domingo, 17 de janeiro de 2010




De um mundo a outro

Por Adolfo Bioy Casares

I

Depois que almoçaram em um restaurante da Rua Guido, foi dormir a sesta com sua noiva Margarita, na casa dela. Essa tarde, parecida com tantas outras em que Margarita dormiu entre seus braços, de algum modo foi excepcional: jamais, como então, Javier Almagro teve a convicção de que Margarita se lhe entregava tão inteiramente.
Diz-se que tudo, neste mundo, tem um fim. Às quatro e meia da tarde, pontualmente, os dois se levantaram, se vestiram e cada qual partiu para suas obrigações: ela, para fazer o último exame da carreira de astronauta; Almagro, à redação do jornal em que trabalhava.
Seguro de que Margarita havia sido aprovada em seu exame, Almagro deixou passar horas antes de cumprimentá-la. Por isso, às onze da noite tratou de chamá-la pelo telefone. Enquanto formulava mentalmente uma desculpa por sua demora, ouvia o repetido, insistente som da chamada.
Teve que se conformar com uma desagradável conclusão: Margarita havia saído. Onde? Com quem? Por mais que repetisse “Margarita me ama”, “Margarita não me engana”, “Margarita é leal”, se desesperou. Fez obstinadas idas e vindas, levantou os braços e alisou os poucos cabelos da cabeça.
Compreendeu que não tolerava a situação, que um remédio provisório, mas mesmo assim remédio, seria ir ao cinema. Viu no jornal que no Astral havia sessão a noite toda. Refletiu: “Passando de uma sessão a outra, o mesmo caminho fazia a morte, seria, para mim, distração”. Seguiu, pois, para o Astral.
Enquanto olhava pela janelinha do táxi que o conduzia, ocorreu um fato estranho. Ao ver o comportamento normal das pessoas na rua, pensou que ele era o único transtornado e conseguiu reagir. Esforçando-se um pouco, pensou que o fato de Margarita não estar em casa não era prova de que estivesse com outro homem. As palavras “outro homem” despertaram-lhe, passageiramente, sua ansiedade.
No hall do Astral, teve que esperar um pouco, até que a sessão anterior acabasse. Logo, viu, com alívio, que os lanterninhas abriam as portas e, em seguida, começou a sair um rio de gente um pouco ofuscada pela luz do hall e, com certeza, comentando o filme que haviam assistido.
Subitamente, a cena se animou. Surpreendido, atônito, viu, com desespero, o que havia imaginado: a dois passos dele, falando animadamente com um desconhecido, passou Margarita.

II

Tomaram o desjejum em La Rambla, como em todos os dias. Num tom que pretendia ser despreocupado, Javier comentou:
- Ontem à tarde, depois da sesta, acreditei que você ia fazer um exame (nesse momento, sem perceber, levantou o tom de voz), mas não que iria se encontrar com um homem.
Sorridente, nada perturbada, Margarita segurou suas mãos e disse:
- Se o que lhe importa é que eu não o tenha enganado, não se aflija. Nunca senti vontade de traí-lo. Se alguma vez isso acontecer, lhe avisarei.
A última frase desgostou um pouco Javier, mas ele entendeu que deveria deixar passá-la. Não pode, porém, deixar de fazer a pergunta:
- Quem é o sujeito que a acompanhava?
- Um rapaz da faculdade. Não se preocupe, não gosta de mim.
Como se tivesse um impulso de inspiração, Javier começou uma arenga que, sem dúvida, ela estaria cansada de ouvir e que, essencialmente, consistia em assegurar que se ela o amasse como ele a amava, seriam felizes.
- Já somos – assegurou Margarita. E, olhando-o com ternura, explicou:
- Creio que tive muita sorte de encontrá-lo, mas às vezes desejaria que você tivesse aparecido em minha vida um pouco depois. Sou muito jovem, há uma só vida e não gostaria de morrer sem havê-la vivido plenamente. Mas não se importe com o que lhe digo. Nunca me consolaria se o perdesse.

III

Nessa mesma tarde, Javier conseguiu que o diretor do jornal em que trabalhava o recebesse. O personagem é bastante ridículo: tem barriga proeminente e com seus braços curtos e pernas largas, parece uma rã. É flácido, se diria contraído, e a cada momento se agita em contorções nervosas, que devem ser tentativas de relaxar.
Segundo Javier, todo pretexto é bom para irritar o diretor, porém, nada o irrita tanto quanto as entrevista solicitada por qualquer funcionário do jornal. Quando Javier lhe disse que havia se inteirado de que o governo apoiava um projeto de lançar uma nave, num vôo interplanetário, estremecendo de fúria, o homem exclamou:
- Este país não tem jeito! Quando há tanta coisa por fazer, gastar milhões em semelhante bobagem!
Javier teve que fazer um esforço imenso para não desistir de sua proposta. Disse:
- Em minha modesta opinião, prestigiaria o jornal se um dos seus jornalistas viajasse nessa nave e enviasse notas exclusivas.
- Sua modesta opinião me importa coisa nenhuma – replicou o diretor. – Não permitirei que, por nada deste mundo, meu jornal se torne cúmplice de tão absurdo projeto.

Obs:- Tradução (lvre) de Pedro J. Bondaczuk

2 comentários:

  1. O ciúme tem muitas caras, mas a dor vinda dele é a maior e a mais feia de todas.

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  2. A franqueza age tal qual
    um soco no estômago. Uns vão
    a nocaute, outros suportam.
    beijos

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