

O Corcel
* Por Rodrigo Ramazzini
Quando a esposa lhe avisou que iria a um passeio com outras mães da comunidade, e questionou se ele poderia deixá-la às 15h, na sede cultural para pegar o ônibus, o Bigode, tranqüilo, como era de sua personalidade, acenou afirmativamente com a cabeça e, decidido, respondeu:
– Tá! Vou aproveitar então, já que é no caminho, para assistir ao jogo do meu time no Bar do Teco, e depois vou olhar a “pelada” do pessoal do trabalho lá no Clube Esportivo.
O Bigode era um cara família. Aliás, os amigos viviam dizendo que ele tinha cara de “paizão”. Efetivamente, tinha dois filhos. Chamava-se, batizadamente, de Jorge Augusto, mas ninguém o conhecia pelo nome. O apelido viera do tempo de adolescente, assim como, o discreto bigode que dera a sua origem. Era casado com a Magda há vinte e três anos. Sua rotina resumia-se ao trabalho, à família e a suas duas paixões, o futebol e o seu carro. Se é que podemos chamar aquele Corcel II, ano 81, de carro. Era uma lata velha que, segundo o Bigode, seria reformado quando ele se aposentasse. O Corcel, de cor branca e ferrugem, fora carinhosamente cognominado de “Zorro”.
No horário desejado pela esposa, o Bigode, pontual como sempre, apesar do estado do “Zorro”, a largou em frente à sede cultural, e rumou para o Bar do Teco. Como já estava virando rotina, assistiu novamente o seu time decepcionar. Dessa vez, perdeu a partida por 3 a 2. Saiu do Bar do Teco, ingressou no Corcel, e pensou “duas vezes” se iria mesmo ou não ao Clube olhar a “pelada” do pessoal do trabalho. Sabia que lá, os amigos torcedores do time rival o gozariam o tempo inteiro. Como semelhante situação não seria a primeira, e nem a última vez que ocorreria, resolveu ir.
Assistiu a “pelada”, comeu um churrasco, tomou algumas cervejas e quando o relógio marcou 22h30, ele decidiu ir embora, apesar da insistência do pessoal para que ficasse um pouco mais.
Voltava para casa tranqüilamente no Corcel, pois o Clube Esportivo não ficava muito longe da sua casa, quando o “Zorro” deu duas “engasgadas”, soltou uma fumaça preta pelo cano de descarga e apagou. Por sorte, Bigode ainda conseguiu estacioná-lo em um lugar “seguro”. Antes de descer do carro, ainda tentou por duas vezes ligá-lo novamente, mas sem sucesso. Saindo do Corcel, foi quando realmente percebeu onde estava estacionado. Parara em frente a um Centro Noturno de Lazer Masculino, ou melhor, um cabaré mesmo. Era um cabaré desses de beira de estrada, com lâmpadas laranjas e azuis em sua frente, “anunciando” o Centro Noturno. Bigode olhou para o estabelecimento e um homem alto e forte espiava-o na porta. Clamou um – Meu Deus! E foi abrir o enferrujado capô do Corcel.
Dentre os seus conhecimentos de mecânica de automóveis, averiguou todos os itens que poderiam ser a causa daquele “apagão”. Não encontrou o defeito. Resolveu, então, ligar e por sorte havia levado o telefone celular, pedindo socorro para o pessoal do trabalho que ainda permanecia no clube. Quando falou que estava em frente ao Cabaré Prazer Total, ouviu-se “ao fundo” da ligação uma efusiva vibração.
Enquanto aguardava a chegada dos “socorristas”, algumas “profissionais” do cabaré saíram para a rua e começaram a conversar com o Bigode. A turma do pessoal do trabalho não demorou a chegar. Vieram em três carros, todos com cinco ocupantes. Com isso, a “muvuca” em frente ao cabaré estava montada.
Resolveram, após algumas análises, empurrar o Corcel, para ver se ele pegava no “tranco”. Quando começaram a empurrar o “Zorro”, eis que passa o ônibus com a esposa do Bigode, voltando do tal passeio com as outras mães da comunidade.
