quarta-feira, 10 de junho de 2009




Alguém do outro lado da linha

* Por Marcos Alves

Atendi ao telefone assim que tocou. Era um dia atarefado, daqueles em que é melhor resolver as coisas rápido. Do outro lado, uma voz feminina pergunta se estou interessado em mudar de operadora. Digo que não. A moça do tele-marketing insiste.

Repito que não, de fato não me interessa trocar de operadora e, além do mais, uso um aparelho de plano corporativo. “Não compensa”, digo, “nem é o caso negociarmos”, enfim... Pela forma como reagiu, deu para perceber a leve decepção de minha interlocutora, mas foi uma experiência ainda mais reveladora. Deu mesmo para ouvir a respiração da jovem, seguida de um suspiro, quase um desabafo e isso me interessou.

Cheguei a fantasiar como seria sua aparência: teria entre 18 e 23 anos, estudante e que deveria estar naquele emprego como forma de reforçar a renda. Cumpria dupla ou tripla jornada para pagar os estudos, comprar suas roupas e outras coisas com o próprio dinheiro. Devia ouvir impropérios e cantadas baratas o dia todo, mas isso faz parte – devem ter dito isso a ela no escritório.

Lembrei-me de outra ocasião parecida, que também rendeu uma crônica. Na ocasião, escrevi com muita ironia sobre esse tipo de incômodo. Estamos por vezes envolvidos em uma tarefa profissional ou em uma reunião, ou mesmo conversando com alguém especial e o telefone toca para alguém nos oferecer algo que não estamos sequer pensando em consumir.

Praga moderna que arregimenta um batalhão de jovens dispostos a ficar o dia todo ligando para um monte de gente que não conhece para “divulgar” um produto ou serviço. Na crônica, reclamei da impessoalidade e certo cinismo desse pessoal, a maneira como papagueiam um textozinho previsível e desinteressante, repleto de armadilhas, principalmente se você autorizar alguma coisa.

Mas essa moça tinha uma entonação diferente, era muito educada e parei para ouvir seus argumentos. Quando dei por mim, estava sorrindo enquanto ouvia, calmo e paciente, as maravilhas que ela prometia (inocente) caso eu resolvesse assinar outro plano. Esperei que terminasse para declinar do convite, mas sei que não foi perda de tempo.

A moça que vendia planos de telefonia deixou menos monótona uma manhã sem graça. Dessa vez, não era um papagaio nem um autômato do outro lado da linha. Era uma jovem mulher, a quem prefiro manter na lembrança assim mesmo, sem formas definitivas, caráter ou personalidade. Apenas uma doce criatura, no auge da juventude, repleta de sonhos, a quem prefiro desconhecer no sentido estrito, para não estragar a fantasia.

* Jornalista

Um comentário:

  1. Interessante sua crônica, Marcos.
    Verdadeira ou não, vc não imagina a pressã que um operador ativo sofre no trabalho !
    Eu mesma fui uma. Trabalhava para um banco. Falei com todo tipo de gente : Louca, bêbada, maluca, simpática, educada, ingênua, paciente, impaciente e claro, os engraçacinhos de plantão. Recebi até convites para viagem ( Claro, não aceitei ). E um cliente certa vez me disse ; Você tem voz de........ ( Eu pensei : Vai dizer de MOTEL ) Banco !
    Gostei da experiência. Além de dar aula depois sobre o assunto, o trabalho me ajudou a amadurecer e a ter mais paciência.
    É.....de vez em quando é bom viver de fantasia ! Ajuda.

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