sempre! Que venha o maior dos orgasmos, humanidade, enquanto seguro a faca debaixo do travesseiro eu preparo o gozo tu berras o gozo vamos gritar o gozo a dor o gozo a morte o gozo!
— Tá bom, meu bem?
— Sim! Sim! ...
Enfio a faca na boca, no pescoço, entre os seios, grito, gozo e enterro o cabo nessa buceta hipócrita. Falsa.
*Jornalista, ex-professor e coordenador de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Trabalhou nos jornais A Voz da Unidade, do PCB; A Gazeta Esportiva, onde foi diretor de redação e criou as revistas Educação, Língua Portuguesa, Fera! e Ensino Superior.
*Por Marco Antonio Araújo
Não queira ser infinito. Não existe solidão maior que a de Deus. Talvez, por isso, eles sejam tão sádicos. Não sei por que esse pensamento me vem à cabeça, se bem que parece inteligente. Vou anotar de¬pois, agora preciso me concentrar. Ela é bonita. Bocejo.
Sempre fico entediado quando tenho algo importante a fazer. Principalmente matar. É como se houvesse uma obrigação, um dever em executar atos grandiosos, e fosse impedida a possibilidade de viver despercebido, em sossego, inútil. No entanto, volta e meia, me vejo comprometido com o ofício cotidiano de procurar emoções nas ruas. Quando encontro, percebo que a excitação que me guiava vai embora, como se a procura sim fosse a tal emoção e não houvesse nada além dela. Muito chato.
Por isso, me entedia ver esse corpinho lindo, de aparência inocente, indefeso como seria necessário, ignorando a morte iminente.
— No que tanto você pensa, cara?
— Em você. Mina.
— Então faça alguma coisa por mim. Descola um cigarro e bota um disco nesse som velho. Rock.
Ela me irrita. É daquelas adolescentes que se es¬forçam em ser arrogantes e pernósticas. Uma intelectual secundarista, dessas que lêem romance cult e gostam. O Apanhador no Campo de Cen¬teio, Cléo e Daniel, Porcos com Asas, Pergunte ao Pó. Como eu, quando tropeçava à toa, batia punheta e escondia espinhas atrás de livros igualmente ensebados. Ela se parece um pouco comigo, reconheço. Trinco os dentes. Acho que me odeio. Tenho certeza. Acendo o cigarro. Stones.
— O Mick Jagger é um tesão, né?
Sorrio. Tinha certeza que ela diria isso. Detesto o Mick Jagger. Ele é um tesão mesmo. Ou era.
— Bichona. E, com certeza, um merda na cama.
— Como é que você sabe? Já transou com ele, por acaso?
— Rebolava demais e, na hora de gozar, cantava músicas dos Beatles e chorava.
— Ah, é? E quem trepa bem?
— O Che Guevara. Como ele era impotente, ficou chupando meu pau e assoviando A Internacional. Ao mesmo tempo.
— Quem é o Che Guevara? Aquele barbudinho das camisetas, que usa uma boina com estrelinha do PT?
— O próprio.
— Em que banda ele toca?
E gargalhou. Me deu tesão, como sempre: qual¬quer histeria, por mais leve que seja, me excita. Descobri isso quando tive uma ereção ouvindo minha mãe se esgoelando e quebrando pratos por eu não ter lavado a louça. Sou edipiano, confesso.
— Me beija.
Ela percebeu, a filha da puta. Elas sempre percebem. Eu beijo. Um beijo calmo, de namorados antigos. A língua tímida, feminina. Para confundir, dou um abraço forte, másculo. Co¬meça a chupar minha orelha e finjo gostar. Detesto o barulho que faz, o zunido, mas me contorço um pouco, suspiro quase fundo e aperto o abraço, como fazem as fêmeas. Mentira. Não consigo imaginar que gosto elas vêm nisso.
— Dá um tempo. Vou apagar o cigarro. Não tô mais a fins. Qué matá?
Nem respondo. Ela aperta o cigarro no cinzeiro, primeiro a ponta, a brasa que escapa, a bituca dobrada amassando as fagulhas. Enquanto tenta emprestar um charme de estrela de cinema a esse gesto vulgar, ela olha nos meus olhos e tenta esboçar um sorriso sacana. Jamais conseguiria, com essa carinha de apaixonada. Mas tentou ser Beth Davis, Marylin Monroe, Madonna. Era preciso.
— Quer beber alguma coisa?
— Não bebo. Mas troca o disco. Enjoou. Põe algo manêro. Aquele Ravel.