Foi aquela gritaria dentro do ônibus. O motorista não teve escolha: parou. Todas as mulheres, lideradas pela esposa do Bigode, desceram. Foi aquela confusão!
Ele não teve tempo de se defender. Quando iniciou a fala, “amor, eu posso explicar...”, o Bigode tomou uma “bolsada” no ombro, e os xingamentos começaram. Ser chamado de “cachorro” foi o mais leve que ouviu. Escutou tudo quieto. Tentou argumentar duas ou três vezes, mas a esposa não deixou. E assistido pelo pessoal da “pelada”, as mulheres da comunidade e pelas “profissionais”, ouviu a esposa, enfaticamente, pedir, “quero o divórcio!”, virar as costas e caminhar em direção ao ônibus.
O Morcego, velho amigo do Bigode, tentando ajudar, “saltou”, e parando-a, assumiu a culpa, dizendo que a idéia por eles estarem naquele local fora dele. Que o Bigode não tinha nada a ver com isso, que ele nem queria ir, fora por insistência. Foi pior. Assim, apenas confirmou que a ida do Bigode ao cabaré era opção.
O corpo inteiro do Bigode tremia. Nervoso, não acreditava no que estava acontecendo. Os amigos tentavam consolá-lo. Terminado o “show”, a esposa e as outras mulheres da comunidade embarcaram novamente no ônibus. Foi quando que, sendo solidária, uma das “profissionais” trouxe um copo de água com açúcar para o Bigode, no intuito de acalmá-lo. Passou-lhe a mão no rosto e lhe entregou o copo. A esposa do Bigode, vendo a cena, e com o ônibus já começando a entrar em movimento, enciumada, gritou:
– Não acredito. Pára!
E esquecendo-se das cenas anteriores, proferiu:
– O que aquela vagabunda está pensando. Do Bigode só eu cuido!
O ônibus parou e a confusão recomeçou.
* Jornalista e cronista
* Por Rodrigo Ramazzini
Quando a esposa lhe avisou que iria a um passeio com outras mães da comunidade, e questionou se ele poderia deixá-la às 15h, na sede cultural para pegar o ônibus, o Bigode, tranqüilo, como era de sua personalidade, acenou afirmativamente com a cabeça e, decidido, respondeu:
– Tá! Vou aproveitar então, já que é no caminho, para assistir ao jogo do meu time no Bar do Teco, e depois vou olhar a “pelada” do pessoal do trabalho lá no Clube Esportivo.
O Bigode era um cara família. Aliás, os amigos viviam dizendo que ele tinha cara de “paizão”. Efetivamente, tinha dois filhos. Chamava-se, batizadamente, de Jorge Augusto, mas ninguém o conhecia pelo nome. O apelido viera do tempo de adolescente, assim como, o discreto bigode que dera a sua origem. Era casado com a Magda há vinte e três anos. Sua rotina resumia-se ao trabalho, à família e a suas duas paixões, o futebol e o seu carro. Se é que podemos chamar aquele Corcel II, ano 81, de carro. Era uma lata velha que, segundo o Bigode, seria reformado quando ele se aposentasse. O Corcel, de cor branca e ferrugem, fora carinhosamente cognominado de “Zorro”.
No horário desejado pela esposa, o Bigode, pontual como sempre, apesar do estado do “Zorro”, a largou em frente à sede cultural, e rumou para o Bar do Teco. Como já estava virando rotina, assistiu novamente o seu time decepcionar. Dessa vez, perdeu a partida por 3 a 2. Saiu do Bar do Teco, ingressou no Corcel, e pensou “duas vezes” se iria mesmo ou não ao Clube olhar a “pelada” do pessoal do trabalho. Sabia que lá, os amigos torcedores do time rival o gozariam o tempo inteiro. Como semelhante situação não seria a primeira, e nem a última vez que ocorreria, resolveu ir.
Assistiu a “pelada”, comeu um churrasco, tomou algumas cervejas e quando o relógio marcou 22h30, ele decidiu ir embora, apesar da insistência do pessoal para que ficasse um pouco mais.
