sexta-feira, 16 de outubro de 2009




Mentira tem perna curta

* Por Rodrigo Ramazzini

Lúcio na fila do banco, esperando há mais de 50 minutos para ser atendido. Um senhor vira-se e puxa conversa.
- Que demora, hein!
- É.
- O pessoal dos caixas fica de conversa e a coisa não anda.
- Pois é.
- Todo dia é a mesma coisa!
- Pois é.
- Hoje ainda só tem dois caixas atendendo.
- É.
- Ficam brabos se a gente reclama...
- É.
- E esse tempo, hein? Chove ou não chove?
- Não sei.
- Vi na previsão que não chovia, mas pelo jeito vai cair uma água...
- Pode ser que sim.
- Tem chovido muito nestes últimos dias...
- É.
- O início do apocalipse. Está na Bíblia!
- Pois é.
- Sabe por acaso que jogo vai passar na TV, hoje?
- Não.
- Também, não! Mas acho até que vou assistir ao jogo do meu time na casa do cunhado... Sabe como é cunhado: se fosse bom não começava com essas duas letras... Pelo menos para alguma coisa tem que servir, né? Há! Há! Há!
- É verdade.
- E essa fila não anda! Outro dia eu fiquei uma hora e meia esperando. O bom é que a gente vai conversando e nem vê o tempo passar...
- Pois é.
- Veio receber?
- Não.
- Eu vim. Sou aposentado. Trabalhei 25 anos em uma empresa que fabrica lâmpadas...
- Bom.
- Ela faz outras coisas também. Mas eu sempre trabalhei na área de lâmpadas.
- Pois é.
- Trabalha?
- Não.
- Essa crise pegou todo mundo mesmo! Os empregos sumiram...
- É.
- Mas não desiste, meu filho! Daqui a pouco tu achas um... É jovem!
- Acho.
- Quando eu tinha a tua idade cheguei a trabalhar de garçom, vigilante de boate...
- Bom.
- A gente vê cada coisa por essas noites...
- Pois é.
- Depois que casei, larguei a noite...
- Bom.
- É casado? Tem namorada?
- Não!
- Está certo! Com esse monte de guria bonita que anda por aí, só louco para casar! Elas que estão atacando agora, né meu filho?

- Pois é.
- No meu tempo não era assim. Era coisa mais reservada. Hoje, está tudo solto...
- Pois é.
- Estava te olhando agora: quem é o teu pai?
- Jorge.
- O da fruteira?
- Não.
- Tu és parecido com o Jorge da fruteira. Conhece?
- Não.
- O que o teu pai faz?
- Agora, nada!
- Aposentado?
- Não... Não... Falecido.
- Ah... Faz tempo?
- Não. Um dia.
- Oh Meu Deus! Meus pêsames... Meus pêsames, meu filho!
- Arãn.
-Será que eu conhecia o teu pai? Onde ele morava?
- Em São Paulo.
- Acho que eu não conhecia, não!
- Preciso ficar um pouco em silêncio. Ainda estou muito abalado.
- Claro! Claro! Compreendo.

Segundos depois...

“Ufa! Que velho chato! Que conversa chata! Mas acho que me livrei dele com essa estória! Graças a Deus!” Pensou Lúcio.

Três minutos depois do fim do bate-papo, o pai de Lúcio entra no banco e logo vê o filho.

- Filho! Que bom que tu estás aqui! Paga essa contar pra mim enquanto eu vou abastecer o carro! Toma: dinheiro e contas... Fui!

Lúcio ainda ajeitava as contas deixadas pelo pai quando o senhor virou-se e indiscretamente, com um ar de deboche, bateu em seu ombro e disse:

- Agora já posso morrer, meu filho! Já vi de tudo nesta vida... Até morto andar!

* Jornalista

2 comentários:

  1. Guerra de gerações. Velhos e jovens não se entendem e cada grupo acha que é o sabido.

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  2. O velho eleva o deboche à categoria de arte e, quando bem empregado, como faz rir!

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