segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010




“Dizem que quando a gente planeja, Deus ri”

Ela é uma figura doce, meiga e encantadora. Seu próprio nome já sugere alegria e felicidade. Embora não se confesse como tal, é uma poetisa de primeira. Não por acaso, sua coluna, aqui no Literário, tem o sugestivo nome de “Tecelã de Emoções”, pois reflete bem essa sua característica. Ela de fato tece, e com fios de ouro, peças literárias magníficas, de beleza, encantamento, sonho e poesia. Contudo, não mexam com suas convicções. Não suprimam, por exemplo, a liberdade da população e nem discriminem e marginalizem os humildes, os pobres, as mulheres, as crianças, os negros etc. Nossa personagem transforma-se, então, em leoa, sempre disposta a defender “seus filhotes”. Tanto que, nos chamados “anos de chumbo”, combateu a ditadura, com as armas da verdade e do seu talento. Risomar Fasanaro é recifense de nascimento, tendo nascido sob o signo de Peixes, no bairro de Estância. É filha de Alípia de Souza Fasanaro e de João Fasanaro. Tem três irmãos: Paulo (bandolinista), Rômulo (fotógrafo), Mércia (artista plástica), um filho, Eduardo Luiz Fasanaro de Oliveira e dois netos, Gabriel e Otávio. Com doze anos o pai militar foi transferido para Quitaúna, Osasco. Cursou Letras na Universidade de São Paulo. Lecionou Língua e Literaturas Brasileira e Portuguesa durante vinte anos na rede estadual de ensino, e três anos na FITO- Fundação Instituto Tecnológico de Osasco. Iniciou suas atividades jornalísticas em 1973 no “Diário de Osasco”, onde além de repórter, mantinha uma coluna de crônicas. Nos anos 80 passou a escrever para o jornal “Primeira Hora”, também em Osasco. Foi uma das fundadoras do Grupo cultural “Veredas” que mantinha uma revista literária e um Grupo musical que apresentava shows de MPB e músicas e danças folclóricas nos bairros de Osasco, cidade onde reside. Escreve com certa regularidade desde os 20 anos. Participou de alguns concursos de contos poesias e festivais de música, tendo recebido alguns prêmios. Conheçam, pois, abaixo, um pouco mais dessa querida companheira, um dos tantos Dom Quixotes que integram esta nossa utópica confraria.

Literário – Trace um perfil resumido seu, destacando onde e quando nasceu, o que faz (além de literatura) e destaque as obras que já publicou (se já o fez, claro).

Risomar Fasanaro: Sou pernambucana, saí do Recife com 11 anos e vim morar em Osasco quando meu pai, que era militar, foi transferido para o 4° RI, em Quitaúna. Aqui fiz o ginásio no colégio N. Sra. da Misericórdia, um colégio de freiras. Casei com 17 anos, com meu primeiro namorado, e tive um filho, Eduardo Luiz. Ficamos casados dois anos. Casei mais duas vezes. Cursei o Normal, e fui alfabetizadora quatro anos.
Depois fiz o curso de Letras e comecei a lecionar Língua e Literatura Brasileira e Portuguesa ainda estudante. Participei nos anos 60 e 70 do movimento estudantil em Osasco e SP. A partir dos anos 70, com as lideranças de Osasco presas ou no exílio, me entreguei também à militância cultural em Osasco. Junto com alguns amigos, formamos um grupo, o “Veredas”, que mantinha um jornal cultural e um grupo de MPB. A gente agitava a cidade com apresentações de poesia e MPB na periferia da cidade, participando de festivais de música, e de atividades culturais e políticas em SP.
Atualmente, sou uma pessoa muito tranqüila, muito bem-humorada, muito zen. Descobri o poder da meditação. Quase sempre acordo cantando. Hoje, quando algo começa a me preocupar, penso: isso vai provocar a 3ª guerra mundial? Não, então não é nada. Depois eu resolvo...Prezo muito as amizades. Já tive algumas paixões avassaladoras, e dois grandes amores. Também algumas decepções.
Sou uma pessoa mística, mas não gosto de ter compromisso com uma religião. Acredito que quando a gente tem o coração bom, é honesta, íntegra, verdadeira e só deseja o bem às outras pessoas, não precisa ter uma religião. Embora na maior parte do tempo acredite em uma força maior que mantém a chama da vida na terra, às vezes duvido de sua existência. Tenho um grande número de amigos ateus, e sinto um profundo respeito por eles, porque são pessoas dignas, íntegras, solidárias. Pessoas incapazes de fazer o mal a quem quer que seja; que são capazes de qualquer sacrifício para socorrer o outro, e fazem isso porque são pessoas do bem, e não por temerem a um deus que elas não crêem.
Às vezes as pessoas confundem o que escrevo com o que sou. Alguns textos meus são angustiados, tristes, mas eu não sou. Talvez até por isso, porque transfiro para o papel o que poderia me atormentar.
Sou uma leitora inveterada. Fui sempre doida por livros. Muito cedo me tornei leitora. Talvez por gostar tanto de ler, quis também escrever. Assim poderia mudar o final das histórias... Com 10,11 anos fazia paródia dos poemas de Casemiro de Abreu, e levava bronca de minha mãe. Ela dizia que eu não respeitava os poetas. Quando li Oswald de Andrade pensei: puxa... Fui uma incompreendida. Poderia ter sido modernista aos 10 anos...
Em Recife, ficava muito na casa dos meus padrinhos que moravam em Areias, bairro próximo do Recife, e meu padrinho, português, sócio do Gabinete português de Leitura, trazia livros e nos mandava ler. A mim e ao meu irmão mais velho, Paulo, que é bandolinista. Assim, líamos Eça de Queiróz, Machado de Assis. Isso com 9, 10 anos... Minhas primeiras impressões sobre Machado de Assis foram as piores possíveis. Lia muito também HQ. Minha mãe também me influenciou. Ela vivia lendo romances.
Já recebi alguns prêmios com contos e poesias em Osasco, em SP, Paranavaí e outras cidades. Entre eles o prêmio Teresa Martin.
Atualmente me dedico à escrita, à pintura e à cerâmica. Pinto e mexo com argila para me ajudarem a desenvolver mais minha sensibilidade. Todo escritor deveria pintar ou esculpir. A pintura e a escultura nos ensinam a ver bem as sombras, as luzes e os relevos que há no mundo e nas pessoas.

