sábado, 5 de junho de 2010




O poeta come amendoim

* Por Mário de Andrade

Brasil...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remeleixo
melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas
Pelos meus dentes bons...
Molham meus beiço que dão beijos
Alastrados
E depois semitoam sem malícia as
Rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha
Pátria,
Pátria é a casa de migrações e do
Pão nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é ritmo do
Meu braço aventuroso
O gosto dos meus descansos
O balanço das minhas cantigas
Amores e danças.
Brasil que eu sou porque é minha
Expressão muito engraçada,
Porque é meu sentimento
Pachorrento,
Porque é meu jeito de ganhar
Dinheiro, Eu Sou Trezentos...

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.

* Poeta, romancista, crítico de arte, musicólogo e um dos líderes da Semana de Arte Moderna de 1922, que deu início ao Modernismo no Brasil

3 comentários:

  1. Achei estranho "Si em deus morrer" e "as milhores palavras". É assim mesmo que se escrevia na década de vinte?

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  2. Mara, Mário de Andrade tinha suas manias. Uma delas, era escrever assim. Este poema foi reproduzido do original. E optei por não fazer as devidas correções.

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  3. Uma gostosa lembrança Pedro.
    Adorei.
    Abraços

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