quarta-feira, 10 de junho de 2009


Administrar vaidades

O editor de um jornal, revista, programa de rádio ou de televisão (nãoimporta) precisa ter, entre as muitas aptidões que dele se exigem, talento especial para administrar vaidades. Precisa ter bom-senso, tato e até ser um pouco psicólogo, para não ferir suscetibilidades e, dessa forma, arrancar o máximo dos que abastecem suas edições.
Isso se torna mais importante, ainda, quando o que edita é um espaço voltado à Literatura. Todo artista é, em essência, vaidoso do seu talento e das suas produções. E, desde que essa vaidade não seja levada ao extremo, é bom que assim seja. Faz com que dê tudo de si para assegurar a qualidade do que produz. E o editor que tem talento para administrar isso se consagra, fazendo edições marcantes.
O chato é quando seus subordinados levam a vaidade ao extremo e ficam cheios de melindres face às decisões que ele tem que tomar em seu cotidiano. Há repórteres, por exemplo, que chegam a pedir demissão do jornal quando o editor deixa de assinar matéria que ele fez, não raro para preservá-lo, em geral aquelas reportagens de denúncia que, certamente, vão resultar em processos. Quando age assim, o responsável pela edição assume a total responsabilidade pela publicação e se torna alvo único de ações judiciais. Adota essa providência, portanto, no sentido exclusivo de proteger o companheiro. Este, contudo, movido pela vaidade, não entende essa ação protetora e fica cheio de melindres.
Editores veteranos estão, todavia, acostumados com isso. Desconfio, até mesmo, que são um tantinho masoquistas, ou quase. Quando editam espaços literários, os cuidados têm que ser redobrados. Por exemplo, quando “corrigem” determinados erros, que exporiam os autores do texto até mesmo ao ridículo, não raro são cobrados por isso e nem sempre de forma civilizada. Feriram vaidades. São “punidos” por isso.
Outra coisa bastante comum, no caso específico da nossa revista eletrônica, é o fato de determinado colaborador eventual enviar algum texto e querer que este seja publicado imediatamente. Alguns chegam ao extremo de quererem que o editor “abra” uma edição já terminada, apenas para inserir sua colaboração. Quando não o faz (e nenhum editor é maluco de fazer isso, a menos que se trate de uma obra inédita de Machado de Assis, que tenha ressuscitado apenas para escrever para o espaço), é cobrado com vigor não raro exagerado. Alguns desses colaboradores chegam à atitude extrema de nunca mais mandar nenhum texto para o espaço, o que é uma pena (para ambos).
O que esse pessoal não sabe é que o projeto original do Literário não previa colaborações avulsas. Era para contar com 25 colunistas fixos e fim de papo. O espaço apenas adquiriu a universalidade e amplitude que tem graças ao empenho do editor. Que por sinal, destina agora um dia a mais (os sábados) para abrir a vitrine aos seus textos. Tudo isso leva este Editor paciente (e um tanto psicólogo) a concluir com seus botões – como o autor do bíblico Eclesiastes – “vaidade, vaidade...”.

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Pela ausência de comentários, parece que todos vestimos a carapuça. García Márquez, numa de suas tiradas espirituosas, já disse que todo escritor é vaidoso, e os mais são os que dizem não ter vaidade.
    Alguns, raros, têm razão absoluta em sua vaidade. Como dizia Tolstoi, a respeito do seu romance Guerra e Paz: "É como a Ilíada". Afirmação bela e irrespondível. Mas ele é um caso à parte. Copio sobre ele uma informação dada pelo escritor Antônio Lobo Antunes, em uma entrevista:

    "- Gostava de poder escrever até ao fim?

    - Gostava que me acontecesse como ao Tolstoi. Naquela gare onde ele morreu, puseram-lhe um lençol por cima. Ele estava deitado e no lençol a mão dele continuava a desenhar as letras. Era assim que eu gostaria de acabar...".

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