quarta-feira, 5 de maio de 2010




Cada um com a sua linguagem

* Por Mara Narciso

Tantos quantos já deram entrevista, respondendo a uma pergunta para a TV Globo, sabem que precisam ter raciocínio rápido. Serão cortados caso não falem um pensamento completo com começo meio e fim em vinte segundos. Assim, após anos de treinamento e a ameaça da tesoura, as pessoas saem-se com cada frase que, quando menos, causa espanto. “Nuvem monetária do capital volátil, que paira sobre a terra”: palavras de Heloisa Helena, ex-senadora, anos atrás, explicando a explosão de uma bolha financeira que teve repercussão mundial. Está aí, admira-se o bem falar, o bem comunicar, mas também não é preciso complicar tanto.

Ler páginas bem escritas é um deleite, ouvir uma pessoa derramar retórica é festa, é alimento intelectual. Sócrates, um pensador falante, era contra a escrita e a retórica, e fazia das palavras um banquete.

Quando alguém sabe falar bem, conquista admiração imediata. Algumas pessoas usam argumentação inesperada, uma linguagem interessante, chamando maior atenção ao que diz. Muitos não apreciam linguagem empolada, abuso de jargões de determinada área, mas, admiram sim, aquela pessoa com o dom de falar com clareza, conteúdo, narrativa agradável, usando palavras precisas para dizer o que deve ser dito.

Muitas pessoas ficam entre duas palavras e escolhem a pior. Especialmente se não podem errar, por estarem gravando, ou dando uma aula que exige os termos exatos. Melhor do que falar corretamente é saber-se compreendido. É desejável chegar junto de cada grupo e saber falar a língua dele. Tanto ouvindo quanto lendo, ter contato com fala/escrita pernóstica pode trazer tédio, enfado, aborrecimento, quando não sonolência. Há quem pense estar saindo-se bem em seu discurso, quando na verdade está atuando como indutor do sono.

A ignorância faz as pessoas acreditarem em absurdos. Dizem que o melhor sonífero estaria nas páginas escritas por Platão. Não se enganem. Um texto complexo e bem escrito é mais do que uma viagem, é uma transposição.

Os artistas, seres excêntricos que são, explicam a sua arte, pintura, ou música de maneira surpreendente, de forma até mais complexa do que suas próprias obras, muitas vezes numa fala incompreensível, próxima do insano. Também a declaração de atletas, após vencer ou perder um jogo importante, não foge ao clichê. A linguagem usada em moda é tão efêmera quando a moda em si, e não dura uma estação. Também é um linguajar onde se faz uso frequente de metáforas. A explicação sobre como é uma roupa, utiliza figuras de linguagem e por isso mesmo é uma fala gostosa.

Os advogados têm fama de falar bem, e ter amplo poder de convencimento, porque são treinados para converter pessoas desconfiadas em gente convicta da inocência do seu cliente. A linguagem científica muitas vezes é indecifrável para os não iniciados. Veja a linguagem traduzida do economês para a televisão. Caso estejamos nos alimentando na hora da notícia, a indigestão é certa, especialmente se as novidades não forem boas.

O que dizer da linguagem dos físicos, dos matemáticos, dos astrônomos? Cabe ao jornalista fazer essa tradução que vai muito além da troca de palavras. É preciso fazer a inserção no cotidiano, indo de encontro ao modo comum de conversar. Também os médicos precisam conduzir a linguagem para o nível do interlocutor. O entendimento precisa ser o objetivo de toda comunicação, seja pela linguagem falada, seja pelo gestual, inclusive a dança. Neste último caso, uma explicação foi dada hoje na TV: “a coreografia nada mais é do que a leitura de uma partitura corporal”
.
Então está explicado!

* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo, e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

6 comentários:

  1. Acho que é nessa adequação que reside o sucesso ou o insucesso do que somos e do que fazemos. Lembrando ainda que a parte mais importante desta sintonia reside no nível não verbal. Mas aí já entra uma outra história... Bom texto, Dra. Mara.

    ResponderExcluir
  2. Para mim a melhor linguagem é aquela
    que chega primeiro aos sentidos.
    Quanto mais simples ela for mais rápido
    será assimilada.
    Parabéns Mara.
    Abraços

    ResponderExcluir
  3. Comunicar bem é falar de maneira que todos entendam, sem enfeites . Direto. Simples. Objetivo. Sem cansar.
    Um exemplo ?
    Lula. O " discurso" dele é poderoso.

    ResponderExcluir
  4. O importante pra mim é se fazer entender, e isso nem sempre tem a ver com correção. É muito bom colocar este tema em discussão.
    concordo com a Cel: o discurso do Lula é um exemplo disso.
    Beijos

    ResponderExcluir
  5. A comunicação clara, deixando o mínimo de margem aos ruidos, para mim, é a mais indicada. Quanto maior a possibilidade de entendimento entre as partes, melhor!

    ResponderExcluir
  6. Marcelo, a linguagem corporal tem o poder de até se opor ao que é dito. Quando dois estão apaixonados, é impossível esconder.
    Núbia, os sentidos são quase infalíveis para entender o outro, mesmo com línguas diferentes.´Mas é preciso atenção sempre.
    Celamar, você se comunica bem. A sua mensagem é clara.
    Risomar, as linguagens podem ser diferentes, mas não devem ser consideradas erradas entre si.
    Sayonara, embora não pareça, a internet tem ruídos. O que se escreve, não tem entonação, e assim há margem para interpretações confusas, especialmente em mensagens mais curtas.

    Obrigada gente, pela leitura e comentário.

    ResponderExcluir