L - Você tem algum livro novo com perspectivas de publicação? Se a resposta for afirmativa, qual? Há alguma previsão para seu lançamento? Se a resposta for negativa, explique a razão de ainda não ter produzido um livro.

RF – Tenho um livro de contos, uma novela e duas histórias para crianças. Não estão publicados. Tenho contos e poesias em algumas antologias, livros didáticos e apostilas de cursinhos. Acho que uma seleção das melhores crônicas que escrevi no site do “Comunique-se” e aqui no “Literário”, também dariam um livro.

L – Há quanto tempo você é colunista do Literário? Está satisfeito com este espaço? O que você entende que deva melhorar? Por que?

RF – Estou no Literário desde o início quando saímos do site Comunique-se. Estou contente com o espaço, há escritores muito talentosos no Blog e me sinto muito feliz entre eles. Talvez pudéssemos ter uma coluna de resenhas dos livros que a grande mídia não publica.

L – Trace um breve perfil das suas preferências, como, por exemplo, qual o gênero musical que gosta, que livros já leu, quais ainda pretende ler (dos que se lembra), qual seu filme preferido, enfim, do que você gosta (e do que detesta, claro) em termos de artes.

RF – Gosto muito de MPB, de jazz , adoro Billie Holiday, Ella Fitzgerald... de música clássica, gosto muito de Beethoven, Bach, Eric Satie. Livros preferidos? Leio e releio sempre Clarice Lispector, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marquez e os poetas: Bandeira, Drummond, Ascenso Ferreira, João Cabral, Mario Quintana. Adoro Paulo Leminski e alguns poetas mais jovens e que ainda são desconhecidos como o Juarez José Viaro, que participou conosco, no Comunique-se. Pretendo ler um dia “Crime e Castigo” de Dostoievski que já tentei três vezes, não agüento o sofrimento, e paro; e ler todos do Mia Couto, minha atual paixão literária.

L – Você gosta de teatro? Por que?

RF – Gosto, gosto muito, mas atualmente vou pouco. O trânsito de São Paulo nos afasta dos espetáculos. Com cinema torna-se mais fácil, pois você pode ir à tarde, ou assistir em DVD. Claro que não é a mesma coisa, mas é a saída que encontrei.

L – Você já esteve no exterior? Onde? Se não esteve, para onde gostaria de viajar e por que?

RF – Sim, o prêmio Teresa Martin me proporcionou uma viagem à Europa e a publicação do livro “Eu: primeira pessoa, singular”. Estive na Espanha, França, Itália e Suíça. Fiquei 28 dias. Recentemente estive na Argentina, Bolívia e Paraguai. Gostaria de ir a Jerusalém, visitar todos os locais sagrados, tanto dos cristãos como dos judeus, muçulmanos... E de ir à Índia, a Machu Pichu, à Grécia e ao Egito.