Bolero. Claro, na idade dela eu também pediria. Todo mundo conhece e gosta, impede gafes, parece elegante, acham que fica um ar de gente culta. As mais velhas escolhem Albinoni. Adágio. Devem ser os dois únicos concertos eruditos conhecidos por quem tem menos de 50.
Mal entra o oboé já rolamos na cama. Tesão. Junto, aquela vontade de que seja rápido. Penetrar, gozar, pronto. Mas não pode, tem de demorar um pouco pelo menos. Se não fosse assim, teríamos de assumir que só buscamos o nosso prazer, o outro que se foda e tal. Tanta sinceridade tornaria impraticável o ato, de amor.
— Qual é o seu nome?
Ah, meu saco! É daquelas que não conseguem fechar a boca. Acham que não existe erotismo sem verbo. Borges. Muito chato.
— Marlon Brando.
— E eu sou a Natalie Wood, e estamos filmando agora O Primeiro Bolero em Sampa.
Cretina. A Maria Schneider que a perdoe, porque eu estou é puto com o egoísmo dela, que aproveita a piada besta para procurar meu pau sob a calça. Bandida: como ele não está lá grandes coisas, disfarça e sobe a mão até minha barriga, querendo dar a impressão de que foi um carinho descomprometido. Elas pensam que eu não percebo. Mas é por perceber que eu jogo esse jogo. Por isso, eu vou poupá-la do mais vergonhoso e medíocre momento, o de pedir para apagar a luz, por favor, benzinho. Dá vontade de matá-las todas. Mas é cedo ainda.
Levanto-me bruscamente, nem disfarço a raiva, aperto o interruptor. Ligo o abajur, media luz.
— Legal, benzinho.
Cadela.
Levanta-se, anjo, aproxima-se, até que com certa elegância, e me beija tecnicamente, aquele beijo eu-você somos gostosos. Sinto os lábios esboçando um sorriso snoopy, a língua brincando de esconde-esconde, pega-pega. Conheço as regras. É minha vez: língua, céu da boca, direita, esquerda, lábios, língua, acariciar braços, ternamente, depois com intensidade, ombros, pescoço, costas, cintura, barriga, coxas. Sem sacanagem, calma, virá depois, fatidicamente, como sempre.
No começo, devemos dar a impressão que trepar não é o principal, que deve haver essa paixãozinha mentirosa para justificar nossa condição de seres humanos, sensíveis e sensuais. Como isso me irrita. Inevitável.
Por que será que elas sempre fecham os olhos quando beijam? Podia dizer que é concentração, envolvimento introspectivo, ou então que é para prestar atenção na música, na qual começam a entrar outros instrumentos, de cordas. Mas não é isso, claro. Na verdade, elas não abrem os olhos por receio de terem que assumir que estão diante de outra pessoa. Isso seria cruel demais para almas tão delicadas. Preferem apagar as luzes dentro delas também e ficarem sozinhas onde quer que estejam. É a única forma de sentir prazer, o egoísmo.
Eu prefiro o toque assim, sobre a roupa. Nus, a coisa fica muita cínica. Sublimado, ao menos não ficamos tensos, nervosos. Essa história de carícias preliminares, de que o gostoso é ficar chupando, lambendo, malhando, pelados, é tudo frescura de lésbicas, de gente que não pode penetrar. Os animais não perdem tanto tempo. Por mim...
Já sei, menina, já sei! Precisamos de mais ação, agora, não é mesmo? Era o que eu estava gritando, aqui, no meu pensamento. Liberar movimentos, ok. Sem roupas, certo? Pois bem, vamos lá.
Ah, não! Você, sua babaca, vai promover esse show barato de tirar minha roupa enquanto beija colarinhos, morde botões, afaga zíperes, acaricia mangas, empurra meias? Você saiu de um pornô americano, com certeza. Sinto muito, ninfetinha, mas falta paciência. Um pouco de objetividade vai bem.
— Assim faz cócegas.
Foda-se. Eu quero é tirar logo sua blusa, camiseta, sutiã ... ah, sua vaquinha, sem sutiã, heim? Se não gosta de roupas, por que dar dentadas em calças e tênis? Cadê a graça?
— Deixa eu tirar sua roupa também.
Ok. Mas precisa tanta onda? Ainda bem, fofura, que meu tesão está com um pouco de paciência. Por favor, seja pragmática, sim?
Nus.
