

Álbum de família
* Por Cacá Mendes
Nos idos de minha mãe, em vida, se bem me recordo em álbum de família do pensamento, em revista a esmo nessas profundezas, temas da sexualidade e afins foram por demais de raros e ocultos lá em casa, decerto como na maioria das outras. No entanto, todavia, embora, muito porém, a falta de cultura escolar e eticéteras afins a minha progenitora, nada lhe intimidaria a observares e expiares.
O meu pai que sempre foi mesmo homem de pouco humor – e ainda o é, pois que viva com seu pouco humor, mas viva – nunca deu nota boa para as visitas que minha mãe recebia. O que ela nem contabilizava, porque de número nunca carecia muito mesmo, só de muita prosa boa e conversa das mais alegres que fossem. De resto, estava aí não para o pouco humor do marido... danar-se-ia para os quintos e os quartos daquele besta de lugar e pronto! Das todas e muitas, tantas, boas, interessantes, uma em especial não poderia adiar mais o registro nesse álbum em pensamento: a do primo distante dela, que atendia pela alcunha de Zé Grande. Mais temido por seus notórios e públicos interesses outros em parceiros do mesmo sexo do que pelo seu tamanho. Arre, o povo naqueles mundos de confins do nosso século anterior devia, acho, penso, imagino, morrer aos borrões de medo do Zé... Imagino, hoje, (porque naquele tempo não teria pensação nisso, creio) que aquele xará do carpinteiro, se quisesse, poderia pegar um homem só com uma mão e fazê-lo, pro bem ou mal, parceiro seu num tiquinho de noite e pronto!
Ah, o danado nem cabia direito na porta quando chegava, havia de abaixar e muito pra entrar de pescoço e tudo pra dentro e conversar com Dona Neném assim, olhando de cima.
A mãe dizia a nós dessa preferência sexual do Zé Grande, o que não entendíamos, pois o pra ela tão normal de saber, dizendo dele ser um “homem macho e fêmea”, achando que a gente iria entender aquele assim: o do disso, nem sei, achando fico, seria pra nós os filhos, os de meninos, nos prevenirmos dalgum possível gracejo, eventual sanha do brutamontes? Ó, mas duvide, ó, do ó de ovo; parece mas não é, sendo a tal da letra que era, entre o Ele e Ela, nunca, na sua fome de gente por gente do mesmo entrosar que devia ter, o ZG deixou escapar alguma gota de maldade nessa vida para os quens ou coisas que fossem. Nunca. Creia.
Mas o que importa ou não importa não me importo, e vale isso que registro nesse hoje de minha vida, é esse tipo de atitude de Dona Neném. Uma mulher tão corriqueira, tão simples, sem um “a” ou “b” de leitura na boca que fosse, mas compreendia as coisas num seu jeito particular de discernimento, que jamais deixaria uma atitude sua ecoar em preconceitos – ainda que fosse a matéria muito distante, complexa, como é a deste levante, fora do desjeito dela de lida. Justiça seja mantida. Sempre.
Em tempo: e falo desse assunto justamente num momento muito próximo de um acontecimento dentro de uma universidade, que chocou a todos. Os pensantes, ao menos. Uma atitude rasteira de universitários que perpetraram um linchamento moral contra uma colega (em pleno século 21!) por ir de mini-saia na faculdade. Eu tenho vergonha de pertencer a um tempo, em que as matérias numa UNIVERSIDADE, somente servem aos outros, nunca a nós... Realmente, uma lição. Vergonhosa.
Ainda bem, minha mãe não frequentou e não frequentaria essa escola.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
* Por Cacá Mendes
Nos idos de minha mãe, em vida, se bem me recordo em álbum de família do pensamento, em revista a esmo nessas profundezas, temas da sexualidade e afins foram por demais de raros e ocultos lá em casa, decerto como na maioria das outras. No entanto, todavia, embora, muito porém, a falta de cultura escolar e eticéteras afins a minha progenitora, nada lhe intimidaria a observares e expiares.
O meu pai que sempre foi mesmo homem de pouco humor – e ainda o é, pois que viva com seu pouco humor, mas viva – nunca deu nota boa para as visitas que minha mãe recebia. O que ela nem contabilizava, porque de número nunca carecia muito mesmo, só de muita prosa boa e conversa das mais alegres que fossem. De resto, estava aí não para o pouco humor do marido... danar-se-ia para os quintos e os quartos daquele besta de lugar e pronto! Das todas e muitas, tantas, boas, interessantes, uma em especial não poderia adiar mais o registro nesse álbum em pensamento: a do primo distante dela, que atendia pela alcunha de Zé Grande. Mais temido por seus notórios e públicos interesses outros em parceiros do mesmo sexo do que pelo seu tamanho. Arre, o povo naqueles mundos de confins do nosso século anterior devia, acho, penso, imagino, morrer aos borrões de medo do Zé... Imagino, hoje, (porque naquele tempo não teria pensação nisso, creio) que aquele xará do carpinteiro, se quisesse, poderia pegar um homem só com uma mão e fazê-lo, pro bem ou mal, parceiro seu num tiquinho de noite e pronto!
Ah, o danado nem cabia direito na porta quando chegava, havia de abaixar e muito pra entrar de pescoço e tudo pra dentro e conversar com Dona Neném assim, olhando de cima.
A mãe dizia a nós dessa preferência sexual do Zé Grande, o que não entendíamos, pois o pra ela tão normal de saber, dizendo dele ser um “homem macho e fêmea”, achando que a gente iria entender aquele assim: o do disso, nem sei, achando fico, seria pra nós os filhos, os de meninos, nos prevenirmos dalgum possível gracejo, eventual sanha do brutamontes? Ó, mas duvide, ó, do ó de ovo; parece mas não é, sendo a tal da letra que era, entre o Ele e Ela, nunca, na sua fome de gente por gente do mesmo entrosar que devia ter, o ZG deixou escapar alguma gota de maldade nessa vida para os quens ou coisas que fossem. Nunca. Creia.
Mas o que importa ou não importa não me importo, e vale isso que registro nesse hoje de minha vida, é esse tipo de atitude de Dona Neném. Uma mulher tão corriqueira, tão simples, sem um “a” ou “b” de leitura na boca que fosse, mas compreendia as coisas num seu jeito particular de discernimento, que jamais deixaria uma atitude sua ecoar em preconceitos – ainda que fosse a matéria muito distante, complexa, como é a deste levante, fora do desjeito dela de lida. Justiça seja mantida. Sempre.
Em tempo: e falo desse assunto justamente num momento muito próximo de um acontecimento dentro de uma universidade, que chocou a todos. Os pensantes, ao menos. Uma atitude rasteira de universitários que perpetraram um linchamento moral contra uma colega (em pleno século 21!) por ir de mini-saia na faculdade. Eu tenho vergonha de pertencer a um tempo, em que as matérias numa UNIVERSIDADE, somente servem aos outros, nunca a nós... Realmente, uma lição. Vergonhosa.
Ainda bem, minha mãe não frequentou e não frequentaria essa escola.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
Com que delicadeza você compara as duas situações, Cacá!
ResponderExcluirFico imaginand sua mãe, mineira sábia, que não se deixava dobrar pelo possível machismo do marido.
Belo texto. Parabéns!
Beijo