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O que fazer quando as flores murcham?
* Mara Narciso
Não há como falar de flores murchas sem melancolia. Nenhum final é feliz, exceto quando não é exatamente o fim. A transitoriedade das coisas nos faz seres conscientes de que devemos aproveitar o que a vida tem de melhor. Viver intensamente é valorizar cada instante e não ficar paralisado diante das ameaças.
As flores mais belas são as rosas, especialmente as vermelhas, notadamente as colombianas, embora sejam inodoras. A aparência de veludo nos seduz, e recebê-las é indicação de muita consideração ao presenteado. Impossível ficar indiferente a um ramalhete dessas rosas. A visão do presente degela o mais duro coração. Porém, após saírem das suas roseiras, mesmo com todo o cuidado, como as deixar em água gelada trocada diariamente, as rosas têm existência efêmera, e em poucos dias jazem escuras, murchas, despetaladas, sem vida.
O envelhecimento torna as pessoas frágeis de tal forma, que, quando olhamos para um idoso, anteriormente destemido na juventude, custamos a aceitar a redução da força, a insegurança dos passos, a finura da pele, a inconstância da memória. As mudanças corporais fazem a postura humana ficar semelhante a dos outros primatas. A regressão instala-se de maneira desapontadora. A iminente finitude nos angustia na medida em que a vida vai tornando-se um sopro, uma chama que se apaga dia a dia, uma pessoa que vai murchando até o limite da extinção. O que fazer quando alguém que amamos morre?
A paixão é um sentimento febril que torna os amantes corajosos, gigantes, inconsequentes, impetuosos. Nenhuma palavra é forte o suficiente para explicitar a loucura que sentem. Buscam lá dentro do dicionário somente superlativos, palavras impactantes, que são sempre insuficientes para mostrar o quanto se amam e estão felizes. Mas a paixão, como outros sentimentos, tem o seu nascimento, crescimento, apogeu, e declínio.
Duas pessoas apaixonadas não vivem sob a batuta do mesmo ritmo de tempo, podendo a paixão extinguir-se apenas numa delas. O que fazer quando a paixão acaba? O outro lado experimentará o pior dos castigos: o descarte. “É preciso deixar alguém partir quando não cabemos mais em suas vidas”. A libertação causará alívio num relacionamento em que o amor já se manifesta como algemas.
Num discurso em Recife, um dia perguntou Dom Helder Câmara: “O que fazer quando as flores murcham?”Assim como acontece com as rosas, no amor tem o tempo de plantar e o tempo de colher, tem a hora de chegar, e a hora de partir, o período do riso, e o período do choro. Mas há também o momento do luto terminar, da vida continuar, de coisas boas acontecerem. Nisso se resume viver: lamber as feridas e usar antigos e novos motivos para construir em cima do túmulo das flores, das dores e dos amores. Embora não pareça nada fácil, é preciso buscar ser feliz outra vez.
* Médica, acadêmica de jornalismo, autora do livro “ Segurando a Hiperatividade”.
* Mara Narciso
Não há como falar de flores murchas sem melancolia. Nenhum final é feliz, exceto quando não é exatamente o fim. A transitoriedade das coisas nos faz seres conscientes de que devemos aproveitar o que a vida tem de melhor. Viver intensamente é valorizar cada instante e não ficar paralisado diante das ameaças.
As flores mais belas são as rosas, especialmente as vermelhas, notadamente as colombianas, embora sejam inodoras. A aparência de veludo nos seduz, e recebê-las é indicação de muita consideração ao presenteado. Impossível ficar indiferente a um ramalhete dessas rosas. A visão do presente degela o mais duro coração. Porém, após saírem das suas roseiras, mesmo com todo o cuidado, como as deixar em água gelada trocada diariamente, as rosas têm existência efêmera, e em poucos dias jazem escuras, murchas, despetaladas, sem vida.
O envelhecimento torna as pessoas frágeis de tal forma, que, quando olhamos para um idoso, anteriormente destemido na juventude, custamos a aceitar a redução da força, a insegurança dos passos, a finura da pele, a inconstância da memória. As mudanças corporais fazem a postura humana ficar semelhante a dos outros primatas. A regressão instala-se de maneira desapontadora. A iminente finitude nos angustia na medida em que a vida vai tornando-se um sopro, uma chama que se apaga dia a dia, uma pessoa que vai murchando até o limite da extinção. O que fazer quando alguém que amamos morre?
A paixão é um sentimento febril que torna os amantes corajosos, gigantes, inconsequentes, impetuosos. Nenhuma palavra é forte o suficiente para explicitar a loucura que sentem. Buscam lá dentro do dicionário somente superlativos, palavras impactantes, que são sempre insuficientes para mostrar o quanto se amam e estão felizes. Mas a paixão, como outros sentimentos, tem o seu nascimento, crescimento, apogeu, e declínio.
