sábado, 12 de junho de 2010


Rubem Braga no Recife

* Por Luiz Carlos Monteiro

Em Gilberto Freyre de A a Z, dicionário elaborado por Edson Nery da Fonseca, o verbete “Prisões”, faz referência a uma crônica de Rubem Braga, intitulada Recordações pernambucanas, que conta como Freyre foi preso pela primeira vez em 1935, da qual recorta-se o trecho seguinte, que é parte integrante do artigo “Gilberto Freyre de A a Z”, deste resenhador, publicado na Continente Multicultural, em abril de 2003: “Gilberto naquele tempo andava pelos 35 anos, já publicara Casa-Grande & Senzala e estava acabando de escrever Sobrados e Mucambos, e era solteiro. E eu também era, o Cícero Dias também era. Assim fomos os três, num trenzinho da Great Western, à estação de Prazeres para subir o morro e participar da festa de Nossa Senhora, naquela igreja que domina as colinas de Guararapes, onde brasileiros e holandeses se guerrearam. Usava-se ir às antigas trincheiras apanhar folhas para benzer, pois as plantas dali tinham sido regadas pelo sangue dos heróis. E nas trincheiras aconteciam casos de amor. A certa altura Gilberto sumiu e, depois de muito procurá-lo, Cícero Dias e eu fomos até a estação: lá estava ele preso por um sargento, pois atentara contra a o pudor publico fazendo amor com uma jovem mulata no capim de uma trincheira. Custou muita conversa e algum dinheiro, mas libertamos o sociólogo. Coisa que convém referir para que não seja esquecida em sua biografia. Nestes seus maravilhosos 82 anos de idade. No entanto, Edson Nery põe em dúvida a veracidade do relato, ao arrematar que Gilberto Freyre disse a seu filho Fernando Freyre que tal prisão nunca ocorreu”

Seja como for, isto serve como um dos registros da presença de Rubem Braga no Recife, de maio a setembro de 1935. Outras referências, textos e documentos existem, como a sua extensa biografia Um cigano fazendeiro do ar (São Paulo, Globo, 2007, 610 p.), que reflete esse e outros tempos. Escrita pelo também capixaba Marco Antonio de Carvalho (1950-2007), levanta com riqueza detalhista o longo percurso vivencial e nômade de Braga, até fixar-se no Rio de Janeiro. Um capítulo inteiro, “1935, Recife: Folha do Povo” é dedicado à passagem do cronista pelo Recife.

Aos 22 anos, Rubem Braga assume posições firmes no cenário político e cultural brasileiro. É antigetulista e combate um alto representante do catolicismo conservador, o crítico literário Alceu Amoroso Lima. Não poupa os poetas Murilo Mendes e Jorge de Lima, que haviam lançado naquele ano de 1935 Tempo e eternidade, livro de poesia voltada para os preceitos cristãos. E não compactua com o integralismo de Plínio Salgado nem é comunista de carteirinha, embora defenda ideias e ações à esquerda, ao fazer parte de grupos paralelos da ALN – Aliança Libertadora Nacional, cujo presidente de honra era Luis Carlos Prestes.

Levado por António de Alcântara Machado, trabalha em O Jornal, dos Diários Associados, mas sua relação com Assis Chateaubriand é difícil, precária, instável. Alceu Amoroso Lima exige a demissão de Braga, tendo como causa um artigo do cronista em que este atacara a Igreja Católica. Esta crise culmina com a vinda de Braga ao Recife. Escreve Marco Antonio de Carvalho: “Dario de Almeida Magalhães propõe a Rubem que vá para o Recife e se junte à redação do Diário de Pernambuco, também dos Diários Associados, que já publicava suas crônicas; ele agradeceu e saiu em definitivo das proximidades de Chateaubriand, partindo para Pernambuco, de barco, seu meio de transporte preferido, entre o vento, o mar, o céu”

Convive com os intelectuais e boêmios locais, frequenta a zona do meretrício e escreve crônicas que se popularizam em todo o Brasil. Faz amizade com Valdemar Cavalcanti, Manuel Diégues Júnior, Capiba, Noel Nutels, Fernando Lobo, Cícero Dias, Odorico Tavares e Gilberto Freyre, entre outros. Carvalho contabiliza 25 crônicas escritas no Recife para a Folha do Povo, jornal da ALN nordestina editado por Braga. Depois de três prisões, deixa a cidade em 13 de setembro, com destino a Porto Alegre e daí ao Rio de Janeiro.

* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com

3 comentários:

  1. É bom saber um pouco da história
    de Rubem Braga, nos faz sentí-lo
    mais perto.
    Abraços

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  2. Ler Rubem Braga na escola me despertou o gosto pela literatura. Com muitos deve ter acontecido o mesmo. Desconhecia essa passagem da vida dele. Bom saber um pouco mais.

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  3. Que maravilha conhecer essas histórias dos nossos grandes escritores. Adoro conhecer os "bastidores" dos grandes da história da literatura.

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