Voltava para casa tranqüilamente no Corcel, pois o Clube Esportivo não ficava muito longe da sua casa, quando o “Zorro” deu duas “engasgadas”, soltou uma fumaça preta pelo cano de descarga e apagou. Por sorte, Bigode ainda conseguiu estacioná-lo em um lugar “seguro”. Antes de descer do carro, ainda tentou por duas vezes ligá-lo novamente, mas sem sucesso. Saindo do Corcel, foi quando realmente percebeu onde estava estacionado. Parara em frente a um Centro Noturno de Lazer Masculino, ou melhor, um cabaré mesmo. Era um cabaré desses de beira de estrada, com lâmpadas laranjas e azuis em sua frente, “anunciando” o Centro Noturno. Bigode olhou para o estabelecimento e um homem alto e forte espiava-o na porta. Clamou um – Meu Deus! E foi abrir o enferrujado capô do Corcel.
Dentre os seus conhecimentos de mecânica de automóveis, averiguou todos os itens que poderiam ser a causa daquele “apagão”. Não encontrou o defeito. Resolveu, então, ligar e por sorte havia levado o telefone celular, pedindo socorro para o pessoal do trabalho que ainda permanecia no clube. Quando falou que estava em frente ao Cabaré Prazer Total, ouviu-se “ao fundo” da ligação uma efusiva vibração.
Enquanto aguardava a chegada dos “socorristas”, algumas “profissionais” do cabaré saíram para a rua e começaram a conversar com o Bigode. A turma do pessoal do trabalho não demorou a chegar. Vieram em três carros, todos com cinco ocupantes. Com isso, a “muvuca” em frente ao cabaré estava montada.
Resolveram, após algumas análises, empurrar o Corcel, para ver se ele pegava no “tranco”. Quando começaram a empurrar o “Zorro”, eis que passa o ônibus com a esposa do Bigode, voltando do tal passeio com as outras mães da comunidade.
Foi aquela gritaria dentro do ônibus. O motorista não teve escolha: parou. Todas as mulheres, lideradas pela esposa do Bigode, desceram. Foi aquela confusão!
Ele não teve tempo de se defender. Quando iniciou a fala, “amor, eu posso explicar...”, o Bigode tomou uma “bolsada” no ombro, e os xingamentos começaram. Ser chamado de “cachorro” foi o mais leve que ouviu. Escutou tudo quieto. Tentou argumentar duas ou três vezes, mas a esposa não deixou. E assistido pelo pessoal da “pelada”, as mulheres da comunidade e pelas “profissionais”, ouviu a esposa, enfaticamente, pedir, “quero o divórcio!”, virar as costas e caminhar em direção ao ônibus.
O Morcego, velho amigo do Bigode, tentando ajudar, “saltou”, e parando-a, assumiu a culpa, dizendo que a idéia por eles estarem naquele local fora dele. Que o Bigode não tinha nada a ver com isso, que ele nem queria ir, fora por insistência. Foi pior. Assim, apenas confirmou que a ida do Bigode ao cabaré era opção.
O corpo inteiro do Bigode tremia. Nervoso, não acreditava no que estava acontecendo. Os amigos tentavam consolá-lo. Terminado o “show”, a esposa e as outras mulheres da comunidade embarcaram novamente no ônibus. Foi quando que, sendo solidária, uma das “profissionais” trouxe um copo de água com açúcar para o Bigode, no intuito de acalmá-lo. Passou-lhe a mão no rosto e lhe entregou o copo. A esposa do Bigode, vendo a cena, e com o ônibus já começando a entrar em movimento, enciumada, gritou:
– Não acredito. Pára!
E esquecendo-se das cenas anteriores, proferiu:
– O que aquela vagabunda está pensando. Do Bigode só eu cuido!
O ônibus parou e a confusão recomeçou.
* Jornalista e cronista
Se eu estivesse na pele dela, talvez fizesse o mesmo, mas voltar para acudir o transtornado
ResponderExcluirBigode...aí já é demais.
Adorei Rodrigo.
Beijos
Se não fosse o ciúme, muitas histórias nem chegariam a acontecer. O senso de propriedade raramente se faz ausente. E tome bolsadas e xingos. Nas classes menos favorecidas a explosão é ainda maior.
ResponderExcluir