

Cinema mudo com som
* Por Fernando Yanmar Narciso
É impressionante como a internet ainda tem o poder de nos pegar de surpresa. Três anos atrás, quando estávamos na festa de Natal da família de meu pai, eu pesquisava no Youtube por trailers do filme que prometia ser, literalmente, uma bomba: Rambo 4. Sem querer, eu e meu primo cineasta, Diego, esbarramos num certo link chamado “Turkish Rambo”. Sem ter a menor idéia do que nos esperava, vimos uma das coisas mais hilárias que já apareceram na face da terra. Simplesmente inacreditável! O orgasmo do trash! A festa acabou e todos os convidados se foram, mas eu continuei lá, absorvendo mais conhecimento sobre a Turquia, um país cheio de mistérios, e aparentemente, de malandragem.
Esse país devia ser um lugar muito barra pesada há 50 anos... Em tempos de ditadura implacável, onde o marido que andasse de mãos dadas com a esposa na calçada era fuzilado, a televisão em preto e branco era um luxo reservado a poucos. Quando o país chafurdava numa crise financeira que se estendia por décadas, a única diversão a que o cidadão comum tinha direito eram as salas de cinema.
O povo turco, principalmente os jovens, não queria ver qualquer filme. Queriam ver seus heróis de capa-e-espada dos quadrinhos e fotonovelas americanos e europeus, assim como os próprios heróis folclóricos do país em ação. Mas a Turquia também penava com o embargo americano, tal qual Cuba. Nenhum filme estrangeiro podia chegar ao país, logo as produtoras turcas tomaram a decisão mais improvável de todas: recriar em território nacional aqueles filmes que eram sensação no estrangeiro, sem pagar nenhum royalty, com atores locais, sem mexer em quase nada nos scripts originais, apenas reduzindo drasticamente – e põe drasticamente nisso! – o orçamento.
Assim nascia o cinema cult turco. Logo surgiram filmes de fazer cair o queixo como o Star Wars turco, o Jornada nas Estrelas turco, o Conan turco, o Desejo de Matar turco, o Frankenstein turco, O Mágico de Oz turco, o Drácula turco, o 007 turco e até o E.T turco! Eles passaram a recriar a preço de banana o que acreditavam ser “histórias em quadrinhos ganhando vida”, usando personagens como Zorro, Homem- Aranha, Capitão América, Fantasma, Superman, Cavaleiro Solitário, Batman, etc. Todos com uniformes e efeitos especiais impecáveis - perdão pelo sarcasmo, atuações que seria até bondade chamar de exageradas, primor técnico que faria Spectreman e Robô Gigante parecerem coisa de Hollywood, lutas idênticas às dos filmes do Chaplin e histórias provavelmente escritas sob efeito de muito ópio ou substâncias piores.
Era proibido fazer uso de pornografia explícita no país. A solução encontrada por esses caras foi introduzir muitas cenas de nudez frontal e de sexo muy calientes à la Cine Privê em filmes de ação e pancadaria, para proporcionar alguns momentos de relax aos marmanjos da platéia. Resumindo: para um filme ter retorno financeiro na Turquia daqueles tempos, assim como hoje no mundo, ele devia ter quatro ingredientes básicos: sexo, violência, sadismo e super-heróis mascarados. Os filmes eram tão baratos que era comum encontrar uns 40 de uma só vez em cartaz num fim de semana. Um dos diretores mais prolíficos da época, Cetin “O Jato” Inanc, era conhecido por rodar 20 filmes ao mesmo tempo, num período de dez dias cada um, sempre com o deus dos filmes de ação do país, o “Chuck Norris Turco” George Arkin, campeão em sete artes marciais diferentes e maior imitador de Alain Delon e John Wayne da Ásia.
Obviamente essa onda de filmes baratos um dia chegaria ao fim. Com o fim do embargo americano e a chegada da TV às classes mais baixas o legado do cinema popular turco foi murchando gradualmente, mas esses filmes continuam acompanhando os turcos em seu inconsciente e em reprises nos canais locais. Mas nem em sonho algum brasileiro conseguiria achar uma dessas pérolas à venda ou para alugar, pois nem na própria Turquia existem DVDs deles. Quase todos os filmes foram destruídos pelo novo governo nos anos 80. Felizmente(?) para nós, alguns cinéfilos malucos volta e meia conseguem achar cópias bem mambembes desses filmes e os põem à nossa disposição no Emule ou em Torrents. Se estiverem a fim de rir muito, recorram à mãe dos preguiçosos, o Google, e procurem por Turkish Pop Cinema. Aos fãs de tosqueiras como eu, garanto que é uma viagem e tanto!
* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
* Por Fernando Yanmar Narciso
É impressionante como a internet ainda tem o poder de nos pegar de surpresa. Três anos atrás, quando estávamos na festa de Natal da família de meu pai, eu pesquisava no Youtube por trailers do filme que prometia ser, literalmente, uma bomba: Rambo 4. Sem querer, eu e meu primo cineasta, Diego, esbarramos num certo link chamado “Turkish Rambo”. Sem ter a menor idéia do que nos esperava, vimos uma das coisas mais hilárias que já apareceram na face da terra. Simplesmente inacreditável! O orgasmo do trash! A festa acabou e todos os convidados se foram, mas eu continuei lá, absorvendo mais conhecimento sobre a Turquia, um país cheio de mistérios, e aparentemente, de malandragem.
Esse país devia ser um lugar muito barra pesada há 50 anos... Em tempos de ditadura implacável, onde o marido que andasse de mãos dadas com a esposa na calçada era fuzilado, a televisão em preto e branco era um luxo reservado a poucos. Quando o país chafurdava numa crise financeira que se estendia por décadas, a única diversão a que o cidadão comum tinha direito eram as salas de cinema.
O povo turco, principalmente os jovens, não queria ver qualquer filme. Queriam ver seus heróis de capa-e-espada dos quadrinhos e fotonovelas americanos e europeus, assim como os próprios heróis folclóricos do país em ação. Mas a Turquia também penava com o embargo americano, tal qual Cuba. Nenhum filme estrangeiro podia chegar ao país, logo as produtoras turcas tomaram a decisão mais improvável de todas: recriar em território nacional aqueles filmes que eram sensação no estrangeiro, sem pagar nenhum royalty, com atores locais, sem mexer em quase nada nos scripts originais, apenas reduzindo drasticamente – e põe drasticamente nisso! – o orçamento.
Assim nascia o cinema cult turco. Logo surgiram filmes de fazer cair o queixo como o Star Wars turco, o Jornada nas Estrelas turco, o Conan turco, o Desejo de Matar turco, o Frankenstein turco, O Mágico de Oz turco, o Drácula turco, o 007 turco e até o E.T turco! Eles passaram a recriar a preço de banana o que acreditavam ser “histórias em quadrinhos ganhando vida”, usando personagens como Zorro, Homem- Aranha, Capitão América, Fantasma, Superman, Cavaleiro Solitário, Batman, etc. Todos com uniformes e efeitos especiais impecáveis - perdão pelo sarcasmo, atuações que seria até bondade chamar de exageradas, primor técnico que faria Spectreman e Robô Gigante parecerem coisa de Hollywood, lutas idênticas às dos filmes do Chaplin e histórias provavelmente escritas sob efeito de muito ópio ou substâncias piores.
Era proibido fazer uso de pornografia explícita no país. A solução encontrada por esses caras foi introduzir muitas cenas de nudez frontal e de sexo muy calientes à la Cine Privê em filmes de ação e pancadaria, para proporcionar alguns momentos de relax aos marmanjos da platéia. Resumindo: para um filme ter retorno financeiro na Turquia daqueles tempos, assim como hoje no mundo, ele devia ter quatro ingredientes básicos: sexo, violência, sadismo e super-heróis mascarados. Os filmes eram tão baratos que era comum encontrar uns 40 de uma só vez em cartaz num fim de semana. Um dos diretores mais prolíficos da época, Cetin “O Jato” Inanc, era conhecido por rodar 20 filmes ao mesmo tempo, num período de dez dias cada um, sempre com o deus dos filmes de ação do país, o “Chuck Norris Turco” George Arkin, campeão em sete artes marciais diferentes e maior imitador de Alain Delon e John Wayne da Ásia.
Obviamente essa onda de filmes baratos um dia chegaria ao fim. Com o fim do embargo americano e a chegada da TV às classes mais baixas o legado do cinema popular turco foi murchando gradualmente, mas esses filmes continuam acompanhando os turcos em seu inconsciente e em reprises nos canais locais. Mas nem em sonho algum brasileiro conseguiria achar uma dessas pérolas à venda ou para alugar, pois nem na própria Turquia existem DVDs deles. Quase todos os filmes foram destruídos pelo novo governo nos anos 80. Felizmente(?) para nós, alguns cinéfilos malucos volta e meia conseguem achar cópias bem mambembes desses filmes e os põem à nossa disposição no Emule ou em Torrents. Se estiverem a fim de rir muito, recorram à mãe dos preguiçosos, o Google, e procurem por Turkish Pop Cinema. Aos fãs de tosqueiras como eu, garanto que é uma viagem e tanto!
* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
Achei engraçado você criar esse termo "tosqueiras". Acho que não gostaria de ver esses filmes, mas como curiosidade do inusitado, foi bom saber.
ResponderExcluir