quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010




Difícil talento - VII

* Por Gustavo do Carmo

Voltando do seu trabalho, na corretora, Agostino resolveu dar uma caminhada até o Aterro do Flamengo antes de pegar o ônibus para o subúrbio. Parou na frente de um dos campos de futebol society e ficou observando um jogo.

Pensava em mais quatro frustrações que teve no período: uma atriz muda na hora do teste, uma bailarina desajeitada que torceu o pé e um ator que faltou no estúdio porque foi preso por tráfico de drogas.

Um jovem de pele mulata, careca e forte lhe chamava atenção na pelada. Dominava a bola com facilidade, marcou seis gols, metade deles de cabeça. Era alto e, por isso, especialista em jogadas aéreas.

Assim que acabou o jogo, Agostino entrou pela porta de ferro da grade e aproximou-se do atleta. Teve que erguer o seu braço curtinho sobre os ombros altos e largos do futebolista.
— Com licença?
— O que foi? Quem é você? – Apesar de estar empapado de suor, o jogador, que se chama Breno, perguntou seco e ofegante:
— O que foi? O que você quer?
— Eu vi você jogando. Se saiu muito bem. Parabéns!
— Obrigado. Mas você não respondeu à minha pergunta. Qual o seu nome?
— Oh! Perdão. Meu nome é Agostino. Sou caçador de talentos.
— Tá! Sei! Você é um daqueles empresários caras-de-paus que ficam rondando os jovens aspirantes que sonham em brilhar pela seleção mas vivem sendo iludidos! – Ironizou, desconfiado, Breno.
— Não! Fica tranquilo que eu sou de confiança!
— Mas todo empresário picareta diz que é de confiança.
— Mas pode confiar em mim.
— Você é credenciado na FIFA pelo menos?
— Ainda não. Mas se você...

Agostino é cortado por Breno:
— Então cai fora, meu amigo! Eu não vou arriscar a minha carreira com gente irregular não. Quero gente séria! Aliás, você nem falou pra onde você vai me levar pra fazer esse tal teste.
— Calma, calma! Eu tenho um primo que trabalha num clube em Botafogo. Eu vou falar com ele pra ver quando tem uma peneira e eu ligo pra você.
— Mas eu não estou interessado, não. Jogo bola apenas para me distrair do trabalho de motorista de ônibus. Não tenho interesse nenhum em me profissionalizar.
— É uma pena. Os grandes clubes do Brasil e a seleção vão perder um grande artilheiro. — Eu sou bom aqui na pelada no time da empresa de ônibus. Mas não vou me dar bem atuando no profissional. Agora, me dá licença que eu preciso ir para a garagem tomar banho e fazer o turno da noite – disse o agora motorista de folga Breno, secando o rosto e guardando a toalha na mochila.
— Pensa bem, meu amigo.

A frase de Agostino derrubou a segurança do aspirante a atleta trabalhador, que ficou em silêncio por quase um minuto. Deixou a quadra sem se despedir dos colegas que imediatamente ficaram preocupados. Pensaram até que ele estivesse sendo assaltado, pois Agostino é um desconhecido para eles. Um deles chegou a perguntar a Breno se estava acontecendo alguma coisa.
— Não, nada. Esse rapaz só veio me dar um recado.

Em seguida, voltou-se para Agostino e aceitou a proposta, mas exigindo:
— Está bem. Vou confiar em você. Mas quero todos os seus dados pessoais como telefone, endereço e até número de documentos. Se eu descobrir que estou sendo enganado coloco a polícia atrás de você.
— Tudo bem. Eu entendo a sua preocupação.

Resignado, Agostino deu todos os seus dados: nome completo, endereço, telefone da corretora porque não tem em casa, endereço da corretora, identidade e CPF. Ganhou também quase os mesmos dados de Breno, com exceção dos registros civis.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



2 comentários:

  1. Será que esses caçadores de talentos
    são assim mesmo? Incansáveis?
    Agostino em si é um talento.
    Abraços

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  2. Espero que Agostino não engane o rapaz. Breno faz bem em ser cauteloso, mas não deve deixar que a cautela seja um entrave.

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