Agora, chega de enrolação que a festa vai começar. É hora de perder a dignidade, sua vagabunda. Chupa! Mas segura meu cacete como se fosse a tocha olímpica, ajoelhe-se como diante de um totem, cultue-o como a um deus, sua puta! Coloque-o na boca com humildade, engula-o feito hóstia. Não assim, incompetente! Força, ser inútil! Paixão, verme ajoelhado. Não percebes que estás com o universo na boca? Chega, que assim você me ofende.
Eu lhe mostro. E ainda acompanho a melodia do Ravel, você vai ver. Primeiro assim, com determinação, preencho seu órgão vazio, oco, depósito. Com volúpia, mon amour, voracidade. Temos que nos matar, nos amaldiçoar, nos empestear de prazer, como se fosse possível. Assim, assim, assim. Quanto a esse seu pênis ridículo, essa miniatura de poder com nome grotesco, sinta agora como é que deve ser. Delire, amante minha, você gosta, não é? Pois eu também gostaria, sua mesquinha. Incapazes, vocês todas. Cansei de ouvir esses gemidos idiotas, mas não paro enquanto você não enlouquecer. Você é lerda e sem graça até para gozar, criança pura. Assim.
— Agora, vem cá, meu amor. Vou lhe contar certas coisas que você não vai acreditar.
Silêncio! Como eu queria gritar silêncio! Bater, bater, pra você berrar e eu gritar silêncio! Se você soubesse o quanto odeio a sua voz, nesse momento em que eu precisaria gritar.
— Que segredos serão esses, Natalie.
— Eu te dou o que quiser, se descobrir.
— Se soubesse teus segredos, que mais poderia querer, minha esfinge?
— Então, devora-me.
E por que não, se estou aqui para isso? Cumpra-se o inevitável. Oráculos, vos odeio. Pitonisas prostitutas, aqui estou, pronto para me arremessar nos abismos infinitos dessas vaginas pútridas. Amaldiçoados sejam meus espermas corruptos!
— Aaaah ...
Queria um uivo teu, cadela amiga, não esse suspiro obsceno. Agora que te penetro, todo eu, sucumba ao fogo, frio, que te domina. Serei Apolo, Dionísio, Marte. Escolhe. Penetrem em ti os trovões de Thor. Afoga-te no meu líquido, oceanos de Netuno, que daqui a pouco te invadirão. Começa já tua viagem ao Olimpo.
— Ai ... Ai ... Ai ...
Nisso eu te entendo, presa minha. Gemer, como de dor, nesses momentos ditos de prazer. As que choram, essas eu perdôo. Solidariedade. É tão triste a solidão, dói tanto. Só não perdôo, nunca, esse teu sorriso lascivo. De onde vem essa alegria devassa, fêmea estúpida? Da tua gruta lúgubre? Esse sorriso é de prazer, animal promíscuo? Pois foda-se, foda-se, foda-se, então! Se quer mais, eu dou. Eu dôo. Dôo a dor que tanto queres. Dá-lhe, Ravel, dá-lhe! Enfie cordas, metais e percussões em nossos cus, que eu reescrevo esse bolero e destruo essa criança à minha frente como em um tango, uma!, duas!, goza, vaca!, três!, quatro!, goza, puta!, goza! Mais emoção nessas bucetas, mulheres da minha vida, da minha morte, amém! Gozem mais, que lá vêm meus mares, querida, lá vem o maremoto, paixão, prepara teu fim, criança, que nós vamos partir juntos, nós vamos gozar orgasmos egoístas juntos, amor.
— Me abraça forte, mais, mais ...
Isso, erupção, crave as unhas no meu corpo, por favor, faça sangrar a carne triste, a carne podre, a carne vã. Abraço forte, sim, abraço mais, te quebro se é o que queremos, te quebro já. Eu morro agora, como sempre! Que venha o maior dos orgasmos, humanidade, enquanto seguro a faca debaixo do travesseiro eu preparo o gozo tu berras o gozo vamos gritar o gozo a dor o gozo a morte o gozo!
— Tá bom, meu bem?
— Sim! Sim! ...
Enfio a faca na boca, no pescoço, entre os seios, grito, gozo e enterro o cabo nessa buceta hipócrita. Falsa.
*Jornalista, ex-professor e coordenador de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Trabalhou nos jornais A Voz da Unidade, do PCB; A Gazeta Esportiva, onde foi diretor de redação e criou as revistas Educação, Língua Portuguesa, Fera! e Ensino Superior.
Mais iraniana que a mais terrível morte por apedrejamento. Desprezo total pelo gênero feminino. Lembra também "Instinto Selvagem", no final.
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