segunda-feira, 3 de maio de 2010




É só um real

* Por Renato Manjaterra

Se eu ganhasse um real para cada vez que um cliente me alugou de graça. Um real a cada vez que me ofereceram uma oportunidade de mostrar meu trabalho (de graça). Um real para cada vez que um cliente me disse que precisava da arte para entrar na gráfica domingo à noite sem falta. Um real para cada idéia que me roubaram, ou que tentaram proteger de mim.

Se eu tivesse ganhado um real cada vez que me preocupei em receber dinheiro em troca de um pouco do meu trabalho. Um real cada vez que dei meu talento e um tanto de suor sem esperar nada em troca. Ou mesmo esperando. Um real só.

A impressão que eu tenho é de que talvez hoje eu nem precisasse mais de dinheiro.
Pensando assim eu devia era fixar o preço da arte final em um real.
É tão difícil pôr preço em arte!

Não se pode cobrar por tempo. Acontecem trabalhos violentamente bons em dez minutos, meia hora. E também o tempo que aquele panfleto demora para ficar pronto vai dos meus sete anos até a hora do Ctrl+S. Ninguém vai pagar minha pós-graduação em troca de um cardápio eficiente e bonito, por exemplo.

Se eu tivesse coragem eu fixava o preço da arte em, digamos, dez reais. Tanto faz se é a minha prima que precisa de um cartão de visitas para vender jóias, um convite de aniversário da minha afilhada, ou um logotipo que vai ser veiculado em três continentes. Sentei na frente da folha em branco, é dez reais. Saia o que sair.

Mas não seria corajoso, seria burro. Porque a minha prima não ia se ofender, pelo contrário, ficaria até mais à vontade de me pedir a arte do convitinho. Já aquele amigo empreendedor que está querendo uma marca com a eficácia da Coca-Cola, com manual de utilização e arquivos em DVD, vai achar uma sacanagem eu cobrar dez reais dele nesse momento em que ele está começando, afinal, eu sei que ele não dispunha desse dinheiro agora.

Enfim vou escutar dele, mais uma vez, que ele vai sim ter dinheiro, mas agora não tem, e que um dia vai poder me pagar, e eu vou sentir que deveria ter cobrado pelo menos aquele um realzinho do começo da história.

Ainda porque sempre que ele não pagar ele vai ajudar a escolher a cor, ou sugerir outra letrinha.

* Jornalista e escritor, webdesigner, autor do livro “Colinas, Pará” com prefácio do Senador Eduardo Suplicy, bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCAMP, blog http://manjaterra.blogspot.com

2 comentários:

  1. Um real vale uma boa dissertação, assim como
    a sua. Entendo bem o que quer dizer.
    Mas ainda assim,sigo e sinto prazer no que faço.
    Mas, dos "pitacos" eu não gosto.
    Ótimo texto.
    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Também gosto, fiel Nubia, mas tentei passar uma compra só de gêneros básicos apresentando tesão no caixa e, no Carrefour, não passa. Entende?
    Arte gráfoica e textos são análogos nesse sentido.
    às vezes amigos de verdade insistem em fazer uso da minha conexão com a internet, dos aplicativos e da minha estação de trabalho, dos meus anos de estudo, de todo o meu pouco conhecimento, dispor do meu tempo, em troca de uma gratidão que acaba por nem rolar porque eu fui intransigente em querer marrom em vez de verde.
    Prefiro perder só a amizade do que o fígado e a amizade.

    ResponderExcluir