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Glauco, o Cartunista
* Por Risomar Fasanaro
A notícia me chegou logo cedo, e foi como se um edifício caísse sobre minha cabeça: “você já soube?” Não, o quê? “Glauco e o filho foram assassinados”.
O primeiro pensamento foi de descrença, mas ao ouvir alguns detalhes fui me dando conta de que não era um pesadelo. Infelizmente, depois de tantas enchentes, desabamentos, desgraças umas após as outras, agora era a violência que nos levava um dos nossos maiores artistas: Glauco Vilas Boas.
Rememorei as ocasiões em que estive com ele. Em 2002 estávamos lutando pela preservação de uma área da mata atlântica que existe em Osasco, no bairro de Três Montanhas. Íamos àquela reserva quase toda semana e lá passávamos algumas horas explorando o local, nos encantando com as árvores e a nascente que lá existe.
Em alguns momentos nos sentíamos menores que sementes de mostarda, tantas eram as causas por que lutar: preservar aquela mata, protestar contra a devastação que o Rodoanel estava provocando na região, e tentar impedir que a prefeitura na época havia retirado os sem-teto de uma favela do Rochdale, os instalasse nas encostas dos morros do Três Montanhas, o bairro mais bonito de Osasco, em uma área de altíssimo risco, prestes a serem engolidos pelas enchentes ou pelos desmoronamentos.
Éramos cinco pessoas. Cinco pessoas sonhadoras que se achavam suficientemente fortes para conseguir deter a ganância do poder. Mas tínhamos conseguido o apoio dos moradores, que nos ajudavam nos atos de protesto, além dos inúmeros amigos que nos acompanhavam nas manifestações que realizávamos, uma delas a de abarcar a lagoa do Três Montanhas, poluída pelos dejetos das indústrias. Esta era mais uma das nossas reivindicações: a limpeza da lagoa onde, apesar de toda sujeira, algumas garças sobrevoam pelo local.
Tínhamos tomado amizade com Aílton Krenak, o líder indígena, e a partir daí criado alguns laços de amizade com os índios que vivem na aldeia do Morro da Saudade, no Jaraguá, e um domingo os convidamos, para irem conosco conhecer a reserva de mata aonde íamos quase toda semana.
Era um dia muito quente, de sol forte, e estávamos todos com sede, quando saíamos da reserva. Ao passar em frente a um casa com um enorme portão aberto, ouvimos um canto guarani e resolvemos pedir água. Entramos, e conversando descobrimos ser um templo do Santo Daime, liderado pelo Glauco.
Fiquei eufórica com a perspectiva de conhecer o autor de cartuns “Los Três amigos”, “Geraldão” e outros que eu admirava tanto.
Pedimos para falar com ele, e Glauco não só nos recebeu com aquela gentileza e aquela simpatia, que o caracterizavam, como se prontificou a nos mostrar todo o processo de preparação do chá que faz parte do ritual do Santo Daime.
Era visível a alegria dele. Os líderes do templo tinham passado a semana toda preparando o chá, e talvez a nossa presença com os índios guarani tenha lhe soado como um coroamento do trabalho que eles tinham desenvolvido naqueles dias.
Contei que éramos amigos do Krenak, e isso o deixou mais à vontade conosco, pois os dois além de amigos eram compadres.
Naquela época eu usava o cabelo curtíssimo, estilo “joãozinho”, e Glauco passou a me chamar de krenakinha.
Ele nos serviu um pouco do chá, para experimentarmos, e depois daquele dia voltamos mais três vezes ao “Céu de Maria”, e participamos do ritual. Era quando conhecíamos um Glauco sério, compenetrado, sem o ar brincalhão que tinha fora do templo.
Era sempre uma felicidade conversar com Glauco, uma pessoa leve, doce, terna, e hoje vendo pela tevê e lendo os noticiários me custa acreditar que alguém como ele que ajudou tantas pessoas, que as tirou do caminho das drogas, tenha tido um fim tão terrível.
Sem nenhuma inspiração para escrever desde sexta-feira, reproduzo aqui as belas palavras que seu amigo e compadre Aílton Krenak me enviou por e-mail:
“Vivi plenamente meus momentos raros de verouvirsentir a presença
deste nosso querido amigo em VIDA mirando miríades de constelações
e galáxias, lá onde ele chegou primeiro que eu, mas deixa estar que (...)
pego ele numa curva de galáxias destas por aí...”
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
* Por Risomar Fasanaro
A notícia me chegou logo cedo, e foi como se um edifício caísse sobre minha cabeça: “você já soube?” Não, o quê? “Glauco e o filho foram assassinados”.
O primeiro pensamento foi de descrença, mas ao ouvir alguns detalhes fui me dando conta de que não era um pesadelo. Infelizmente, depois de tantas enchentes, desabamentos, desgraças umas após as outras, agora era a violência que nos levava um dos nossos maiores artistas: Glauco Vilas Boas.
Rememorei as ocasiões em que estive com ele. Em 2002 estávamos lutando pela preservação de uma área da mata atlântica que existe em Osasco, no bairro de Três Montanhas. Íamos àquela reserva quase toda semana e lá passávamos algumas horas explorando o local, nos encantando com as árvores e a nascente que lá existe.