Duas pessoas apaixonadas não vivem sob a batuta do mesmo ritmo de tempo, podendo a paixão extinguir-se apenas numa delas. O que fazer quando a paixão acaba? O outro lado experimentará o pior dos castigos: o descarte. “É preciso deixar alguém partir quando não cabemos mais em suas vidas”. A libertação causará alívio num relacionamento em que o amor já se manifesta como algemas.
Num discurso em Recife, um dia perguntou Dom Helder Câmara: “O que fazer quando as flores murcham?”Assim como acontece com as rosas, no amor tem o tempo de plantar e o tempo de colher, tem a hora de chegar, e a hora de partir, o período do riso, e o período do choro. Mas há também o momento do luto terminar, da vida continuar, de coisas boas acontecerem. Nisso se resume viver: lamber as feridas e usar antigos e novos motivos para construir em cima do túmulo das flores, das dores e dos amores. Embora não pareça nada fácil, é preciso buscar ser feliz outra vez.
* Médica, acadêmica de jornalismo, autora do livro “ Segurando a Hiperatividade”.
Lindo texto, Mara, cheio de lições de vida. Flores bem vivas e perfumadas para você.
ResponderExcluirMara, assino embaixo. Bela descrição, embora o tema nçao seja tão belo assim. Finais são sempre trsites e na verdade, não sei porque e para que existem.
ResponderExcluirAbs,
Clara dos Anjos
Que lindo texto, Mara. Realmente a dor do fim é dolorosa, mas depois passa. O triste é que quando o fim acontece, sempre achamos que não vamos aguentar. Mas depois de um tempo a dor passa, e mal acreditamos que sofremos tanto.
ResponderExcluirLinda a comparação da postura da velhice com a dos primatas. Nunca havia pensado nisso, mas é muito verdadeira.
Beijos
Fico com o Marcelo, a Clara e a Risomar : Lindo texto !
ResponderExcluirComo diz Erico Veríssimo, " A vida começa todos os dias".
E estamos sempre amando e desamando. E tornando a amar....
Viver é isso. Conviver com as perdas. As frustrações. Com o que deu certo e o que não deu certo.
Mas o que eu acredito sempre é na capacidade que nós, seres humanos temos, de nos reinventar todos os dias.
A vida continua sempre. O espírito não envelhece. Não perdemos o que vivemos. O que construímos e nem o que aprendemos. Somos pequenos demais diante do universo e da grandeza da vida.
As flores murcham mas deixam o perfume nas mãos.
Beijos !
Ah, bons os tempos em que havia hormônios e ilusões. Podíamos tudo, então! Porque não sabíamos que éramos pouco, pouca coisa, e ao sabermos ... ai, ai, ai ... Nascemos cheios de muletas, anteparos, suportes, tudo se conjuga para não cairmos, mas com o tempo vamos perdendo até a noção de eixo. Ou aprendemos a levitar ou vence a gravidade! Vc, cara Mara, parece alheia à queda, pq é de cima que sua crônica cai sobre o leitor como uma bênção. Que coisa linda, sô! Parabéns!
ResponderExcluirLi em algum lugar que a tristeza produz coisas lindas. Assim como as flores e a vida, o amor também é impermanente. As perda são dolorosas. O luto é necessário para o recomeço. A esperança a melhor companhia.Belo, Mara! Parabéns, querida!
ResponderExcluirBeijos
Marcelo, Clara, Risomar, Celamar, Daniel, Evelyne, estou feliz com a leitura de vocês, comentários e estímulo. A nossa capacidade de reconstrução é bem maior do que imaginamos. Estou entrando na fase da saudade leve, com alegria de ter vivido tudo quanto quis, mas por bem menos tempo que o desejado. Muito obrigada!
ResponderExcluirHá de haver sempre um bom motivo pra que gente volte a cuidar de nossos jardins, Mara.
ResponderExcluirEduardo, hoje já molhei as plantinhas novamente: prazer em ouvir música, em fazer caminhada. Logo estarei cuidando direitinho do meu jardim.
ResponderExcluirParabéns Mara!
ResponderExcluirE obrigada por nos brindar com sua coerência.
Acredito muito no tempo necessário para o luto, para a reconstrução e afins. Só precisamos ter cuidado para que esse tempo não seja para sempre...
Se não consegue chegar ao jardim, abrir as janelas é um grande passo.
Um forte abraço e boa sorte!
Rosângela Alves.
Rosângela, os amigos e a família são uma ajuda indispensável. Muito obrigada pelas suas sensatas palavras.
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