L – Você tem predileção por algum gênero literário? Qual? Por que?

RF – Gosto de todos, mas tenho predileção por poesia e conto. Quando estou lendo, embarco no livro, viro uma das personagens, posso me esquecer de comer, de ir pagar uma conta na data certa. De chegar atrasada a um compromisso... Fico totalmente irresponsável. Quando escrevo é a mesma coisa. Podem falar comigo que não ouço. Meu filho reclama sempre disso.

L – Qual dos seus amigos vive mais longe? Onde?

RF – O poeta Guilem Rodrigues, que saiu em 64 por causa da ditadura e vive na Suécia até hoje. Mas vem para cá pelo menos uma vez por ano. Ele escreveu lindos poemas de amor ao Brasil que estão em seus livros.

L – Qual é, no seu entender, o pior sentimento do mundo? Por que? E qual é o melhor? Por que?

RF – Citaria três: ingratidão, deslealdade e ódio. Os melhores são o Amor e a solidariedade.
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L. Se pudesse eleger um único escritor estrangeiro como o melhor de todos os tempos, quem você escolheria? E o brasileiro?

RF – Escritor estrangeiro, sem dúvida alguma, pra mim é Marcel Proust. Quando terminei de ler “Em Busca do Tempo Perdido” me senti órfã literariamente. Achei que nunca mais conseguiria encontrar nenhum escritor que me atraísse. Uma angústia muito grande tomou conta de mim por várias semanas. Brasileiro, Machado de Assis, o mestre dos mestres. Impossível alguém dizer que gosta de literatura e não ter lido e relido os romances e contos do Machado.

L – O que você está produzindo atualmente?

RF – Um romance em que tento resgatar a figura do meu bisavô e do meu avô que não conheci. E um livro para crianças que é sobre um avô e um neto. E pintando muito.

L – Qual livro, ou quais livros, está lendo no momento?

RF – Estou lendo “Vinte e Zinco” do Mia Couto e “Geografia da Fome” de Josué de Castro, que todo brasileiro deveria ler, e relendo o Proust. Estou no 2° volume. Até o final de 2010 pretendo chegar ao 7° volume de novo.

L – Fale de alguma pessoa que você considere exemplar. Por que?

RF – Francisco Buarque de Hollanda, o Chico. Chico além de ser nosso maior poeta, nosso maior compositor, é o maior exemplo de dignidade que vejo no país. Foi ele que com seu canto embalou nossa insônia quando não tínhamos horizonte, traduziu e cantou nossas dores, nossa sede de liberdade, quando o país vivia no escuro. E depois se revelou o lírico que muitos não acreditavam que fosse. Escuto Chico quase que diariamente, e pra mim o encantamento é sempre o da primeira vez que o ouvi. Apaixonei-me por ele quando ouvi “Pedro pedreiro” pela primeira vez. Trabalhava com as letras dele em sala de aula. Às vezes encontro ex-alunos que colocaram o nome dos filhos de Carolina, Beatriz, e me dizem que foi por causa do trabalho que desenvolvíamos em sala de aula.

L – Em quais localidades do País você já esteve e gostaria de voltar? Por que?

RF - Estive no Rio, Belém do Pará, Ilha do Marajó, Manaus, Salvador, Belo Horizonte, as cidades históricas e várias cidades do norte de Minas. Estive também em São Luís, Natal, no interior do Rio Grande do Sul e do Paraná, e algumas cidades do interior de São Paulo. Gostaria de voltar ao Recife, claro, a Belém, à Ilha do Marajó, a Grão Mogol e ao interior do Rio Grande do Sul.
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L – Qual a sua maior decepção literária? E a maior alegria?

RF – Não me lembro de ter tido decepção literária. Às vezes não gosto de um livro, mas não chega a ser uma decepção. Minha maior alegria foi ter descoberto a literatura de Clarice Lispector. saber que ela é muito mais pernambucana do que ucraniana. Chegou ao Recife com alguns meses de idade, e passou toda a infância no Recife. Atualmente fiquei muito feliz ao conhecer Mia Couto.

L – O que você acha que deveria ser feito para estimular a leitura no País?