Em alguns momentos nos sentíamos menores que sementes de mostarda, tantas eram as causas por que lutar: preservar aquela mata, protestar contra a devastação que o Rodoanel estava provocando na região, e tentar impedir que a prefeitura na época havia retirado os sem-teto de uma favela do Rochdale, os instalasse nas encostas dos morros do Três Montanhas, o bairro mais bonito de Osasco, em uma área de altíssimo risco, prestes a serem engolidos pelas enchentes ou pelos desmoronamentos.
Éramos cinco pessoas. Cinco pessoas sonhadoras que se achavam suficientemente fortes para conseguir deter a ganância do poder. Mas tínhamos conseguido o apoio dos moradores, que nos ajudavam nos atos de protesto, além dos inúmeros amigos que nos acompanhavam nas manifestações que realizávamos, uma delas a de abarcar a lagoa do Três Montanhas, poluída pelos dejetos das indústrias. Esta era mais uma das nossas reivindicações: a limpeza da lagoa onde, apesar de toda sujeira, algumas garças sobrevoam pelo local.
Tínhamos tomado amizade com Aílton Krenak, o líder indígena, e a partir daí criado alguns laços de amizade com os índios que vivem na aldeia do Morro da Saudade, no Jaraguá, e um domingo os convidamos, para irem conosco conhecer a reserva de mata aonde íamos quase toda semana.
Era um dia muito quente, de sol forte, e estávamos todos com sede, quando saíamos da reserva. Ao passar em frente a um casa com um enorme portão aberto, ouvimos um canto guarani e resolvemos pedir água. Entramos, e conversando descobrimos ser um templo do Santo Daime, liderado pelo Glauco.
Fiquei eufórica com a perspectiva de conhecer o autor de cartuns “Los Três amigos”, “Geraldão” e outros que eu admirava tanto.
Pedimos para falar com ele, e Glauco não só nos recebeu com aquela gentileza e aquela simpatia, que o caracterizavam, como se prontificou a nos mostrar todo o processo de preparação do chá que faz parte do ritual do Santo Daime.
Era visível a alegria dele. Os líderes do templo tinham passado a semana toda preparando o chá, e talvez a nossa presença com os índios guarani tenha lhe soado como um coroamento do trabalho que eles tinham desenvolvido naqueles dias.
Contei que éramos amigos do Krenak, e isso o deixou mais à vontade conosco, pois os dois além de amigos eram compadres.
Naquela época eu usava o cabelo curtíssimo, estilo “joãozinho”, e Glauco passou a me chamar de krenakinha.
Ele nos serviu um pouco do chá, para experimentarmos, e depois daquele dia voltamos mais três vezes ao “Céu de Maria”, e participamos do ritual. Era quando conhecíamos um Glauco sério, compenetrado, sem o ar brincalhão que tinha fora do templo.
Era sempre uma felicidade conversar com Glauco, uma pessoa leve, doce, terna, e hoje vendo pela tevê e lendo os noticiários me custa acreditar que alguém como ele que ajudou tantas pessoas, que as tirou do caminho das drogas, tenha tido um fim tão terrível.
Sem nenhuma inspiração para escrever desde sexta-feira, reproduzo aqui as belas palavras que seu amigo e compadre Aílton Krenak me enviou por e-mail:
“Vivi plenamente meus momentos raros de verouvirsentir a presença
deste nosso querido amigo em VIDA mirando miríades de constelações
e galáxias, lá onde ele chegou primeiro que eu, mas deixa estar que (...)
pego ele numa curva de galáxias destas por aí...”
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Uma morte tão estúpida e por motivos
ResponderExcluirtão banais...
Não o conhecia, apenas os seus trabalhos.
Perdemos um grande talento e ficamos mais
carentes ainda de "cabeças pensantes"...
Beijos Riso, lindo texto.
fiquei passado quando ouvi essa notícia pelaa primera vez.
ResponderExcluirquem nunca leu uma tirinha do geraldão ou da dona marta que atire o primeiro jornal de domingo. a morte dele prova que às vezes é mais seguro continuar se drogando do que ir para uma seita àa la alcoólicos anônimos e conhecer um demente que nem esse assassino dele.
descanse em paz, parceiro de caneta.
Tem sido cada vez mais comum esse tipo de notícia: mortes estupidas, a maior parte delas sem que possamos entender ao menos a motivação. A do Glauco e Raoni é de chocar, o rapaz estava completamente desiquilibrado, difícil entender o que passa pela cabeça do ser humano. Espero que a justiça seja feita e que a família e amigos tenham ao menos esse consolo.
ResponderExcluirÓtimo texto, beijos e parabéns!
Nubia, Fernando, Sayonara
ResponderExcluirObrigada pelos comentarios sempre gentis e incentivadores.
Beijos
São interessantes essas imagens e histórias. Você trouxe o lado menos formal do artista e assim acrescenta muito a imagem pública dele.
ResponderExcluirObrigada, Mara. Eu já era fã do Glauco, e quando o destino me levou inesperadamente ao seu encontro, quase não acreditei.Entramo em sua chácara para pedir água e tive a felicidade de conversar algumas vezes com aquele gênio.
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