RF – Além de diminuir o preço dos livros, dever-se-ia instalar bibliotecas em todas as escolas, fábricas, sindicatos e sedes de partidos políticos. E deixar os livros à disposição das pessoas. Há um projeto muito interessante que é o Banca-biblioteca. São mini- bibliotecas totalmente informatizadas, e funcionam em locais de fácil acesso, tal qual as bancas de jornais. Existem em algumas cidades do interior de São Paulo. Penso também que as pessoas deveriam começar a pensar em não ter mais grandes bibliotecas em casa. Só ter os livros que pretende ler ou reler. Seria ótimo se todos pensassem assim. Passassem para os outros os livros que já leram, ou que não pretendem ler. Costumo “esquecer” livros no metrô, nas praças, nos trens. E doei 2/3 dos livros que eu tinha, antes de ter essa consciência. Sugiro que as pessoas pensem isso.

L – Você tem algum apelido? Qual? Fica irritado quando o chamam assim?

RF – Meus amigos me chamam de Riso, e no Literário o Daniel me chama de Ris. Gostei e adotei. Adoro esses dois apelidos.

L – Fale um pouco dos seus planos imediatos. E quais são os de longo prazo?

RF – Dizem que quando a gente planeja Deus ri. Pretendo publicar meus livros. E, é claro, pretendo ser feliz.

L – Há alguma pergunta que não foi feita e que você gostaria que houvesse sido? Qual?

RF – Você não me perguntou sobre cinema. E quero dizer que atualmente estou mais ligada à cinema do que a teatro. Se quando criança eu tivesse conhecido alguém que me dissesse que era possível ser cineasta, provavelmente eu teria embarcado na idéia, porque cinema é tudo, não é? É literatura, é artes plásticas, é música...é tudo.E o cinema brasileiro há alguns anos vive momentos muito felizes, com grandes diretores, grandes atores. Veja a maravilha que é “Bicho de Sete Cabeças”, Central do Brasil, Amarelo Manga, Estamira. E os documentários do Sílvio Tendler que traçou um roteiro da história recente do país, e agora o Utopia & Barbárie que é um panorama da história mundial a partir da 2ª guerra, mostrando a violência, as guerras, mas também as experiências utópicas daqueles que continuam resistindo e não perdem a esperança. Gosto muito também dos diretores estrangeiros: Fellini, Rosselini, Woody Allen, Almodóvar, Bergman e é claro, o grande Chaplin, que revejo sempre.

L – Por favor, faça suas considerações finais, enviando sua mensagem pessoal aos participantes do Literário.

RF - Quero agradecer a você, Pedro, nosso querido Editor, por esta entrevista em que posso me revelar um pouco, e dizer que me sinto muito feliz participando do Literário, ao lado de pessoas tão talentosas e que estão sempre me incentivando com seus comentários.


8 comentários:

  1. Que bela segunda-feira!
    É um prazer conhecê-la um pouquinho mais
    Risomar, e que essa luz que te ilumina se
    torne mais intensa.
    Beijos

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  2. Prazer conhecê-la um pouco e saber que compartilhamos alguns gostos literários, como os livros da Lispector, que são para mim quase de cabeceira. Adoro sua terra e seu povo, e assim, vc. "vizinha" conterrânea.

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  3. Ei, Riso, eis um pouco de você por trás das palavras, esse novelo que nos veste diante da multidão. Muita boa entrevista. Melhor ainda a oportunidade de conhecer um pouco mais de você.

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  4. Salve, Risomar. Entrevista com gosto de conversa sob um pé de manga.
    Aguardamos todos o seu livro para crianças de todas as idades. Desconfio - profetizo - que vai fazer muito sucesso.

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  5. Riso,
    gostei de conhecer um pouco mais de você
    Adorei ler na sua entrevista que você pretende " ser feliz". Já é um grande passo para encontrar a tão sonhada felicidade, né ?
    É muito bom fazer parte do Literário tendo uma pessoa tão simples e cheia de talento como você.
    Na torcida para ver seus livros editados.
    Beijão

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  6. Amigos queridos

    Só agora consegui entrar no nosso Blog para agradecer a vocês pelas palavras tão generosas, e sempre bem-vindas!
    Obrigada e um beijo em cada um.

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  7. Risomar,você se mostra bastante em seus textos, mas há muitas facetas para serem mostradas. Prazer em saber do seu lado pintora e escultora. Gostei de saber mais sobre você.

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  8. Obrigada, Mara querida

    A pintura e a cerâmica são recursos que utilizo para canalizar minha ansiedade, para me aprofundar na literatura.
    Obrigada, você está melhor depois da grande perda do seu querido pai? Tomara que sim!
    Beijos

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